UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA Programa de Pós-Graduação em Educação – Mestrado em Educação Claudete Imaculada de Souza Gomes Docentes, relações de gênero e sexualidades: desdobramentos nas práticas pedagógicas Juiz de Fora 2017 CLAUDETE IMACULADA DE SOUZA GOMES Docentes, relações de gênero e sexualidades: desdobramentos nas práticas pedagógicas Dissertação de Mestrado apresentada ao programa de Pós-Graduação em Educação, área de concentração: Educação Brasileira: gestão e práticas pedagógicas da Universidade Federal de Juiz de Fora, como requisito para a obtenção do título de Mestra. Orientador: Prof. Dr. Anderson Ferrari Ficha catalográfica elaborada através do programa de geração automática da Biblioteca Universitária da UFJF, com os dados fornecidos pelo(a) autor(a) Gomes, Claudete Imaculada Souza. Docentes, relações de gênero e sexualidades : desdobramentosnas práticas pedagógicas / Claudete Imaculada Souza Gomes. --2017. 164 f. Orientador: Anderson Ferrari Dissertação (mestrado acadêmico) - Universidade Federal deJuiz de Fora, Faculdade de Educação. Programa de Pós-Graduaçãoem Educação, 2017. 1. Relações de gênero. 2. Sexualidades. 3. Educação. I. Ferrari,Anderson , orient. II. Título. Dedico este trabalho às/aos docentes da Secretaria Municipal de Educação de Juiz de Fora, e às três escolas que me receberam nesta pesquisa, e que aceitaram construir comigo este diálogo. Agradecimentos “E aprendi que se depende sempre De tanta, muita, diferente gente Toda pessoa sempre é as marcas Das lições diárias de outras tantas pessoas. É tão bonito quando a gente entende Que a gente é tanta gente Onde quer que a gente vá. É tão bonito quando a gente sente Que nunca está sozinho Por mais que pense estar...” (Caminhos do coração – Gonzaguinha) Ao orientador, e agora amigo, Anderson Ferrari. Minha melhor escolha foi o momento em que decidi que esperaria o tempo necessário para ser orientada por ele. Agradeço por compartilhar comigo esses dois anos de pesquisa, aprendizagem e crescimento. Agradeço por cada encontro, por sua dedicação e paciência para minhas dúvidas, quereres e inseguranças. Este trabalho tem tanto dele quanto de mim. Eu não o faria sem sua preciosa presença para além da pesquisa, em minha existência, como inspiração, e pessoa que admiro. Ao Luciano Camerino, meu marido/amor, agradeço o seu companheirismo, amizade, paciência, compreensão, apoio, alegria e amor. Por estar ao meu lado em todos os momentos, contribuindo, acreditando e me fazendo crer sempre que o caminho escolhido era o melhor. Foi também com/e por ele que este trabalho pôde ser concretizado. Obrigada por ter feito do meu sonho o nosso sonho! Ao Cláudio Magno, meu filho e grande parceiro de vida, sonhos, estudos, leituras e discussões. Foi com ele que a paixão pelas discussões de gênero e sexualidades invadiram a minha vida, para além do pensar e agir da professora. A ele devo, e com ele compartilho, meus maiores sonhos e alegrias. Obrigada por ser o melhor filho e amigo que eu poderia desejar. Ao Claudio Cabral, verdadeiro companheiro de pesquisa e o melhor amigo que o GESED (Grupo de Estudos e Pesquisas em Gênero, Sexualidade, Educação e Diversidade) poderia me dar. Muito obrigada pelo incentivo e oportunidade de aprendizagem de como ser uma pessoa melhor. À banca examinadora, agradeço as preciosas contribuições, a atenção e o carinho com que aceitaram compartilhar comigo esta construção em forma de pesquisa; agradeço ao professor e amigo Roney Polato, por estar ao meu lado desde o início, me auxiliando em todos os momentos; ao amado professor Alexsandro Rodrigues, também responsável por fazer nascer em mim o desejo de pesquisar e discutir relações de gênero e sexualidades; ao professor Marcos Lopes, cuja presença amiga tornou o caminhar mais leve; e à professora Margareth Rotondo, por sua disposição e carinho no acolhimento a esse trabalho. Ao grupo GESED, pelas inestimáveis possibilidades de encontro, amizades, confraternizações, alegrias, estudos, discussões, críticas e sugestões. Com esse grupo construí e estou realizando mais esse sonho. Agradecimento especial à Nathalye, à Kelly e ao Filipe, pelo precioso auxílio na leitura desta dissertação e na constituição da “pré-banca”. Não imagino este trabalho sem todas e todos vocês. Ao Núcleo PPS (Núcleo de Pesquisas e Práticas em Psicologia Social, Políticas Públicas e Saúde), na pessoa querida da professora Juliana Perucchi e todas e todos os membros que o compõem, nos 04 anos em que me acolhe, ensina e incentiva. Boa parte do sonho desta pesquisa nasceu e se afirmou nos nossos encontros. Aos amigos e amigas do mestrado e da vida (não citarei mais nomes...) que fizeram parte deste caminho e o tornaram ainda mais divertido e gratificante. À Universidade Federal de Juiz de Fora e à CAPES, pela concessão de auxílio financeiro, para realização deste trabalho. Com vocês, pessoas queridas, divido a alegria desta experiência. RESUMO Os temas relacionados às questões de gênero e sexualidades estão presentes na escola, formando sujeitos e atravessando o fazer docente todo o tempo. A convivência com a necessidade da discussão desses temas me trouxe para este trabalho. Como professora de ciências e biologia, despertou-me a vontade de ouvir docentes de outras áreas e conteúdos, em outros segmentos do ensino público. Esta pesquisa procurou perceber como tem se dado a abordagem dos temas relações de gênero e sexualidades; como a prática docente tem concebido essa temática; e de que maneira se tem discutido as questões nas escolas pesquisadas. Para tal, utilizei um questionário inicial, que me ajudou a definir as escolas campo e os participantes do segundo momento da pesquisa, na forma de encontros em grupos focais e entrevistas. Para análise das respostas dos questionários e falas, assumi a perspectiva pós-estruturalista de investigação; o que significa dizer que busquei trabalhar com as condições de emergência dos discursos, considerando que somos produtores e produtos deles. Assumindo a importância social da escola como produtora de conhecimentos específicos na construção de saberes por docentes e alunas/os, busquei perceber, através das respostas aos questionários e às conversas que, nas três escolas municipais de Juiz de Fora que receberam a pesquisa, os temas são discutidos de forma individual, partindo da iniciativa e decisão de cada professor/a. As escolas não possuem uma agenda de projetos que privilegiem essa discussão e episódios de preconceitos e discriminações acontecem no cotidiano da escola e podem partir de alunas/os e professores/as; e que os temas não têm sua relevância ainda reconhecida por toda a escola, devido à influência de movimentos conservadores que atuam procurando afastar tais discussões das salas de aula e demais espaços da escola. Conclui-se, temporariamente, este trabalho com a proposta de continuar a escuta dos atores e atrizes que compõem a escola para que possam conhecer melhor os temas em questão e também fazer conhecer mais suas práticas pedagógicas. Palavras-chave: relações de gênero, sexualidades, educação. ABSTRACT Themes related to gender and sexuality issues are present in the school, forming subjects and going through the teaching profession all the time. The coexistence with the need to discuss these themes brought me to this work. As teacher of science and biology, rose up in me the desire to listen to teachers from other areas and contents in other segments of public education. This research sought to understand how has it given an approach to the themes of gender and sexualities; how has a teaching practice conceived this theme; and how have issues been discussed in the researched schools. To do this, I used an initial survey, which helped me to define the schools-field and the participants for the second stage of the research, consisting in focus group meetings and individual interviews. To analyze the answers of the initial survey and the speeches, I assumed the poststructuralist perspective of research; which means that I have tried to work with the emergency conditions of speeches, considering that we are their producers and their products. Assuming the social importance of the school as a producer of specific knowledge in the construction of knowledge by teachers and students, I sought to understand, through the answers to the surveys and conversations, that in the three municipal schools of Juiz de Fora that received the research, the themes are discussed individually, based on the initiative and decision of each teacher. The schools do not have an agenda of projects that privilege this discussion and acts of prejudice and discrimination occur in the daily life of the school and can rise from students or teachers; and that the themes are not yet recognized as relevant issues by the whole school, due to the influence of conservative movements that work to avoid such discussions in classrooms and other spaces of the school. This work is temporarily concluded with the proposal to continue listening to the actors and actresses that make up the school so that they can better understand the themes of gender and sexuality and also make their pedagogical practices better known. Keywords: gender relations, sexualities, school. SIGLAS GESED: Grupo de Estudos e Pesquisas em Gênero, Sexualidade, Educação e Diversidade. PPS: Núcleo de Pesquisas e Práticas em Psicologia Social, Políticas Públicas e Saúde. CAPES: UEMG: Universidade do Estado de Minas Gerais LGBTQI: Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais, Queer, Intersexuais. UFJF: Universidade Federal de Juiz de Fora. PCN: Parâmetros curriculares Nacionais. HIV: Human Immunodeficiency Virus. Em português é traduzida como Vírus da Imunodeficiência Humana. AIDS: Acquired immunodeficiency syndrome. Em português é traduzida como Síndrome da Imunodeficiência Adquirida SME/JF: Secretaria Municipal de Educação de Juiz de Fora APAE: Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais. EJA: Educação de Jovens e Adultos. DST: Doenças Sexualmente Transmissíveis. PEAS: Programa de Educação Afetivo-Sexual SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................... 11 1.1 Uma vida em poucas páginas .................................................................................. 12 1.1.1 Primeiros passos para fora do texto e para dentro do campo de pesquisa 25 1.2 Pós estruturalismo: perspectivas e procedimentos metodológicos ......................... 29 1.2.1 O encontro com o campo .......................................................................... 32 1.2.2 Procedimentos metodológicos .................................................................. 38 1.2.3 Organização da dissertação ..................................................................... 43 2 O CORPO E SEUS SIGNIFICADOS SOCIAIS NA ESCOLA E PARA ALÉM DELA, COMO POTENCIALIDADES NOS PROCESSOS DE FORMAÇÃO DO SUJEITO ....................................................................................... 44 2.1 Corpo, gênero e sexualidades ................................................................................. 45 2.2 Corpo, escola e pedagogias culturais ..................................................................... 50 2.3 Corpo, sujeito, cultura e efeitos de poder ............................................................... 55 2.4 Corpo, linguagem e performatividade .................................................................... 61 2.5 O corpo e a pesquisa com professores e professoras ............................................... 65 3 QUAL ESCOLA OS QUESTIONÁRIOS NOS SUGEREM? .......................... 69 3.1 Quais assuntos aparecem quando você discute nas suas aulas de gênero e sexualidade? ................................................................................................................... 72 3.1.1 A ideia de respeito .................................................................................... 72 3.1.2 Questões ligadas ao conteúdo / disciplina ............................................... 81 3.1.3 Quando o “não” é a resposta ou discutem quando vem do outro ........... 85 3.2 O lugar da escola nas discussões de gênero e sexualidades .................................. 86 3.2.1 O seu papel como formadora ................................................................... 86 3.2.2 Não se sentem preparadas(as) ................................................................. 92 3.2.3 É necessário trabalhar ............................................................................. 96 3.3 Se observa situações de preconceito na escola? ..................................................... 98 3.3.1 Identificação do preconceito com a orientação / diversidade ................. 98 3.3.2 Como o preconceito é manifestado .......................................................... 99 3.3.3 Outras formas de preconceito ................................................................ 101 4 CONVERSANDO COM PROFESSORAS E PROFESSORES SOBRE RELAÇÕES DE GÊNERO E SEXUALIDADES: A ESCOLA E “ESSES ASSUNTOS” ............................................................................................................... 104 4.1 Primeiras palavras em nossas conversas: o que é mais forte no diálogo? O que aparece? ....................................................................................................................... 105 4.2 A construção de gênero na escola ......................................................................... 109 4.3 A insegurança docente: “não me sinto preparada/o para tratar esses assuntos” 112 4.4 A abordagem de gênero e sexualidades e as demandas por essa discussão ........ 119 4.5 A relação escola/religiosidades e seus desdobramentos/atravessamentos ............ 126 4.6 As violências estão na escola. ............................................................................... 132 4.7 Sobre projetos na escola ........................................................................................ 139 5 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES ...................................................................... 145 6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................. 149 7 ANEXOS ............................................................................................................. 158 11 1 INTRODUÇÃO Escrever, para mim, é um aprendizado e um desafio. Meu caminhar vem da prática docente, do estar dentro de salas de aulas, convivendo com alunas/os, colegas, comunidades, construindo e trocando com elas/es saberes, vontades e questionamentos. Ao me encontrar com a perspectiva pós-estruturalista, me veio o desejo de transformar esses momentos de trocas e aprendizados em pesquisa e, consequentemente, em escrita. Mas, como fazer isso? Busquei em Guacira Lopes Louro1 (2007) o auxílio para tentar compreender como se dá essa forma de expressão através da pesquisa, da escrita e da linguagem nessa perspectiva, e por que adotá-la. A autora afirma que “na perspectiva que privilegiamos, não se trata de dizer, simplesmente, que a linguagem que usamos reflete nosso modo de conhecer, e, sim, de admitir que ela faz muito mais do que isso, que institui um jeito de conhecer” (p.236). A partir dessa afirmação, passo a refletir mais a respeito de minhas práticas e incômodos provocados pelos desdobramentos dos momentos que marcavam cada dia na escola e seus efeitos no cotidiano. Posso dizer que a pesquisa que deu origem a esta dissertação nasceu desses incômodos como docente. Neste sentido, busquei problematizar como professoras/es estão tratando as discussões de gênero e sexualidades em suas aulas. Ao pensar como trazer o tema para este trabalho de escrita, o desejo de saber e as formas de pensar a construção dos sujeitos na escola, encontro em Guacira (2007, p.237) a justificativa de que “trata-se de fazer escolhas e de tentar ser coerente com elas – na forma de pesquisar e de escrever”, e é o que eu pretendo buscar nesta construção conjunta com professoras/es. Investigo outras maneiras de olhar o cotidiano escolar, a partir de respostas escritas e faladas de docentes, alguns movimentos que podem ser construídos e alguns desdobramentos pedagógicos possíveis, vindos desse movimentar e constituir de professoras/es, alunas/os e suas relações. Guacira Louro, falando de sua forma de pesquisar e escrever, afirma que A escolha teórica e política que venho empreendendo há alguns anos tem me levado a desconfiar das certezas definitivas, tem me obrigado a admitir a incerteza e a dúvida. Venho aprendendo a operar com a provisoriedade, com o transitório, com o mutante. Isso está muito longe de significar que «vale 1 O uso do nome completo de autoras/es, pelo menos na primeira vez em que aparecem nas citações é, antes de tudo, uma postura política que adoto, por considerar importante que o gênero que declarem seja conhecido ao/à leitor/a. Em citações posteriores, há momentos em que aparece apenas o sobrenome. Nas vezes em que o nome de uma/um autor/autora não aparece no corpo do texto, na referência o nome aparece, após o sobrenome, subvertendo a norma, para que o Gênero desta/deste esteja presente. 12 tudo», mas implica praticar, frequentemente, o auto questionamento. (2007, p. 238) A partir da reflexão feita pela autora, dou início a esse caminhar, na busca pelas palavras, sentimentos, emoções e contradições que ajudam a compor as escolas a serem pesquisadas, uma pequena, mas significativa/significante parte da educação municipal na cidade de Juiz de Fora e suas possibilidades de discussões e abordagens acerca das sexualidades e relações de gênero. Essa construção se dá, inicialmente, a partir da minha própria história de vida, a vida da professora, que me faz ser/estar implicada nessa procura por conhecer, pesquisar e escrever com outras/os professoras/es. Nesta introdução, apresento a construção e desenvolvimento da pesquisa em três pontos a saber: i. Recupero, em parte, a minha trajetória de vida. E com essa trajetória, os encontros e desencontros que me trouxeram até o processo de mestrado, nesse tempo e lugar que hoje ocupo; ii. Coloco-me diante da perspectiva pós-estruturalista, adotada para a realização deste trabalho de pesquisa e escrita, e os procedimentos metodológicos utilizados durante a realização deste trabalho; iii. Trago a organização da escrita desta dissertação, na forma como ela é apresentada. 1.1 Uma vida em poucas páginas A possibilidade de narrar-me, de reviver memórias, sentidos e imagens ressignifica aquilo que me constitui sujeito pesquisador. (DOS ANJOS, 2013, p. 16) Venho de um tempo e lugar em que ser professora não cabia a alguém como eu, menina/moça/mulher, que nasceu e cresceu em regiões rurais, pobre e proveniente de uma educação pensada e praticada para a construção de esposas. Ser professora era para algumas poucas filhas da rara classe média. Pensar por si mesma, ter acesso a formas de problematização, leituras, e o poder de discordar do status quo, geralmente ditado pelos costumes e discursos dos homens era um grande desafio. Já era, de certa forma, um privilégio ser aluna, pois, para quem vivia nas condições em que eu fui trazida, filha de um casal de 13 empregados de fazenda, o que se podia esperar era algo como crescer e ser uma boa cozinheira, uma boa lavadeira de roupas e dona de casa “caprichosa”. Para além da “vida dentro de casa”, a escola era o lugar onde eu podia ir e fazer o que gostava: ler e escrever. Porém, fui obrigada por minha mãe a abandonar a vida escolar aos 11 anos, mesmo sendo a “primeira aluna da classe2”, pois ela achava que mulheres não tinham que estudar e que a escola levava à/ao “perdição/se perder”, à “imoralidade”, uma vez que mantinha as meninas longe dos olhares vigilantes das mães, e ela não permitiria isso comigo. Para minha mãe, e muitas das pessoas que formavam nosso círculo de convivência, o “se perder” correspondia a deixar de ser virgem antes do casamento, o que representava uma tragédia familiar. Atingia a moral e o futuro dos pais, irmãos e da própria moça. Identifico-me nas palavras de Guacira Lopes Louro (2015) quando diz, ao falar de si, que Como jovem mulher, (...) sabia que a sexualidade era um assunto privado, alguma coisa da qual deveria falar apenas com alguém muito íntimo e, preferencialmente, de forma reservada. A sexualidade – o sexo, como se dizia – parecia não ter nenhuma dimensão social. (...) “Viver” plenamente a sexualidade era, em princípio, uma prerrogativa da vida adulta (p.9). Pensando a partir de Guacira Lopes Louro (2015), e na sua afirmação de que “na concepção de muitos, o corpo é "dado" ao nascer; ele é um legado que carrega "naturalmente" certas características, que traz uma determinada forma, que possui algumas "marcas" distintivas” (p.9), concluo que a forma como eu era educada se tratava de mais “um corpo a ser adestrado, modelado, vigiado, corrigido sempre que necessário” (p.9), para que se mantivesse dentro do que era esperado e proposto pelas famílias do interior de Minas Gerais, no início dos anos de 1970. E a autora ainda auxilia-me, mais uma vez nesta reflexão, ao dizer que “as muitas formas de fazer-se mulher ou homem, as várias possibilidades de viver prazeres e desejos corporais são sempre sugeridas, anunciadas, promovidas socialmente” (p.9) (e possivelmente hoje, de forma mais explícita do que antes). “Elas são também, renovadamente, reguladas, condenadas ou negadas” (LOURO, 2015, p. 9) e nos remetem ao controle que era, e frequentemente ainda é, exercido sobre o corpo da mulher, sua circulação e suas possibilidades. Aos 20 anos me casei, seguindo o destino esperado e proposto à maioria das mulheres, com poucas possibilidades de escolha entre as poucas pessoas que me eram permitidas ter 2 A palavra classe aqui se refere à sala de aula, e não grupo ou camada social que se organiza, em sociedades estratificadas. 14 convívio, e sem ter tido outras experiências que eram comuns às adolescentes e jovens da minha geração. Mas o tempo passou e, com 24 anos, já casada e com meu filho no colo, fui fazer supletivo de 1º grau, que concluí em dois semestres. Emendei com o Ensino Médio regular, em três anos, e entrei para a faculdade aos 29 anos, para cursar a licenciatura em ciências biológicas. Fiz minha graduação em uma faculdade que funcionava como campus agregado à UEMG, Universidade do Estado de Minas Gerais, à época sem gratuidade, eu pagava uma alta mensalidade, já que as faculdades no interior eram raras, até o início do século XXI. Graduei-me, fiz Especialização em Plantas Medicinais – Uso, Manejo e Manipulação, na Universidade Federal de Lavras, e, finalmente, me tornei professora, sem, na verdade, planejar isso. Até então, para mim, as concepções do que é ser professora estavam relacionadas diretamente ao que era socialmente aceito como ser mulher e suas relações com o que se entende como o espaço de atuação dessas mulheres e as relações que mantêm com os espaços públicos na condição de professoras, e privados, na condição de mães, esposas e donas de casa. É diante dessa perspectiva que Cláudia Pereira Vianna (2011, p.92) nos alerta sobre os “[...] significados masculinos e femininos que permeiam a história de professores e professoras em suas práticas escolares”. Partindo dessa provocação, encontramos algumas características semelhantes ao que é considerado como “ser mulher”: como aquele ser que age para com o outro com atitudes de responsabilidade, cuidado, paciência, atenção e carinho. A candidata à mãe zelosa e dona de casa, em primeiro lugar e, em sequência, à professora, que era algo como uma continuação desse papel, com os significados para os quais Claudia Vianna (2011) nos chama a atenção. Eu não me via assim, não planejava isso, esses atributos não se aplicavam “tão certinho” a mim, ou seja, me tornar professora, no meu caso, foi uma alternativa que eu posso chamar de inesperada. Em virtude disso, não fiz concurso público ao me formar. Não estava interessada e não achava que aquele seria o meu caminho. Além disso, eu gostava do meu trabalho como técnica de manipulação em laboratório de líquidos e semissólidos. Todavia, um dia surgiu uma possibilidade: meu chefe na farmácia à época, também era professor em uma escola privada, que formava técnicos em enfermagem, e precisou se afastar dessa função; convidou- me a substituí-lo, e eu passei a lecionar microbiologia e parasitologia, nessa escola. Lá permaneci durante 04 anos. Foi uma experiência que significou muito na minha história e em minha constituição como docente. 15 Ao falar de experiência aqui, eu me remeto a Jorge Larossa (2002, p. 24), quando sugere que a experiência “requer parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar, pensar mais devagar, olhar mais devagar, e escutar mais devagar; parar para sentir, sentir mais devagar, demorar-se nos detalhes” e foi o que eu passei a fazer, ou tentar fazer, buscando enxergar para além daquilo que, aparentemente estava claro. Admito que não foi um exercício fácil, pois carrego a tendência em me basear nas vivências anteriores, estar sempre atenta, a procurar me antecipar aos acontecimentos, porém, na aventura de estar/ser também professora eu precisava estar desarmada, aprender com o ensinar, trocar, receber. Logo em seguida, veio a possibilidade de um contrato, uma designação para um cargo na educação pública3. O amigo que ocupava o cargo se exonerou para cursar mestrado em outra cidade, me ligou e sugeriu que eu tentasse. As redes criadas e mantidas pelas convivências e amizades atuaram todo o tempo nesse processo. Encarei o desafio de atuar na Educação Básica, numa Escola Pública Estadual, para turmas de Ensino Médio regular, e poder desenvolver o olhar recém aguçado, para as subjetividades4 e a riqueza que compunha este mundo, o mundo da educação/escola/alunos/as/sujeitos. Descobri que gostava daquele lugar, do que eu fazia lá, na sala de aula, e que estava me tornando professora. Ainda no ano em que me ingressei na docência, na Educação Básica, em 2004, houve um concurso público, da Secretaria Estadual de Educação de Minas Gerais e eu fiz. Fui aprovada e já no ano seguinte, tomei posse como professora efetiva, na mesma escola em que eu já lecionava. Atuei como professora contratada por apenas 07 meses. Eu trabalhava 14 horas por dia, pois era funcionária na farmácia de manipulação, durante o dia, cumprindo carga horária de 44 horas semanais, e à noite, percorria, de ônibus, os 30Km que separavam a cidade na qual eu morava, daquela onde trabalhava como professora de biologia, com turmas de Ensino Médio e Educação de Jovens e Adultos – EJA, e na noite que sobrava, cumpria 04 horas/aula na escola de enfermagem. Um dia, quando já estava na escola fazia 02 anos, um aluno me procurou, dizendo que precisava de um favor. Solicitou que eu contasse à mãe dele que ele era gay, pois não suportava mais a mãe tentando fazer com que ele namorasse as colegas da escola, as amigas 3 O contrato por designação temporária é uma prática comum permitida para o exercício da docência, sem a prestação de concurso público. 4 Subjetividades são esses modos pelos quais nos tornamos sujeitos, são modos de subjetivação, processos de subjetivação que são construídos ao longo da História e se desenvolvem historicamente como práticas de si. Quando falamos de subjetividades, portanto, estamos nos referindo a esses processos organizados e que organizam práticas de si que tem nos discursos e na relação saber-poder suas forças, mas que demonstram também a descontinuidade das formas históricas (FERRARI. 2010, p.9). 16 da rua, ou qualquer menina que ela visse perto dele. Isso me surpreendeu, pois a mãe de meu aluno era funcionária da escola, uma pessoa muito gentil e simpática, geralmente. Entretanto, percebi que ela insistia, com certa frequência, em construir para ele, uma imagem e uma prática com a qual ele não se identificava. João5 se encaixava nos estereótipos mais comuns tidos como identificação de homossexuais masculinos, como trejeitos efeminados, unhas longas feitas e pintadas “à francesinha”, sempre com um pouco de maquiagem. Pelo que posso perceber, ainda hoje, a escola, muitas vezes, se baseia nesses estereótipos para classificar, generificar, enquadrar aqueles e aquelas que não se inserem dentro de um modelo de estética heteronormativa, baseada na “obsessão com a sexualidade normalizante, através de discursos que descrevem a situação homossexual como desviante” (BRITZMAN. 1996, p.79). Nessa sociedade do enquadramento, a heterossexualidade compulsória é trazida para as vidas e práticas de maneira fortemente significativa. “Muitos processos heteronormativos, que conferem à heterossexualidade o monopólio da normalidade - geram e incentivam o menosprezo e violência contra aqueles e aquelas que divergem desse modelo de referência imposto” (JESUS, 2008, p.14) Perguntei a ele por que eu, e a resposta6 me faz pensar até hoje, pois percebo o quanto cada conversa com meus/minhas alunos/alunas foi me formando, me constituindo uma professora e a mulher que reconhece a necessidade e a relevância de discutir temas relacionados a sexualidades com cada uma/um e com os grupos dentro da escola em que me encontre. Deborah Britzman (2015) lembra que a escola é um dos mais terríveis espaços para assumir a sexualidade tida como desviante, e ao pensar longamente sobre o pedido feito pelo/a João, voltou-me a mente a “Lucy”, minha aluna na escola de enfermagem. Mulher Trans, de gestos marcantes, de voz forte, e que já na minha primeira aula se fez perceber. Eu estava assistindo à aula do professor que, a partir daquele dia, eu deveria substituir, e, num dado momento, ela quis dizer alguma coisa, e ele não ouviu. Chamei sua atenção e lhe disse: “Paulo, a moça quer falar”. Ao terminar a aula ele se dirigiu a mim com ar de deboche e me perguntou se eu não havia percebido que “aquilo” era um homem? Respondi que quando 5 Os nomes de todas/os as/os participantes são fictícios, pois não tive a possibilidade de ter contato com todas as pessoas que povoam a minha narrativa e obter delas a autorização para publicação de seus nomes de registro ou sociais. 6 Recupero aqui, memórias da conversa que tive com João, e que teve ação disparadora de muitas atitudes e discussões posteriores: “Porque você não me olha como um bicho esquisito, nunca me chamou de viado, nunca deixou me xingarem na sua aula, você me respeita, e minha mãe respeita você, porque sabe que se importa comigo. A você, ela vai ouvir e prestar atenção, e quem sabe assim ela pare de me encher o saco, pra namorar e casar com mulher”. (João, aluno/a do 1º ano do Ensino Médio) 17 olhava para aquela pessoa eu via uma mulher e para mim era isso o que ela era, e era assim que seria tratada por mim. Mais uma vez, alguém era rotulado/a, e tendo como ponto de partida estereótipos, baseados, sobretudo, nos corpos biológicos e seus significados normatizados e normatizantes, sexualizados e generificados com base na relação sexo/gênero. A convivência com ela, João e outras/os alunas/os LGBTQI7, que fui encontrando, já nos primeiros anos como professora, me atravessaram, transformaram, ou, como Larossa (2004) enfatiza ao dizer de algo que “nos passa”, afirmando que a experiência tem que passar por nós, e em mim produziu seu efeito, para então, ser essa experiência significante. Isso me fortaleceu e sensibilizou para que eu enfrentasse o que viria depois, para as oportunidades de problematização das situações e acontecimentos na escola, e me mantivesse sempre em busca de estratégias pautadas pelo respeito às diferenças e à igualdade de direitos. De acordo com Ana Maria Camargo e Márcio Mariguella (2007), Lidamos com um cotidiano escolar que se desdobra na esteira de “situações corriqueiras, fortuitas e outras mais incomuns”, dentro e fora da sala de aula, nas mais distintas, banais e inusitadas situações de aprendizagem, no âmbito das quais se (re)constroem saberes, sujeitos, identidades, diferenças, hierarquias, possibilidades (p. 27). Nesse sentido, tenho pensado no quanto nós temos nos ausentado do processo de perceber, assumir e discutir as situações que se descortinam todo o tempo, trazidas por alunos/as, colegas, comunidade e que passam como que despercebidas e, muitas vezes, optamos por ignorar. Entretanto, cada uma dessas situações atua na construção dos sujeitos escolares e estão, ainda que não assumidamente, fazendo parte do currículo – oculto8 ou formal - e da dinâmica da escola. Segundo Jane Felipe, 7 A escolha por utilizar a sigla LGBTQI (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis/Transexuais/Transgêneros, Queers, Intersexuais) é devido à, no meu entender, contemplar o conjunto de categorias identitárias presentes com mais frequência na produção acadêmica utilizada por mim neste trabalho, assim como nos discursos do ativismo de uma maneira geral. Nem todas essa categorias estão presentes no discurso das/os docentes que conversaram comigo, mas estão presentes nos espaços escolares e atravessando o cotidiano das escolas pesquisadas. Também é relevante lembrar que outras categorias não contempladas nessa sigla existem e precisam ser discutidas, porém, neste trabalho, elas não apareceram, direta ou indiretamente e por isso não estão relacionadas aqui. 8 O currículo oculto é constituído por todos aqueles aspectos do ambiente escolar que, sem fazer parte do currículo oficial, explícito, contribuem, de forma implícita para aprendizagens sociais relevantes [...] o que se aprende no currículo oculto são principalmente atitudes, comportamentos valores e orientações [...] como ser homem ou mulher, como ser heterossexual ou homossexual, bem como a identificação com uma determinada raça ou etnia. (SILVA, 2003, pp. 78-79). Ainda que o currículo esteja em constante movimento e que classificá- lo não faça sentido, incialmente, a partir das teorias pós-críticas, é importante relatar que os termos que a ele se referem, trazendo-o ainda como formal e/ou oculto, faz parte do discurso praticado pelas/os docentes que participaram da pesquisa, nas entrevistas e encontros de grupos focais. 18 As instituições escolares podem ser consideradas um dos mais importantes espaços de convivência social, desempenhando assim um papel de destaque no que tange à produção e reprodução das expectativas em torno dos gêneros e das identidades sexuais. As relações de poder entre homens e mulheres, meninos e meninas, nas suas múltiplas possibilidades, atravessam a escola dos mais diferentes modos: seja através de piadas de cunho sexista ou racista; seja através de uma acirrada vigilância em torno da sexualidade infantil, principalmente dos meninos, tentando normatizar os comportamentos que porventura não sejam ‘condizentes’ com as expectativas de gênero instituídas (FELIPE, 2007, p. 77). Pensar essas instituições escolares, sobretudo tendo como referências os espaços nos quais eu atuava como professora me fazia problematizar as práticas às quais a autora se refere, ao trazer, dentro do que ela acertadamente chama de relações de poder entre meninos e meninas, as disputas frequentes entre os gêneros por espaços e direitos, e a vigilância sobre os comportamentos, desde a educação infantil, buscando demarcar os universos que cabem ao masculino e ao feminino e onde um gênero não deve ultrapassar as fronteiras definidas como sendo do outro. Essa vigilância, comumente começa na família e é fortalecida na escola, com pedagogias que auxiliam a perpetuação do modelo binário a ser seguido por alunas e alunos. Ao me deparar com o pedido de João e me lembrar de Lucy, percebi que o movimento de discriminação – a homofobia – que reinava na escola me incomodava mais do que eu havia me dado conta, que isso era muito forte para mim e que precisava me aproximar mais da realidade vivida/experimentada/sofrida por meus/minhas alunos/as LGBTQI. E para entender isso que chamamos homofobia, recorro a Daniel Borrilo que esclarece que esse movimento como sendo [...] a atitude de hostilidade para com os homossexuais (...) Embora seu primeiro elemento seja a rejeição irracional ou mesmo o ódio em relação a gays e lésbicas, a homofobia não pode ser reduzida a isso. Assim como a xenofobia, o racismo ou o antissemitismo, ela é uma manifestação arbitrária que consiste em qualificar o outro como contrário, inferior ou anormal. Devido a sua diferença, esse outro é posto fora do universo comum dos humanos. (BORRILO, 2009, p. 15) Em acordo com Daniel Borrilo, Rogério Junqueira (2012) vem afirmar que lhe Parece mais adequado entender a homofobia como um fenômeno social relacionado a preconceitos, discriminação e violência voltados contra quaisquer sujeitos, expressões e estilos de vida que indiquem transgressão ou dissintonia em relação às normas de gênero, à matriz heterossexual, à heteronormatividade (p. 41). (Grifos do autor) 19 Partindo, incialmente, do entendimento do que nos falam Daniel Borrilo e Rogério Junqueira, vi a necessidade de não admitir qualquer tipo de discriminação em minhas aulas. No entanto, não permitir apelidos depreciativos a qualquer grupo ou colega e deixar claro que não admitia racismo, machismo ou homofobia, ainda era pouco. Essa noção surgiu a partir da observação, no cotidiano escolar, de que eu era parte, dos discursos de docentes, gestores, funcionários da escola, trazendo traços de preconceitos (velados ou não) em relação à postura e comportamento de alunas/os que não se adequavam ao que estava estabelecido como próprio do universo feminino ou masculino. Além dos termos já citados como exemplos de discriminação possíveis de ocorrer no ambiente escolar e fora dele, outros existem e estão aparecendo e suas práticas sendo utilizadas para agredir pessoas que subverterem à norma. O uso do termo “transfobia”, por exemplo, se refere à forma de nomear o preconceito, a discriminação, o medo e/ou o ódio dirigido aos sujeitos que se identificam como transgêneros. Segundo Jaqueline de Jesus (2012, p. 25). “O termo transgênero é um “conceito “guarda-chuva” que abrange o grupo diversificado de pessoas que não se identificam, em graus diferentes, com comportamentos e/ou papeis esperados do gênero que lhes foi determinado quando de seu nascimento” Esses sujeitos estão presentes nas escolas e também almejam seus espaços e direitos de ação e circulação, e é necessário que a escola compreenda essa demanda como uma das realidades presentes e legítimas. Pessoalmente, a discriminação me agredia de forma contundente desde criança, não só quando era dirigida a mim, por ser magra demais, por usar óculos “fundo de garrafa”, por ser a prima pobre da família, mas também quando a agressão/deboche/ofensa era dirigida a colegas negros, alguns ainda mais pobres do que eu, discriminação essa que vinha de dentro de casa às vezes, já que venho de uma família com pessoas machistas, homofóbicas e misóginas. E família no interior é tudo misturado, as pessoas convivem muito mais íntima e proximamente, levando-nos a perceber e a sermos vítimas de todas essas formas de discriminação. Ao me tornar adulta, não admitia mais tais atitudes vindas de pessoas próximas a mim e, na escola, isso era uma luta árdua e frequente. Entretanto, com tudo isso, esses momentos vividos com João e Lucy, e outras/os alunas/os, mudaram a minha vida, construíram minhas decisões futuras e me trouxeram até aqui. E pensando sobre isso me remeto ao texto de Dagmar Estermann Meyer (2010), ao dizer que 20 Os estudos contemporâneos sobre o espaço escolar, as práticas pedagógicas que nele se desenvolvem, bem como os estudos que se tem envolvido com as pedagogias culturais têm mostrado como estamos, em nossa sociedade, sempre operando a partir de uma identidade que é a norma, que é aceita e legitimada e que se torna, por isso mesmo, quase invisível – a masculinidade branca, heterossexual, de classe média e judaico cristã. [...] como a norma e a diferença são produzidas, que instâncias sociais estão aí envolvidas e quais são os efeitos de poder dessa produção. É a diferença que marca e reduz o indivíduo ou grupos de indivíduos a ela. (MEYER, 2010, p. 24-25). Ao me debruçar, partindo de leituras que discutem o cotidiano escolar, em textos de Ana Maria Faccioli de Camargo, Márcio Mariguela, Rogério Diniz Junqueira, Jane Felipe, Guacira Lopes Louro, Anderson Ferrari e outros/as, ao relatarem possibilidades de visões diversas da escola, busquei compreender como cada uma tratava seus/suas alunos/as homossexuais, travestis, transexuais, ou simplesmente “suspeitos”, percebendo, na minha prática docente cotidiana, a existência de 2 movimentos que me incomodam: esse que finge que não vê, que quer ignorar a existência desses sujeitos, levando-os à condição de corpos abjetos, e, em contraponto, a prática diária e perversa do controle, da observação constante, da vigília, do controle dos corpos e de sua circulação. Percebo então que, para a escola, enquanto instituição, O olhar intensivo e extensivo posto sobre os corpos das crianças, dos jovens e dos adultos ganha em atenção e torna-se mais minucioso quando se volta para o gênero e a sexualidade. Não seriam essas, afinal, as questões primeiras que são lançadas aos indivíduos? A "definição" sexual e de gênero resulta central; ela se constitui, via de regra, na referência primordial sobre os sujeitos. (MEYER, 2010, p. 5) João foi só o/a primeiro/a aluno/a a recorrer a mim. Depois dele/dela, outros e outras passaram a chegar, conversar, desabafar, pedir apoio, e muitas vezes só colo mesmo. A escola também tinha alunos e alunas que viviam em outras situações de vulnerabilidade social, e em cidades pequenas a gente sempre fica sabendo. Mas, deixá-los sós não era opção. Aqui me vem à mente a leitura do texto de Rosalinda Ritti no qual ela pergunta: Que diferenças são essas entre os mundos, se apenas um mundo nos abriga? Diferenças criadas por nós mesmos, que nos dividimos e nos tratamos como desiguais, que tomamos por base para nossas experiências uma moral soberana e universal, que mata outras possibilidades de existir que não seja aquela submissa às suas prescrições. (RITTI, 2013, p. 161). 21 Volto a pensar na forma/maneira/atitude da escola frente ao desafio de conviver com as diferenças, de maneira que o currículo surge como norma, pois acredito que também podemos pensá-lo como campo de produção, contestação e disputas: que abriga relações de poder, formas de controle, possibilidades de resistência/conformismo, e, nesse currículo colocado em ação, os universos simbólicos e desiguais se enfrentam ao largo de processos de resistência (JUNQUEIRA, 2012). Nessas experiências, buscando mais uma vez Jorge Larrosa, na definição de experiência, como “aquilo que nos ‘passa’, ou que nos toca, ou que nos acontece e, ao passar- nos, nos forma e nos transforma” (LARROSA, 2004, p.126) eu fui me moldando, me construindo, me fazendo professora, mulher, mãe, ser humano, cidadã. E, a partir dessa construção, decidi ampliar os caminhos, alargar as estradas, transpor as montanhas, deixar para traz os obstáculos e com eles a segurança do emprego formal, da casa arrumada, das amizades já construídas, as relações estabelecidas até então, para me lançar na aventura de continuar/retomar a construção de um novo sujeito. Em 2010 resolvi fazer uma seleção para Mestrado em Ecologia; para ver como era, já que não havia tempo para estudar e me preparar, como alguém que estava fora da academia já fazia mais de 10 anos, e que vinha de um curso de graduação que apenas propunha a formação de professoras/es, e onde a pesquisa acadêmica como carreira sequer era mencionada. Resolvi encarar, sem saber direito o que aquilo significava. Fiz as disciplinas, mesmo não sabendo direito o que estava fazendo da vida e daqueles conteúdos, os muitos textos em inglês, com temas que, embora eu reconheça relevantes, não me despertam a paixão que me move. Foram muitos dias e pedaços de noite brigando com tradutor online, dicionário, tentando entender a linguagem técnica dentro de cada assunto, mas estava indo bem, mesmo assim. Veio então uma tempestade pessoal: minha mãe se despediu deste mundo material e meu pai adoeceu gravemente. Nem pensei, só larguei tudo, abandonei o Mestrado e vim para minha cidade natal, cuidar dele. Dos dois empregos, eu havia deixado um e me licenciado do outro. Voltar a morar novamente em Campos dos Goitacazes, onde cursava o mestrado em ecologia eu não queria, estava fora de cogitação; minha vida, naquele momento, eram só interrogações e reticências. E, no meio disso, o dinheiro que eu havia guardado ao longo dos anos de trabalho dava sinais de escassez. Nenhuma certeza para consolar. Começo a vir para Juiz de Fora, com o motivo e pretexto de ficar um pouco mais com meu filho, então estudante do Curso de Psicologia da UFJF. Passo a frequentar a cidade e a UFJF. Do contato com o Núcleo PPS - Núcleo de Pesquisas e Práticas em Psicologia Social, Políticas Públicas e Saúde - com a professora Juliana Perucchi e os/as estudantes de 22 graduação e pós graduação do Curso de Psicologia, vieram histórias, relatos, pesquisas, que atravessam e são atravessados pelos temas relacionados aos gêneros, sexualidades, feminismos, em suas consonâncias e discordâncias em diálogo com os campos da saúde, educação e discussões acadêmicas. Com estes estudos e leituras junto aos membros deste grupo vêm um melhor conhecimento das discussões em torno das relações de gênero e sexualidades, doses generosas de Michel Foucault, Judith Butler, e pinceladas da obra de Guacira Lopes Louro. E Guacira fala das coisas da escola de uma maneira que coincide, muitas vezes, com o que eu também penso e sinto na escola. Múltiplas escolas que eu conhecia, ainda que nos mesmos espaços, com seus aportes, rotinas, regras e valores, formando o processo de normalização e ajustamento heterorreguladores e marginalizadores de sujeitos, saberes e práticas, que se configuram como dissidentes em relação à matriz heterossexual (JUNQUEIRA, 2012, p. 420). Com a obra de Foucault aprendo a perceber como se dá a constituição dos sujeitos, imbricados em relações de poder e resistência. Me encontro nessas conversas, nas problematizações, nas ações do grupo e lembro então de um nome, dito a mim por um amigo, tempos antes: Anderson Ferrari. Procuro saber mais, leio textos seus e decido que quero aprender/estudar com ele. Faço nova seleção de Mestrado, dessa vez para a Faculdade de Educação, trazendo incialmente um projeto no qual proponho buscar compreender como está sendo percebido o papel da mulher no espaço da escola que temos, com um viés feminista. A educação e seus caminhos estavam o tempo todo, nos meus propósitos de estudo e pesquisa. Tenho o projeto aprovado, mas, como não tinha vaga para o Prof. Anderson decido que não vou fazer a prova, afinal, não quero ser orientada por outra pessoa. Agora, era hora de ter mais do que o necessário, fazer como eu quero, com quem eu quero, e isso não significa falta de responsabilidade e sim escolha. Um escolha pensada, medida, esperada, a minha escolha. Tendo como ponto de partida essa escolha, a de tentar outra seleção de mestrado na Faculdade de Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora, um ano depois, agora com certeza de ter a possibilidade de buscar a orientação de Anderson Ferrari, novamente construí uma proposta de projeto e chego à minha questão central, que é o de pesquisar como os/as professores/professoras estão abordando (de forma planejada ou não) as discussões de gênero e sexualidades em suas aulas, no segundo segmento do ensino fundamental, nas diferentes áreas e conteúdos. Temos que os gêneros são organizadores sociais. Segundo Joan Scott (1995), podemos e devemos assumir o gênero como categoria de análise, o que significa dizer que podemos olhar o mundo e problematizar a realidade a partir das relações de gênero. Tomando 23 como ponto de partida essa proposta, podemos pensar que, como outras construções sócio culturais, também essas variam através da história e se referem aos papeis que a sociedade atribui ao que tem em conta como “feminino” ou “masculino”. Nas ações docentes, a construção de gênero se dá cotidianamente, mesmo sem que haja uma intenção ou clareza disso, por parte das/os professoras/es. As aulas são organizadas de acordo com essas noções de gênero que são atribuídas aos sujeitos, podendo partir da escolha de figuras, cores, lugares, músicas, performances direcionadas a umas/uns ou a outras/os, afirmando essa demarcação. As sexualidades, por sua vez, também podem estar sendo utilizadas para a organização das aulas e direcionamento das práticas e discursos, estando isso previsto e declarado no planejamento docente ou não. De acordo com André Sidnei Musskopf (2005) as sexualidades podem ser entendidas como “o dado sexual, composto pela forma (ou pelas formas) como e com quem é expresso o desejo erótico e sexual” (p.187)9. Na escola, essas expressões aparecem e lidar com elas é parte do papel designado à docentes, em todos os segmentos, e nem sempre o planejamento abarca essas possibilidades. Para além dessa proposta central, penso ser relevante procurar, nas narrativas de professoras/es, perceber como se dá o processo de formação dos sujeitos/professores(as) que são, e os possíveis desdobramentos em sua prática com os temas de gênero e sexualidades. A minha trajetória acadêmica e profissional me conduziu à elaboração dessa questão de investigação e dos meus interesses de interrogação. Também quero conhecer os caminhos de constituição do “ser professor/a” e suas intervenções na sala de aula no que diz respeito às relações de gênero e sexualidades. Ainda parece comum que se tome como base de discussão, para a educação básica, o discurso que aborda relações de gênero e sexualidades ancorado principalmente nas diferenças biológicas. Concordo mais uma vez com Guacira Lopes Louro (2001), que tal prerrogativa ainda subsidia a maneira como as professoras se entendem como mulheres e profissionais da educação, no sentido de que suas condutas, tanto no espaço público como no privado, devem corresponder ao que é socialmente estipulado ao seu gênero. E ainda é possível perceber que, em um processo de “acomodação” e “resistência”, as categorias “mulher” e “professora” se fundem. Tal associação “obscurece”, em certa medida, a atuação da professora como profissional da educação, uma vez que seu papel de educadora vai se mesclando com o de “segunda mãe” de seus/suas alunos/as. 9 Outros conceitos e possibilidades de definição existem em outras/os autoras/es e não parto da proposta de que exista uma ou mais que cumpram uma ideia de precisão, pois a multiplicidade de possibilidades existe e se mantem, e isso é importante nessa perspectiva. 24 A esse respeito Guacira Louro diz que [..] é com a feminização do magistério no fim do século XIX e início do século XX que educar crianças na escola vai ser associado à maternidade, ou seja, como a mulher biologicamente pode dar à luz, subentende-se também que pode ser o melhor sujeito no cuidado de crianças. Além disso, tal prerrogativa vai legitimar o abandono da docência pelos homens, que, a partir do século XX, vão partir para profissões que possibilitam ascensão econômica. É nesse contexto que afirmavam que as mulheres tinham, “por natureza”, uma inclinação para o trato com as crianças, que elas eram as primeiras e ‘naturais educadoras’ (p.11). O objetivo nesta pesquisa é identificar/perceber as formas como professores e professoras atuam, de modo a discutir a educação para as sexualidades e relações de gênero, em turmas de ensino fundamental, segundo segmento, em escolas públicas municipais de Juiz de Fora. Nessa proposta, quero ficar atenta para o que Fernando Seffner chama atenção quando fala da importância de desenvolvermos pesquisas que incluam também os homens e os papeis que desempenham nos processos de educação atuais (SEFFNER, 2003). Gênero deve ser entendido como um conceito relacional, que traga a ampliação das discussões não só em torno da constituição das feminilidades, mas também em torno da constituição das masculinidades, uma vez que homens e mulheres são constituídos a partir das interações e referências recíprocas que ambos estabelecem (FELIPE, 2010). E pensando com essa autora é possível inferir que os corpos que circulam pelo universo da escola são múltiplos, variados, contrastantes, e, embora mantenha minha crença na relevância de se discutir e ampliar as pautas feministas10, não podemos menosprezar a presença e importância do masculino nesse universo nos dias atuais. Essa noção advêm da observação cotidiana dos movimentos que se dão nos espaços escolares, das discussões em torno da participação efetiva dos gêneros para a construção desses espaços e a constituição dos sujeitos que por ele circulam. Ao entrar no Mestrado e me deparar com as primeiras discussões e disciplinas cursadas, alterei meu olhar para além dos significados do feminino como protagonista de 10 Na escola, é comum que as relações ainda sejam permeadas por machismo, assim como em muitas relações cotidianas. Seja entre colegas, ou entre alunos/as e professores/as, o patriarcado se expressa das mais variadas formas e desde muito cedo. Representações do movimento feminista pretende que se tenha, também na escola, uma busca cotidiana por respeito, com objetivo de atuar na formação de sujeitos para a cidadania plena, ativa e transformadora. Visa a formação política para meninas e meninos, funcionários/as, professores/as, pais e mães, para a comunidade em geral. Busca a transformação na direção da igualdade, respeitando as diferenças, e isso não se dá naturalmente. Nesse processo, a atuação de educadores e educadoras é fundamental. 25 minha pesquisa e por isso decidi ampliar meu leque de observações para pensar também outros corpos e sujeitos além das mulheres, das professoras que habitam a escola em Juiz de Fora, trazendo também professores do gênero masculino, e buscando intensificar o olhar para a conquista de atores que venham contribuir com suas experiências pedagógicas na construção desta pesquisa. Nesse campo, onde novas identidades sociais tornaram-se visíveis, provocando, em seu processo de afirmação e diferenciação, surgem novas divisões sociais e o nascimento do que passou a ser conhecido como “política de identidades”. De acordo com Stuart Hall (2010) Uma vez que a identidade muda de acordo com a forma como o sujeito é interpelado ou representado, a identificação não é automática, mas pode ser ganhada ou perdida. Ela tornou-se politizada. Esse processo é, às vezes, descrito como constituindo uma mudança de uma política de identidade (de classe) para uma política de diferença (p.21. Grifo do autor) Com o desejo de imergir nesse campo, planejei pesquisar em escolas do município de Juiz de Fora, buscando na perspectiva pós-estruturalista, outras possibilidades de pesquisa, privilegiando uma análise das formas simbólicas, da linguagem, mais como constituintes da subjetividade, ao invés de uma metodologia pré-definida, pois a pós-modernidade apresentou a pluralidade e o questionamento das certezas e totalidades como marcas de uma época em que não há um único modelo a ser seguido, podendo coexistir diferentes possibilidades (BOMBASSARO, 1995; CHALMERS, 1993; GERGEN, 1985). Essa mudança de questão não significa que as questões feministas e tudo o que as atravessa deixaram de ser ponto importante de discussão em meu trabalho, pesquisa e forma de pensar e buscar entendimentos, mas que eu acredito ser possível ampliá-la, partindo da premissa de que a condição da mulher no universo escolar é ponto fundamental para as discussões de gênero e sexualidades. 1.1.1 Primeiros passos para fora do texto e para dentro do campo de pesquisa Para minha pesquisa, escolhi então me afastar desse universo conhecido, das Escolas Públicas Estaduais, campo no qual atuei por dez anos, passando por duas escolas, tendo ficado 05 anos em cada uma, em cidades diferentes, buscando outros espaços. Assim também escolhi não usar como campo o Colégio de Aplicação João XXIII, que, por se tratar de uma instituição federal, traz estrutura e logística diferenciadas das demais escolas públicas conhecidas, o que faz com que muitas discussões comuns em seus espaços, não 26 necessariamente o sejam em outras escolas públicas, e essas característica pode afetar a pesquisa. Os caminhos me levam então ao campo nas escolas da Secretaria Municipal de Educação de Juiz de Fora, que atuam com o segundo segmento do Ensino Fundamental, no qual escolho fazer minhas incursões e buscar conhecer as práticas e os discursos pedagógicos ali declarados. É Jane Felipe (2010) que me chama a problematizar, nos documentos oficiais, as referências a esses temas: No Brasil, a partir de 1996, a sexualidade parece ter ganhado alguma visibilidade no currículo, passando a constar como tema transversal nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs). Alguns fatores contribuíram para que tal condição se instalasse, em especial as preocupantes estatísticas em torno dos índices de contaminação pelo HIV-AIDS, bem como os altos índices de gravidez na adolescência, especialmente na faixa entre 10 e 14 anos (p.132). Sabendo que, constando ou não das resoluções e documentos oficias, as questões de gênero e sexualidades sempre foram parte da escola, mas nem sempre exploradas nas práticas pedagógicas, podemos sugerir que foi, mais frequente a partir dos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 2000), a presença das discussões e o aparecimento na construção do currículo oficial. Analisando a proposta curricular da rede municipal de Juiz de Fora, encontrei no caderno destinado ao ensino de ciências, para o segundo segmento do Ensino Fundamental, a declaração de que os assuntos relacionados às questões de gênero e sexualidades deveriam estar presentes desde os primeiros ciclos. Segundo a proposta do conteúdo de Ciências, reforçando o que vem sendo sugerido nos PCNs, estes temas devem ser abordados e discutidos, de forma transversal, com a participação de outros conteúdos, e deixando claro que: É importante que, além de valorizar as diferenças individuais, o/a professor(a) problematize essas atitudes, levando os/as estudantes a compreenderem que os estereótipos não são “naturais”, mas sim instituídos culturalmente e que precisamos desconstruí-los. Desse modo, é importante avançar das perspectivas que meramente contemplam e respeitam a diversidade, percebendo que as diferenças funcionam como formas de hierarquização dos sujeitos, tornando-os alvos de preconceitos e práticas discriminatórias. (SME JF, 2012 p.25)11 11 Proposta Curricular da Rede Municipal, para a disciplina Ciências, elaborada para a Secretaria de Educação de Juiz de Fora, pelas professoras Claudia Avellar Freitas (UFJF), Márcia Fernandes Pinheiro Hara (SME/JF) e o professor Roney Polato de Castro(UFJF), no ano de 2012. 27 Neste documento os temas são apresentados em “eixos de conteúdos”. Ao afirmar que “trabalhar com o eixo “Ser humano e saúde”, nos permite explorar temas cuja relevância social é ampla, como a sexualidade, as relações de gênero”, a leitura desse documento me fez pensar que ali poderia ter a oportunidade de conhecer como se dava a realização dessas discussões, como se problematizavam ali as questões relacionadas aos temas de minha pesquisa que aparecem na rotina da escola e atravessam os conteúdos anteriormente planejados. Por se tratar de um campo com o qual eu não tenho intimidade, penso que estes espaços educacionais, das escolas municipais de Juiz de Fora, podem ser muito férteis para as discussões e problematizações que meu trabalho pode despertar. Esse mesmo documento ainda esclarece que Ao abordar a sexualidade é importante ir além dos assuntos já tradicionais – mecanismos de reprodução humana, anticoncepção, conhecimento sobre as doenças sexualmente transmissíveis – sem, no entanto, desconsiderá-los. É necessário ampliar o conceito de sexualidade, entendendo-a como a possibilidade legítima de vivenciar os desejos e os prazeres, o que não se limita às relações sexuais. (...) É importante compreender que o olhar do adulto sobre a sexualidade entre crianças e entre adolescentes pode estar contaminado por certos estereótipos. A curiosidade e as brincadeiras entre crianças, que envolvem o toque, as carícias, podem não ter a “má intenção” pressupostas pelos adultos. Da mesma forma, a vivência da sexualidade entre adolescentes não é algo a ser rechaçado ou proibido. Deve, na verdade, ser objeto de debate. (SME JF, 2012. p.26) A menção da palavra debate (grifo meu), presente no texto, me deixou esperançosa de encontrar nesse campo discussões, menções ao tema, possibilidades que me permitiriam enxergar para além do documento formal, permitindo problematizar a prática e rotina, então posta nesses espaços. Para James Marshall (2008), problematizar está ligado à história do pensamento, o que significa dizer que Um sistema de pensamento seria uma história de problemas ou uma problematização (...) e a problematização envolve a produção de um objeto de pensamento livre de visões a priori, e a sabedoria de práticas e crenças reconhecidas. E, vez de estabelecer modelos seguros de pesquisa baseados no conhecimento estabelecido do problema/prática a ser pesquisado, (...) o que se exige é uma pesquisa que seja uma “preguiça furiosa”, como Foucault a chama. São essas questões gerais que a tornam suscetível (possível) de conhecer a verdade (pp. 30-38) E partindo daqui, configuram-se, então, preocupações e anseios, relacionados à forma como preciso me colocar diante do que ouviria, das coisas que iria ver e perceber sobre as 28 práticas escolares, didático-pedagógicas de cada participante, dos sistemas de pensamento presentes nesse universo, fazendo o exercício de pesquisar. Tinha em mim a ansiedade de quem não sabe bem o que iria encontrar, que buscava exercitar o olhar e a percepção para o campo, e não sabia quais efeitos esses encontros trariam ao meu próprio eu. Trago aqui às palavras de Zaine Mattos (2013), em que a autora nos diz que Pesquisar é um processo de construção de si como pesquisador(a). Vamos nos constituindo pesquisadores e pesquisadoras frente às nossas linhas de pesquisa, às nossas perspectivas teóricas, ao contato com o campo de pesquisa e com nossos modo de pesquisar. Portanto, podemos dizer que nos constituímos pesquisadores e pesquisadoras mediantes às experiências que vivemos nos percursos de nossas pesquisas. Para pensar esse processo de tornarmo-nos pesquisadores(as) recorro ao conceito de experiência na perspectiva foucaultiana, na qual experiência é problematizada como processo de subjetivação, portanto implicados em jogos de verdade, relações de poder e construção de si e dos outros (p.68). Para Edgardo Castro (2009), Foucault entende o termo experiência como processos que arrancam o sujeito de si, que o transformam, impedindo-o de ser sempre o mesmo, tendo isso como processos de dessubjetivação (p.161). Porém, Zaine Mattos afirma que “os comentadores de Foucault atribuem mesmo o termo experiência em seus estudos à noção de subjetivação... busca na história a construção da experiência. Não há uma separação entre o sujeito e a história, eles se dão juntos” (p.179). Pensando com esses/essas autores/as, concluo que o sujeito é construção dinâmica e constante, resultado sempre parcial das ações que se dão no cotidiano. Ao partir dessas leituras e falas que trazem uma nova - para mim - forma de escrever, penso que será um desafio me desprender da escrita dura e descritiva, tão comum nos textos da biologia, da filosofia clássica, da ciência quantitativa, exata, numérica, onde experiência, com muita frequência, se refere a testes laboratoriais ou em campo, que possam ser repetidos, confirmados, para somente aí serem introduzidos no campo das “ciências”. E então, recorrendo a James D. Marshall, que afirma que “dar um passo atrás é (...) a liberdade de separar-se do que se faz, é o movimento pelo qual alguém se separa do que faz, de forma a estabelecê-lo como um objeto de pensamento e a refletir sobre ele como um problema” (grifos do autor) (2008, p.31), decidi dar esse passo atrás, sair desse mergulho na pretensa exatidão e mergulhar no universo do subjetivo, do puramente humano, das construções sociais a partir da 29 experiência de cada um/uma, essa experiência que constrói novos sujeitos a cada momento, a cada acontecimento, pensamento ou ideia vivida, compartilhada, sentida. 1.2 Pós-estruturalismo: perspectivas e procedimentos metodológicos Inspirando-me principalmente em autoras/es como Guacira Lopes louro, James Marshal, Dagmar Meyer e Rosângela Soares, quero dizer que a pesquisa se aproxima da perspectiva pós-estruturalista. Meyer e Soares (2005), ao apresentar sua compreensão a respeito das pesquisas pós-estruturalistas afirmam que essas se organizam por movimentos e deslocamentos, ao invés de priorizarem os pontos de chegada, e focalizam suas lentes nos processos e nas práticas, sempre múltiplas e conflitantes, que vão conformando-os – e se conformando nos – próprios “caminhos investigativos”. Assumir posturas como essa, entendendo-as como sendo interessantes e produtivas para os processos de pesquisar, não é, evidentemente, muito confortável. Ao contrário, elas desestabilizam nossas ancoragens teóricas e nossas certezas, nos colocam frente a frente com a parcialidade dos mundos que habitamos e nos confrontam com as nossas próprias incongruências (p.42). Dialogando com Marlucy Paraíso (2004), ela afirma que essas pesquisas constituem sistemas abertos, compostos por linhas variadas, e também compõem linhas, tomam emprestado algumas e criam outras possibilidades no campo da educação. Acredito ser possível postular que é através da forma como cada professor/a fala de si, de sua formação acadêmica, de sua prática pedagógica, de suas impressões, construídas a cada dia em que atua como docente, que podemos conhecer as concepções que norteiam a vida e a prática desses atores e como se inserem no processo de construção dos saberes nos universos escolares. Cada docente/educador/a presente em uma escola está, a partir de suas práticas e discursos, construindo sujeitos, pois praticar educação é trabalhar todo o tempo com o sujeito e sua construção cotidiana. O conhecimento não se dá a partir do vazio, mas, pela crítica de um conhecimento prévio, não crítico, que pode ser desconstruído, quer pela experiência, quer pela retórica, ou de ambas que, imbricadas, produzam tal efeito. De que maneiras as/os professoras/es estão pensando suas práticas pedagógicas no sentido de atuar nessa construção? Como pensam? Por que pensam dessa ou de outra forma? Ou por que dessa e não daquela maneira? As problematizações em torno da rotina das escolas é uma prática nesses espaços? Segundo Paraíso (2004): 30 Nessa perspectiva, exploram-se as linhas das subjetividades e dos modos de subjetivação em diferentes pesquisas. Tem-se frequentemente perguntado nesse tipo de pesquisa: “como nos tornamos o que somos?”; “que técnicas e tecnologias são acionadas na produção de determinados tipos de sujeitos?”; “por que queremos que alguém se torne um sujeito de um certo tipo?”. E, nesse caso, têm sido descritos “enunciados” e perseguidas as “técnicas de dominação e técnicas de si” (com inspiração, sobretudo, no pensamento de Michel Foucault), para mostrar o processo de produção de sujeitos de certos tipos: “crítico”, “construtivista”, “amigo da escola”, “livre”, “heterossexual”, “afetuoso” etc. Existe aí um encontro das linhas da subjetividade e do sujeito com as linhas do poder ou das relações de poder que explicam como as coisas, os objetos e os sujeitos são construídos, formados, impondo- se como “verdades da educação”. [..] Nesse sentido, nas pesquisas pós-críticas, exploram-se as produções de sujeitos de diferentes modos (pp. 291-292) Pesquisar e escrever a partir da perspectiva pós-estruturalista é também um exercício novo, que se soma às aprendizagens que esse trabalho me traz. Percebi que essa perspectiva oferece ao meu campo de pesquisa e ao meu universo de atividades uma fertilidade que possibilita algumas reflexões que são importantes para a prática educacional. As possibilidades que nos chegam através dela promovem a heterogeneidade, oferecendo múltiplas aberturas, sem estar obrigatoriamente ligado a um conhecimento anterior/prévio/pronto, o que coaduna com um de meus desejos iniciais, o de buscar o também novo. De acordo com Tomaz Tadeu da Silva (2005), o constructo ideológico pós- estruturalista amplia até mesmo o conceito de poder, [...] como proveniente não somente das esferas do Estado, mas presente “em toda parte”. (p. 147). De acordo com James Marshall (2008), “na pesquisa educacional e nas teorias subjacentes a ela, houve uma longa série de debates sobre como fazer a abordagem e como fazer pesquisa. Parece não ter havido nenhum acordo prévio acerca de um paradigma para a pesquisa educacional” (p. 25). Para o autor, a “noção de problematização de Foucault oferece uma caminho para a frente” (p. 29), com riqueza de argumentos e que não se propõe a oferecer soluções, proporcionando a oportunidade de ampliar o debate sobre pesquisa no campo educacional, e adotando o que ele prefere nomear como abordagem e não perspectiva foucaultina, buscando a problematização como possibilidade de fazer pesquisa em educação. Adotar a perspectiva pós-estruturalista, sob inspiração dos estudos foucaultianos, é ter a chance, entre tantas, de oferecer ao campo educacional a oportunidade de problematizar questões que eram tratadas pelo sistema clássico de ensino, aprendizagem e avaliação, de forma tradicional e conservadora, sem apostar em metodologias baseadas, de forma sumária, em análises de eficiência e objetos mensuráveis, obedecendo apenas a um planejamento e 31 organização prévias, permitindo que o cotidiano traga informações e surpresas que tenham seus significados levados em conta. Segundo Guilherme Lima Cardoso (2014), esta perspectiva inova ao trazer ao campo as questões de identidade/alteridade/diferença, considerando a subjetividade dentro da pesquisa científica, dando espaço às relações de saber e poder influenciando na cultura da sociedade, onde tensões advindas de gênero, raça, etnia e sexualidade trazem à tona o multiculturalismo. Sobre isso, o pós-estruturalismo trouxe colaboração ímpar à educação (p. 128). Nesse sentido, Guacira Lopes Louro (2007), nos instiga a, durante nossas pesquisas, “desconfiar das certezas definitivas” e nos permitir exercitar a incerteza e a dúvida, admitindo que “a tarefa de conhecer é sempre incompleta, sem fim” (P. 138). Ao estar nas escolas para pesquisar abordagens e práticas pedagógicas, ouvir professoras e professores, também estou exercitando o olhar, procurando perceber além daquilo que vejo e que ouço. O que cada fala docente tem a nos dizer, e que não está tão claro nas palavras proferidas? O que faz com que essas/esses profissionais da educação pratiquem o ensinar/aprender em seu cotidiano escolar, da forma como o fazem? De que maneira as relações de gênero e sexualidades estão presentes e significando em suas práticas? Pesquisar e escrever sobre relações de gênero, sexualidades e seus desdobramentos pedagógicos pode ser um caminho sem volta, que nos captura, uma vez que se nutre de existências, discussões e temas em constante movimento, recheados de transformações e possibilidades, que não cabem em conceitos engessados e estáticos. Lidar com os sujeitos e suas possibilidades, com o ser e fazer desses sujeitos do/no mundo, necessita do olhar capaz de se adequar a esse movimento, às novas possibilidades que constantemente se abrem, evitando a ideia de consenso, de ponto final ou conclusão. A perspectiva pós-estruturalista traz essa capacidade e sugere que vale a pena ir em outra direção, ou seja, buscar o dissenso, uma vez que o “consenso pode levar a um centrismo que, frequentemente, deixa as coisas tal como elas estão” (LOURO, 2007, p. 237). A autora ainda diz que, no caso das pesquisas em gênero e sexualidades “as resistências à perspectiva pós-estruturalista ficam como que potencializadas, pois a abordagem se contrapõe ao anseio pelas verdades universais, seguras e estáveis que é, aí, tão premente”. (LOURO, 2007, p. 139). Partindo da ideia de problematização desse campo educacional, James Marshall (2008) chama a atenção para a oportunidade de dar atenção à abordagem de pesquisa a partir 32 de Foucault. Segundo Marshall, podemos pensar em Foucault como um autor que não nos traz diretrizes, de forma categórica, e sim sugestões que auxiliem na procura pelos caminhos abertos pelo campo de pesquisa proposto. Guacira Louro (2007), nos chama a atenção ainda, para as vezes em que Empregamos um raciocínio do tipo ou isso ou aquilo. Estudiosos e estudiosas pós-modernos sugerem a produtividade de se pensar de um outro modo, na base do e/e, ou seja, admitindo que algo pode ser, ao mesmo tempo, isso e aquilo. Já se adivinha, por esse comentário, que apostamos na possibilidade de questionar o pensamento binário e oposicional com o qual estamos acostumadas a lidar e nos lançamos para experimentar a pluralidade. (p. 138) Aceitar o convite para experimentar a pluralidade, entretanto, nos desafia a ter a pretensão de controlar seus efeitos e seus possíveis significados. Nosso trabalho pode ser visto e interpretado de várias formas, a cada vez que essa oportunidade for colocada. Guacira afirma que “um texto desliza, escapa” (p.137). 1.2.1 O encontro com o campo Esclarecida a perspectiva é hora de falar do campo empírico e dos procedimentos metodológicos. Visitei 5 escolas indicadas pela secretaria Municipal de Educação para, enfim, selecionar 3, como esclareço neste momento. Chego ao campo após contatos por telefone, tentativas por e-mail e assim vou conhecer a primeira escola. Ansiedade antes do primeiro encontro com a escola. Um misto de alegria e medo: o que eu vou encontrar lá? Os professores e professoras vão gostar da proposta que eu levo? É possível dizer que, para compor nossa agenda de investigação, também partimos de pistas e suspeitas. Pegamos nosso quadro, um quadro no qual se inscreve uma (ou mais de uma) história que, de alguma forma, nos provoca, desacomoda, instiga ou nos coloca interrogações e que, exatamente por isso, nos põe em movimento atrás de respostas ou explicações para uma ou mais questões. (MEYER; SOARES, 2005, p. 29). E é impulsionada por esses incômodos que, chego à primeira escola, que aqui nomeio Escola Municipal Bertha Lutz12. Cheguei à escola com meia hora de antecedência. O colégio 12 Os nomes das escolas foram trocados, para evitar identificação direta com as escolas que receberam a pesquisa. A escolha foi por utilizar-me de nomes de mulheres brasileiras com importantes atuações artísticas, políticas e sociais em nossa história. 33 tem portas de aço, não se vê nada lá dentro e não tem campainha. Ouço vozes de alunos, alunas e professores/as, mas sem gritaria. Com simpatia uma funcionária me manda entrar, me sentar e esperar pelo diretor, que ainda não chegou. A escola é limpa e organizada, não ouço muito barulho e o ar está impregnado pelo cheiro bom de almoço sendo feito. Algumas pessoas passam por mim, acho que são professores e professoras e todos e todas me cumprimentam. Enquanto espero, um aluno desce as escadas e se deita nas cadeiras que são fixas, uma ao lado da outra, formando um fila. Eu ocupo duas onde me sento e deixo minha mochila, numa das extremidades. O aluno fica deitado de bruços, com carinha de sono. Conversamos um pouco sobre a preguiça das segundas-feiras e ele permanece ali, sonolento. Passa um colega e lhe diz que “naquela posição ele está pedindo pra ser comido”. Menos de um minuto depois vem a funcionária que me atendeu e lhe manda “sair daquela posição que Napoleão perdeu a guerra”. Foi inevitável não notar que em menos de 3 minutos o aluno se deparou com dois “fiscais de bunda”, para implicar com sua posição. Ali, nem era o fato dele estar fora da sala de aula que era o maior problema, mas a posição, em decúbito ventral, na qual ele se encontrava, que era o maior problema. Penso com Rogério Junqueira (2013), quando ele afirma que a vigilância das normas de gênero é constituída de dispositivos e práticas curriculares de controle, silenciamento, invisibilização, ocultação e não nomeação que agem como forças heterorreguladoras de dominação simbólica, e que, dessa forma atua provocando e promovendo a (des)legitimação de corpos, saberes, práticas e identidades, subalternização, marginalização e exclusão. E a escola, pretenso lugar do conhecimento, mantêm-se em relação à sexualidade e ao gênero, lugar de censura, desconhecimento, ignorância, violência, medo e vergonha (pp.286- 287). Partindo dessa situação visualizada por completo acaso, me vem à mente, “olha aí a escola construindo gênero e falando de sexualidade, mesmo que nenhum dos comentadores faça a menor ideia disso”. Entrei para uma sala a convite da funcionária para esperar pelo diretor e o aluno sonolento me acompanha. Chegamos lá e eu permaneço lendo um livrinho de histórias que peguei numa das estantes da própria escola, cujo título achei deveras curioso, “Manual das desculpas esfarrapadas” e perguntei ao aluno, que aparentava ter cerca de 14 anos, o que ele gostava de ler. A funcionária me sinaliza dando a entender que ele não sabe ler. Eu então continuo a conversar e ele pede que eu leia uma das história para ele. Eu leio e ele fica atento a todas as palavras e expressões com as quais eu tento me aproximar do ofício de uma 34 contadora de histórias. Ao fim da “contação” ele se mostra divertido pela situação, sorri, me agradece e sai da sala. Após meia hora de espera a secretária me avisa que o diretor não poderá vir, pois seu filho não está bem e ele precisa levá-lo ao médico. Pede que eu ligue no dia seguinte para remarcar. Volto para casa, um pouco decepcionada, mas com esperança de que o dia seguinte me reserve uma boa surpresa, o que não acontece, pois ligo e novamente o diretor não está. Depois de várias insistências de contato com o diretor, decidi descartar a escola em função da impossibilidade de autorização para a realização da pesquisa. A segunda escola visitada, e sugerida pela Secretaria Municipal de Educação é a Escola Municipal Chiquinha Gonzaga13. Não sabia onde ficava a escola e pedi ao cobrador e a um menino que está sentado ao meu lado, no ônibus, que me indiquem onde devo descer. Chego às 13:30, com hora marcada com a direção às 14:00. Está acontecendo a semana de literatura nas escolas do município e essa unidade também está comemorando 66 anos de existência, ou seja, é semana de festa. Sou recebida com simpatia e boa vontade, a vice- diretora me pede para esperar na sala dos professores, com água, café, banheiro, ventilador. A escola é bonita, bem conservada, as pessoas simpáticas e atenciosas. Passam das 14:00h e começa o evento, as duas vices e o diretor estão envolvidos com as apresentações e eu entendo. Disponho-me a esperar, claro. Encontro Pedro14, meu colega de GESED15, que descubro, é professor da escola, adorei isso. Fui convidada a assistir as apresentações e fui para o pátio. A primeira é de alunas/os da APAE, eles cantam, dançam e tocam percussão. Acho lindo. Seguem-se as apresentações: Jogral, bumba meu boi, danças...e chega 16:00h. Termina o evento, os professores e professoras levam suas turmas de volta para as suas salas e eu volto para sala dos professores e continuo esperando. Chegam algumas professoras e ficamos conversando sobre as apresentações. 13 Partindo do diálogo com a teoria, e iniciando a busca aos participantes para minha pesquisa, entrei em contato com a Secretaria Municipal de Educação de Juiz de Fora, através do envio de uma cópia do projeto de pesquisa e uma carta em meu nome e de meu orientador, na qual eu solicitava acesso a algumas escolas do município, que pudessem receber a pesquisa, ou seja, que ofereçam o segundo segmento do Ensino Fundamental. Foram necessários quase três meses de negociações, espera, muitos telefonemas e insistência, até que o secretário assinou a autorização e obtive a autorização para trabalhar em 05 escolas, nas quais eu poderia desenvolver meu projeto de pesquisa. Ao final, desenvolvi a pesquisa em três das escolas sugeridas. 14 Todos os nomes de pessoas que encontrei nas escolas foram trocados por nomes fictícios, para preservar o anonimato dos mesmos, assim como prática adotada com os nomes de cada uma das escolas. 15 GESED - Grupo de estudos e pesquisas em Gênero, Sexualidade, Educação e Diversidade - vinculado à Faculdade de Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora, congrega pesquisadores/pesquisadoras, estudantes de graduação e pós-graduação e professoras(es) das diferentes redes de ensino, interessados/interessadas nos temas centrais que constituem o grupo, a partir da perspectiva dos estudos pós- estruturalistas e dos estudos foucaultianos. 35 Às 17:00h o diretor Alessandro, e as duas vice-diretoras chegam para conversar comigo. Ele me faz várias perguntas, me previne sobre as dificuldades em discutir meus temas de pesquisa mas me deixa à vontade para continuar na escola, me convidando para participar da próxima reunião pedagógica e apresentar minha proposta, assim como o questionário que identificará, incialmente, os/as participantes da pesquisa. Retornei no dia e hora combinados, apresentei a pesquisa e deixei os questionários. Fiquei pensando sobre curiosidades que presenciei nesta tarde: professores e professoras conduzindo seus alunos e dizendo “meninos de um lado, meninas de outro”. Uma professora conta que seu sobrinho de 04 anos não admite usar nada na cor rosa, pois isso é “coisa de menina”, e mais uma que conta de “seus filhos homens poderem dormir em casa com as namoradas mas sua filha não, de jeito nenhum, até porque nem os irmãos permitiriam”. Ao contrário de minhas crenças sobre mim mesma, eu conheço muito pouco do universo no qual me encontro. A esta escola, retornei uma semana depois, falei da pesquisa para as/os docentes reunidos e distribuí os questionários, dando início a pesquisa om a primeira escola selecionada. A terceira escola a ser conhecida foi a Escola Municipal Heleieth Saffioti. Chego e sou levada à sala do Diretor Hermes. Sou bem recebida, ele conversa muito, quer detalhes da pesquisa, penso que até me enrolo um pouco com tantas perguntas dele. O diretor lê a autorização da Sec. de Educação e me devolve o documento, diz que não precisa dele, que está tudo bem, e que minha pesquisa será bem-vinda na escola. Sugere que eu envie o questionário para Analice, (colega do GESED e professora da escola) aplicar para mim e que eu vá à reunião pedagógica no dia 03 de outubro. Resolvido quem iria aplicar os questionários, incluí a escola na pesquisa. A quarta escola que conheci foi a Escola Municipal Zilda Arns. Meu marido se oferece para me levar, pois estou em um curso na Universidade, e isso me surpreende, pois ele não tem afinidade com a escola básica, com crianças ou algo que os remeta. Ao chegarmos, vemos que a escola é limpa, arrumada, colorida. Como todas as que visitei até agora. Ainda no pátio percebemos um pequeno móvel, na forma de um púlpito, com um Bíblia aberta sobre ele. Penso: ah, meu estado laico, cadê você? Somos recebidos pela diretora, Ivete, e pela vice, Ana Lúcia. As duas ouvem apenas uma pequena parte da apresentação da pesquisa e Ivete me interrompe, dizendo que por ela, está autorizado, mas que eu preciso falar com a coordenadora, chamada Letícia, pois ela decide a respeito de atos que envolvam os professores da escola. Porém, ela não está presente, por questões de saúde e eu combino de ligar e marcar novamente com ela. 36 Quando estamos saindo, ficamos alguns minutos conversando com Ivete, a diretora, no pátio e ela relata histórias sobre violência no bairro, com guerra de grupos, assassinatos e coisas assim. Diz que, com frequência, precisa chamar a polícia até a escola, e às vezes por causa de confusões perto do portão. O bairro é longe do centro, e abriga um população de baixo poder econômico, assim como duas das escolas visitadas anteriormente. Percebi nos discursos dos/das diretores/diretoras com que falei até agora, uma relação entre comunidades pobres e violência, e o tráfico de drogas também é sempre citado, em algum momento, como uma variável importante e presente na vida da comunidade e de muitos dos alunos, assim mesmo, sempre citados no masculino, o que me deixa em dúvida se essa relação que, segundo os representantes das escolas, os/as jovens vem, cada vez mais estabelecendo com o uso e o comércio ilegal de drogas. Se esse universo é dominado pelos sujeitos do gênero masculino, ou/e se as mulheres tem um participação efetiva nesse processo, seja como usuárias ou como parte do processo de comercialização das drogas, que, frequentemente, segundo alguns/algumas desses/as gestores/as escolares, tem chegado aos espaços da escola, e provocado conflitos, acirrando a violência. No dia seguinte, e nos que se seguiram também não tive vontade de ligar e marcar um retorno, não tive vontade de voltar à escola, e conversando com o orientador, acabei optando por não trabalhar com a pesquisa lá. Chega o dia de visitar mais uma escola, e a quinta escola foi a Escola Municipal Cora Coralina, no centro da cidade, de fácil acesso e “perto de tudo”, que atende sobretudo a turmas de EJA- Educação de Jovens e Adultos e oficinas para pessoas da comunidade. Chego e também sou bem recebida pela recepcionista que me manda entrar, sugere que eu me sente no hall e espere pelo diretor. O prédio me impressiona: ele tem o pé direito muito alto, corredores largos, ar fresco circulando apesar do calor que faz lá fora. Tudo muito limpo, bem cuidado, mesmo se tratando de um prédio que se percebe ser muito antigo. Ao meu lado se senta uma senhora que aparenta ter mais de 60 anos e eu puxo conversa. Ela me conta que faz alguns cursos e oficinas na escola, de costura, artesanato e afins e que gosta muito dali, que essa escola é importante para as “pessoas como ela”, se referindo à maior/melhor idade16, ou seja, às pessoas com mais 60 anos. 16 Os grupos de idosos – conhecidos como grupos da terceira/maior/melhor idade, que reúnem pessoas com mais de 60 anos em atividades, culturais, esportivas, saúde, cultura e socialização surgem ainda na década de 1970 em São Paulo, por meio do Serviço Social do Comercio (SESC) como uma forma alternativa de participação social e, com o tempo, difundem-se a experiência para todo o país (DALMOLIN at al,2009). Porém, a Política Nacional de Atenção ao Idoso foi lançada em 1994 com o intuito de assegurar os direitos sociais desses indivíduos. (BRASIL; 1994). Em 2003, após anos de trâmite no Congresso Nacional, o Estatuto do Idoso finalmente é aprovado trazendo em seu IV parágrafo a necessidade de viabilização de formas alternativas de participação, ocupação e convívio do idoso com as demais gerações. (BRASIL; 2003) 37 Espero um pouco mais, e depois de uns 20 minutos o diretor me recebe. Desse encontro me vem a experiência que mais me surpreende até então, pois ouço do diretor da escola que ali é um campo onde é impossível - nas palavras dele - desenvolver esse tipo de discussão, já que se trata de um local inóspito, com alunos frequentemente ligados à violência, e que os professores (sempre no masculino) não contam com tempo e disponibilidade para trabalhar “tais assuntos”. Insisto para que ele me ouça ou leia o meu projeto, mas ele novamente me interrompe e diz que não, não há possibilidade daquela escola me receber como pesquisadora. Não consigo dizer a ele, por exemplo, que minha intenção é pesquisar com professoras e professores, e que o contato com alunas/os só se dará se esses/essas professores/as sugerirem, me convidarem a assistir a uma de suas aulas, e ainda assim, com autorização da escola, e que isso partirá deles/delas, e não de mim. Na verdade, consigo explicar muito pouco. Ele é educado, mas deixa claro que não quer a mim nem à minha pesquisa ali. Eu peço a ele a recusa por escrito, e ele pede que eu passe pra pegar na semana seguinte. Saio de lá me sentindo confusa, não compreendo bem, não fica claro para mim o motivo da recusa tão contundente. Estou profundamente decepcionada e, ao mesmo tempo intrigada. Sinto-me desafiada. Quero conhecer melhor essa escola, quero saber quem são os sujeitos que circulam por lá. Por que falar com eles/elas, falar deles/delas, entre eles/elas pode ser um ato tão perigoso, arriscado? Enquanto caminho, de volta para casa, procuro me acalmar e pensar em outras coisas. Conto o que houve para meu orientador e vamos esperar pelo documento de recusa. Espero por quase um mês, ligo duas vezes e não tenho resposta, não há documento pronto, não há informação a respeito. Converso novamente com Anderson e decidimos conversar com a coordenadora pedagógica da escola. Ele liga, é prontamente atendido e ela diz que vai conversar com a escola, com a direção. Resumindo: ela retorna a ligação, marca um encontro, vou, sou recebida por ela, apresento a proposta, sou aceita, carinhosamente aceita, me sinto bem ali, como quando entrei pela primeira vez, entre as paredes altas e o ar fresco que predomina lá dentro. Volto dias depois para deixar os questionários a serem apresentados às/aos professores e professoras da escola e novamente me sinto em casa. As alunas e alunos que me encontram pelos corredores são sempre educadas/os, sorriem, não ouço vozes alteradas, nenhuma manifestação que remeta à hostilidade em nenhum dos momentos em que ali estive, e já se somam algumas horas, em três momentos distintos. Não quero com isso dizer que conflitos não existam, mas que não me parece um lugar tão inóspito quanto foi feito parecer em meu primeiro contato. 38 Partindo da observação destas escolas por onde andei, pessoas com quem falei e pelas quais fui ouvida, primeiras impressões, algumas já tão fortes e marcantes, penso na importância fundamental de aprofundarmos o debate acerca das relações de gênero e sexualidades nesse espaços de discussão, privilegiado pela presença e constante circulação de jovens, adultos, e agora também, idosas/os. Pensando com Rogério Junqueira (2012), é fácil perceber que As escolas prestariam um grande serviço à cidadania e ao incremento da qualidade da educação se se dedicassem à problematização de práticas, atitudes, valores e normas que investem nas polarizações dicotômicas, no binarismo de gênero, nas segregações, na naturalização da heterossexualidade, na essencialização das diferenças, na fixação e reificação das identidades, na (re)produção de hierarquias opressivas. Isso, porém, sem desconsiderar que, graças às cambiantes operações da heterossexualidade hegemônica e obrigatória, impugnação do binarismo de gêneros podem ser acompanhadas de novos métodos de normalização heterorreguladora. (Grifos do autor) (p.289). Penso que é possível que estejamos vendo surgir uma escola que receba as discussões propostas com abertura e deixando a possibilidade de construção e novas formas de pensar as relações de gênero e sexualidades e isso é de vital importância na construção de uma nova sociedade, onde as discriminações e desigualdades sejam minimizadas. Ouso sonhar que, com meu trabalho e as discussões e problematizações que dele possam advir, nos permitam estar mais próximos/as de uma escola fundamentada em princípios de respeito, democracia, liberdade e igualdade para todos e todas, configurando assim a edificação de uma educação inclusiva para todos e todas (RODRIGUES, RAMOS & SILVA, 2012). Espero que minha imersão nesse campo traga interações e ganhe forças ao me constituir professora/cidadã/pesquisadora um pouco mais a cada momento. 1.2.2 Procedimentos metodológicos O campo configura-se, principalmente, a partir de conversas com professoras e professores construindo narrativas e cenas para problematizar a ação docente e as escolas e pensar as condições de emergência das questões de gênero e sexualidades nesses espaços. As/os participantes da pesquisa são docentes de três escolas do município de Juiz de Fora – Escola Municipal Heleith Saffiot, Escola Municipal Chiquinha Gonzaga e Escola Municipal Cora Coralina - situadas na área urbana da cidade, em cujas sedes é oferecido o segundo 39 segmento do Ensino Fundamental, representado pelos 6º ao 9º ano de escolaridade da Educação Básica. E como perguntas desencadeiam buscas que engendram várias possibilidades de respostas e outras tantas perguntas, num processo que nunca está finalizado ou completo (MEYER, & SOARES. 2005) torna-se fundamental ouvi-los/las e buscar entender como se formam e atuam em suas concepções de relações de gênero e sexualidades, e como a cada dia e a cada nova proposta pedagógica as diferentes abordagens se tornam possíveis. Como instrumento de coleta de dados, partimos da aplicação de um questionário inicial, através do qual foi possível perceber quais/quantas/os docentes, em cada uma das escolas visitadas por mim, estariam dispostas/os a participar da próxima etapa da pesquisa. Neste contato inicial, optei por elaborar apenas 03 questões, de maneira simples e bastante objetivas: 1) Você aborda, durante suas aulas, os temas referentes a relações de gênero e sexualidades? ( )Sim ( )Não Se a resposta foi afirmativa, quais temáticas são abordadas dentro desses temas? 2) A escola é um bom espaço para as discussões de gênero e sexualidades? 3) Você identifica problemas, preconceitos, discriminações, ligadas a gênero e sexualidade em suas aulas? Descreva um pouco o que tem observado. Foi através destas questões que busquei identificar, inicialmente, as/os participantes para a pesquisa. Partindo da análise desse recurso inicial, posteriormente fiz o convite a alguns(mas) docentes que haviam enviado suas respostas para a participação em encontros em grupo focal, onde as/os professoras/professores que se mostrassem dispostas/os poderiam contribuir comigo, falando de suas experiências em sala de aula, na comunidade escolar e na vida. Cada entrevista e encontro em grupo focal foi gravada e transcrita. Inicialmente, pensei em entrevistar dois/duas docentes em cada uma das escolas, mas, obedecendo a dinâmica do campo, isso também se modificou ao longo da caminhada. Adotei também um registro escrito de minhas impressões/emoções em cada escola que visitei, em meu diário de campo, busquei sentir o ambiente, a energia das pessoas e do lugar, dos espaços ocupados e atravessados pelo meu tema de pesquisa e cada um/uma que participa de sua prática, seja como aluno/a, colega, ou membro dessa comunidade escolar. Em mais uma etapa do trabalho, construí a análise gradativamente, e enquanto pesquisadora que parte das perspectivas pós-estruturalistas, eu trabalhei na problematização 40 das respostas que chegaram através dos questionários, e por algumas questões centrais que surgiram ou se reforçaram durante as conversas. Os olhares sobre as informações que chegaram através das conversas moldaram o caminhar da pesquisa, e foram construindo comigo o trabalho, sem prever um resultado, apenas sentindo e recebendo o campo. Como ponto de partida para o diálogo com as/os docentes utilizei as respostas recebidas através dos questionários iniciais e categorizadas. As categorias criadas ali, formaram nosso guia inicial no caminho seguido durante nossos encontros. Segundo Zélia Alves e Maria Helena Silva (1992) “há quem chame a esse processo de afunilamento tendo em vista a seleção entre tópicos pela sua maior ou menor abrangência e importância para a pesquisa” (p.67), mas eu prefiro chamar de escolha. Escolha pelos termos, falas e posições que mais marcaram as minhas escutas e trocas com as/os docentes, em que cada um mergulhou na discussão, de acordo com suas afinidades pelos temas e situações apresentadas e segundo a minha percepção naquele momento. Ainda segundo as autoras, “pesquisar através de uma análise qualitativa quer dizer estar "apreendendo" o fenômeno dentro de todo o seu contexto e interpretando seu significado”. Concordo com ambas quando trazem que o que chamam de dois contatos — literatura e outros pesquisadores – como bases/recursos são tão importantes e procurados com frequência porque através deles o estudo se insere, de fato, na área, e se "atualiza" com as ideias e o pensamento do passado e do presente. Coaduna com esse propósito de pesquisa a ideia de atuar com a “riqueza do delineamento de novos espaços, de inesperados territórios de poder, de outras formas de produzir saber e modos de ver. (COSTA & BUJES, 2005, p.8). Ao receber das escolas os questionários iniciais e trabalhar com eles, veio o momento de eleger e convidar as/os docentes para uma conversa pessoal, inicialmente na forma de grupos focais. Os contatos foram feitos a partir de solicitação de números de telefone ou endereço de e-mail dos escolhidos, à secretaria de cada escola, já que as páginas contendo as questões iniciais traziam apenas os nomes e as disciplinas com as quais cada uma/um trabalhava. Os contatos foram sendo obtidos aos poucos e de diversas fontes: secretaria escolar, uma supervisora, que gentilmente intermediou os contatos em duas das escolas, amigos que atuam nessas escolas e intermediaram outros contatos e assim fui falando com elas/eles. De início, nenhum/a das/os convidadas/os da segunda etapa da pesquisa se recusou a participar dos encontros, mas esbarramos na impossibilidade de encontrar um dia e horário que atendesse a todas/os. 41 Durante pelo menos duas semanas tentei encontrar um dia, uma hora e um local onde todas e todos pudessem estar, mas isso não foi possível, devido aos compromissos profissionais e pessoais de cada uma/um com suas escolas e outros afazeres, como aulas em cursos de pós-graduação e outros afazeres. Diante dessa condição, decidimos reunir aquelas/es cujas disponibilidades coincidissem e marcar entrevista individual com as/os demais. Isso nos ajuda a perceber como está se configurando o cotidiano das/dos professores no atual cenário político/social/econômico no qual nos encontramos. Todas/todos demonstraram interesse em participar da pesquisa, mas quando falamos de tempo disponível para tal atividade o cenário muda, diante do grande número de tarefas que precisam ser assumidas por cada docente. Ao chegar a essa conclusão, a de que teria que recorrer à conversa em grupo e também à entrevista para ter a oportunidade de ouvir mais docentes, e também ouvi-los por mais tempo, parti da escrita de Marisa Vorraber Costa (1996), na qual a autora argumenta que “não importa o método que utilizamos para chegar ao conhecimento: o que de fato faz diferença são as interrogações que podem ser formuladas dentro de uma ou outra maneira de conceber as relações entre saber e poder” (p.10). Lancei-me aos nossos encontros da forma como foi possível a cada participante, com o propósito de ouvi-las/los, entrar em contato com suas experiências em suas escolas, com suas/seus alunas/os, colegas de docência, comunidades escolares, sociedade, e como suas vidas são atravessadas por todas essas pessoas e lugares, e como cada uma/um é capturado pelas histórias e formas de vida que transitam nos espaços escolares. Tinha o propósito de ter essa conversa com 02 docentes de cada escola, onde eu tivesse, ao final, 06 pessoas, sendo três do gênero masculino e três do gênero feminino. Porém, com o desenrolar dos contatos novas impossibilidades foram surgindo, e eu me vi diante de nova necessidade de adaptação, pois as coisas não fecham assim, como nós imaginamos, já que, no decorrer dos contatos, algumas/uns desistiram e outras/os foram sendo contatadas/os e convidadas/os a participar da pesquisa. Ao final fechamos com 05 docentes, sendo três professores e duas professoras. Foram realizados 02 encontros em grupo, sendo o primeiro com um professor e uma professora, que atuam na mesma escola, Escola Municipal Heleieth Saffioti – Marìlia e Paulo. Marília está afastada para cursar mestrado e Paulo, é professor contratado, lecionando história, e concilia as atividades docentes com o curso de doutorado em ciência da religião. Ela é professora de geografia efetiva da escola há mais de 20 anos, já tendo ocupado cargo de direção, está concluindo o primeiro ano do mestrado em outra cidade. Ambos atuam apenas 42 nesta escola. No segundo encontro, uniu-se a esse grupo mais um professor, da Escola Municipal Chiquinha Gonzaga, que atua como professor de educação física. O docente, que aqui chamamos de Cristiano, concluiu o mestrado em educação há um ano e atua em duas escolas, sendo uma municipal e outra estadual, como professor efetivo, em ambas. É graduado pela UFJF, há 11 anos. Os encontros com esse grupo foram realizados em uma sala da Secretaria Municipal de Educação de Juiz de Fora, que nos foi gentilmente cedida para esse fim, e registrado em áudio e vídeo. Contei com mais um professor, de Inglês, da E. M. Chiquinha Gonzaga, Luiz Carlos, que, além de atuar na referida escola, também exerce atividades docentes em uma escola estadual e uma terceira escola da rede privada. Luiz Carlos fez sua graduação na Universidade Federal do Rio de Janeiro/UFRJ, e cursos nos Estados Unidos. Por último, concluímos o trabalho de conversa e escuta com a professora de história Ana Paula, da Escola Municipal Cora Coralina, docente em duas escolas municiais, e graduada pela UFJF há 17 anos. Estes dois últimos são os que preferiram dar entrevista, ao invés de participarem da conversa em grupo. As entrevistas foram realizadas nas próprias escolas nas quais atuam esta/e docente, por preferência de ambos, e também devidamente registradas em áudio e vídeo, no caso do professor Luiz Carlos, e somente em áudio no caso da professora Ana Paula, por pedido dela, que argumentou que não sentia à vontade com a câmera de vídeo, pedido ao qual eu atendi prontamente. A partir das falas das/os próprias/os docentes procuramos aprofundar as discussões, de forma a buscar um entendimento inicial do universo possível das escolas pesquisadas. Estas conversas, com frequência, foram desviadas pelas/os entrevistadas/os e chegaram a outras questões que incialmente o roteiro não abarcava, o que se mostrou extremamente positivo, pois trouxe novas informações e possibilidades à nossa busca por pensar as abordagens praticadas nesses espaços, a partir das diferentes trajetórias de cada uma/um e o olhar individual para a escola e seus acontecimentos. Pensar a interseccionalidade17 se tornou uma necessidade para abarcar os temas novos surgidos durante as discussões, e outros que já haviam sido sugeridos anteriormente, mas chegaram de forma mais representativa, vindo 17 A literatura existente demonstra a utilização deste termo, inicialmente, para designar a interdependência das relações de poder de raça, sexo e classe, em um texto da jurista afro-americana Kimberlé W. Crenshaw (1989). A problemática da “interseccionalidade” foi desenvolvida nos países anglo-saxônicos a partir dessa herança do Black Feminism, desde o início dos anos de 1990, dentro de um quadro interdisciplinar, por Kimberlé Crenshaw e outras pesquisadoras inglesas, norte-americanas, canadenses e alemãs. Com a categoria da interseccionalidade, Crenshaw (1994) focaliza sobretudo as intersecções da raça e do gênero, abordando parcial ou perifericamente classe ou sexualidade (HIRATA. 2014. P.62) 43 enriquecer o trabalho com as questões de raça, classe e religiosidade, trazendo os atravessamentos constantes e necessários que ocorrem no campo da educação hoje. A partir das definições iniciais de caminhos possíveis, busca pelo campo, disciplinas, discussões, trocas de saberes, chega o momento de mais uma etapa de construção do trabalho, e essa etapa se configura como o primeiro capítulo dessa dissertação. Nesse momento, escolho fazer uma discussão teórica a respeito de alguns significados possíveis do corpo e como esses significados estão atravessando as práticas docentes, o currículo escolar e as existências dos atores e atrizes que compõem cada escola, e suas subjetividades. 1.2.3 Organização da dissertação No primeiro capítulo trago a discussão teórica que relaciona o corpo, a escola e as relações que se constroem a partir desse cotidiano, incluindo as sexualidades e relações de gênero, em suas possibilidades e condições de emergência nesses espaços e na constituição desses sujeitos, a partir de autoras/es que utilizam a perspectiva pós-estruturalista em suas produções. Este capítulo é importante para deixar claro para as/os leitoras/es as concepções teóricas que embasam esta pesquisa. No segundo capítulo, apresento as falas docentes registradas nas respostas escritas nos questionários que foram aplicados às escolas pesquisadas, e que representam parte da estruturação do segundo momento da pesquisa de campo, os encontros em grupos focais e entrevistas, com algumas/alguns docentes que responderam a essas primeiras questões. Inicialmente, a intenção era utilizar os questionários como sondagem junto às/aos professoras/es das 3 escolas municipais sobre quais delas/es exerciam algum trabalho sobre gênero e sexualidades. Mas, diante da riqueza das respostas, considerei que teríamos um material que deveria ser analisado em seu conjunto. Desta forma, este capítulo nasceu do próprio movimento de pesquisa. Nele, vamos trabalhar com o conjunto das respostas recebidas a partir do encontro com as três escolas, de forma que as informações individuais dão lugar ao imaginário coletivo das/os professoras/es. No terceiro capítulo, partindo do recurso de grupos focais e entrevistas como a metodologia utilizada sugere, chego às falas com as/os professoras/es, trazendo para a escrita as situações, expectativas e problematizações de cada uma/um das/os participantes nos encontros, a partir dos eixos fornecidos pelas respostas dadas aos questionários iniciais. Dessa forma, se configura essa escrita, que representa uma parte de minhas procuras e expectativas diante da educação e suas possibilidades. 44 2 O CORPO E SEUS SIGNIFICADOS SOCIAIS NA ESCOLA E PARA ALÉM DELA, COMO POTENCIALIDADES NOS PROCESSOS DE FORMAÇÃO DO SUJEITO Nossos corpos são nossos eus; os corpos são mapas de poder e identidade. (Donna J. Haraway. 2009, p. 97) Neste capítulo a discussão se faz através dos diversos significados construídos sobre o corpo, ao longo da história e nas relações com as construções de gênero e sexualidades. A seu respeito se construíram saberes que vêm sendo transformados através da cultura, da ciência, da filosofia, dos juízos morais e da disciplina escolar, enquanto parte ativa e fundamental na construção e vivência das sexualidades e suas expressões. O corpo que viaja através do tempo e do espaço, trazendo consigo as demonstrações de mudanças e possibilidades que o ser humano, em toda a sua potencialidade pode representar, se tornando “objeto de estudos”: o corpo que mostra, o que disfarça, o que ensina, o que aprende, o que transforma e é transformado, o que significa e é significado, o que sente, o que sofre, o que goza, o que luta, o que vive e que morre, mas que não passa despercebido. Pensando os corpos que habitam e circulam nos espaços onde se desenvolvem os processos que compõem a educação de crianças, jovens e adultos, podemos problematizar a importância que é dada a esses corpos, como eles se diferenciam e são diferenciados por nós e pelos papéis que desempenhamos nesses espaços? Como os corpos, tantos e variados, são vistos, olhados e significados nesses espaços e no desenrolar de todos os processos que ali se instalam? Para nós, que estamos na escola hoje, representa prática necessária problematizar e discutir os significados e a valorização que determinadas culturas atribuem aos corpos, as práticas narrativas a eles associados, os discursos praticados em torno deles, as hierarquias que a partir deles se estabelecem e seus efeitos, que nos deixam, acerca dos corpos, uma certeza: “o corpo é ele mesmo uma construção social, cultural e histórica (...) e não é algo que está dado a priori. Ele resulta desta construção sobre a qual são conferidas diferentes marcas em diferentes tempos, espaços, conjunturas econômicas, grupos sociais, étnicos etc.” (GOELLNER, 2010, p.33). David Le Breton (2012) complementa nossa discussão ao afirmar que “o homem não é o produto do corpo, produz ele mesmo as qualidades do corpo na 45 interação com os outros e na imersão no campo simbólico. A corporeidade é socialmente construída” (p. 19). Meu interesse de pesquisa, nesse trabalho que estamos realizando, tem como foco principal as discussões de gênero e sexualidades presentes no universo que abarca a escola e seus atores, e penso que não é possível conduzir essa discussão ignorando a importância fundamental do corpo e de suas representações nesses espaços e com os seus diversos significados, já que os gêneros e as sexualidades estão ancorados, ou são ancorados, também em corpos. A construção dos gêneros e as discussões acerca dos papéis e lugares a serem desempenhados e ocupados, pelas mulheres e homens, através das práticas, ou negações estabelecidas das sexualidades, se dá através da dinâmica das relações sociais entre esses atores. Heleieth Saffioti (1992) considera que não se trata de perceber apenas corpos que entram em relação com outros, mas reconhecer a totalidade formada pelo conjunto composto pelo corpo, pelos sentimentos, pelas histórias de vida que irão formar cada sujeito e permitir que se desenvolva essa relação. Cada ser humano é a história de suas relações sociais, perpassadas por antagonismos e contradições (CARLOTO; 2010). Na mesma linha, David Le Breton afirma, de maneira significativa, que o corpo é o locus de construção de nossa identidade, visto que “a existência é corporal” (LE BRETON, 2012, p. 24). Busco então pensar nas dimensões com as quais se pode pesquisar, discutir e problematizar as questões concernentes ao corpo presente na escola, em como se dá a construção, a desconstrução, a significação de tais corpos em relação com a cultura, as sexualidades, os discursos, a linguagem, a história, as performatividades, e outras relações que envolvem o corpo e produzem o pensar. Espero, com essa proposta, dar lugar à multiplicidade de olhares sobre o corpo, dirigindo-me às/aos professoras/professores que, entre outros desafios, estão sob dois domínios: praticar o ofício da docência e refletir sobre a sua ação cotidiana junto aos atores da escola. 2.1 Corpo, gênero e sexualidades Uma primeira questão necessária quando pensamos na discussão acerca do tema “corpo”, nos seus diferentes aspectos e dimensões, é a necessidade de pensar sobre a condição de que somos sujeitos-corpos, isto é, entendemos o corpo como parte de nossa 46 identidade/expressão de gênero18, de nossa unidade de existência que nos torna visíveis e nos põe a circular no mundo. Esta ideia nos traz o entendimento de que, nas ações e atitudes que realizamos, pode-se observar minimamente quatro enfoques: biológico, psicológico, social e existencial, além de outras possibilidades de abordagens relacionadas, como antropológicas, econômicas, históricas, que podemos considerar interdependentes das anteriores. De acordo com David Le Breton (2012), Há várias leituras possíveis do corpo: uma, biomédica, baseada na anatomia e na fisiologia, que tende a reduzir o corpo ao natural, ao biológico. Essa é a leitura da medicina oficial. Por outro lado, as medicinas populares vinculam o homem ao cosmos, relacionando doenças a metais, vegetais, à determinados minerais dotados de poderes curativos por sua forma, sua cor, que tem analogia com a enfermidade que se pretende curar. Assim, o corpo não é uma unanimidade nas diferentes culturas humanas, revela-se surpreendentemente difícil e suscita várias questões epistemológicas. O corpo é uma falsa evidência, não é um dado inequívoco, mas o efeito de uma elaboração social e cultural (p. 26). Essa afirmação de Le Breton nos leva a pensar na multiplicidade de possibilidades que os corpos possuem, e que podem ser exercidas pelos sujeitos de si, nas mais diversas culturas e espaços, em expressões variadas. Silvana Goellner (2010) questiona “como imaginar que o corpo existe independentemente da cultura na qual ele vive? Como acreditar que sua natureza, por si só, garante sua formação e desenvolvimento?” (p.73). Para a autora o corpo revela em si o tempo e o espaço no qual foi educado e produzido, e que as marcas que revelam essa educação permitem que sejamos, ao mesmo tempo, diferentes, mas também muito parecidos. Ela nos traz, como exemplo Que, nos dias atuais, dificilmente encontramos uma mulher usando um espartilho com fins estéticos, ou seja, nenhuma menina hoje é educada a suportar os apertos de um espartilho de forma que sua ação sobre o corpo lhe confira um formato que, naquele tempo, era considerado desejável. Os constrangimentos corporais são outros (GOELLNER, 2010, p.73). 18 Expressão de Gênero: Stuart Hall (2006) diz de nossas identidades como aspectos que surgem de nosso “pertencimento” a culturas étnicas, raciais, linguísticas, religiosas e, acima de tudo, nacionais. O autor entende que as condições atuais da sociedade estão “fragmentando as paisagens culturais de classe, gênero, sexualidade, etnia, raça e nacionalidade que, no passado, nos tinham fornecido sólidas localizações como indivíduos sociais”. (p. 9). O termo “Identidade de Gênero” é amplamente utilizado nos estudos de gênero e sexualidade, porém, ultimamente, tenho ouvido, durante eventos, palestras e conferências sobre os temas em questão, referências e discussões que remetem à possibilidade do uso do termo “Expressão de Gênero”, como algo que se refere às formas pelas quais cada um de nós manifesta sua masculinidade, feminilidade, e outras possibilidades. 47 Entretanto, há outras formas de apelos estéticos, ainda incômodos e dolorosos que são impostos aos corpos, como a prática de depilação, uso de cintas modeladoras, que podem ser extremamente apertadas em seus corpos - assemelhando-se nesse caso, aos espartilhos, citados pela autora - para se alcançar uma silhueta mais fina e considerada atraente, social ou sexualmente. Práticas que durante muito tempo se limitaram à construção do gênero feminino, estabelecendo uma fronteira demarcada do gênero masculino. Ainda podemos pensar em outros apelos estéticos como maquiagem, tinturas, tatuagens, piercings, e tantas outras manifestações estéticas e artísticas, que podem ser expressadas nos corpos, podendo se configurar em causas de dor e sofrimento, juntamente com prazer e satisfação. Mesmo quando essa dor é fruto de uma escolha vista e assumida como própria do sujeito, a partir de que momento ela é um efeito de uma imposição de uma estética normativa e dominante sobre os corpos? Silvana Goellner (2010) também afirma que A cultura de nosso tempo e a ciência por ela produzida e que também a produz, ao responsabilizar o indivíduo pelo cuidado de si, enfatiza, a todo momento, que somos o resultado de nossas opções. O que significa dizer que somos os responsáveis por nós mesmos, pelo nosso corpo, pela saúde e pela beleza que temos ou deixamos de ter(...) A individualização das aparências produzida a partir da valorização por vezes exacerbada da imagem transformada em performance tem levado os indivíduos a perceber que o corpo é o local primeiro da identidade, o locus a partir do qual cada um diz do seu íntimo da sua personalidade, das suas virtudes e defeitos (p.39). Com frequência, esse padrão estético que atinge e produz corpos, se relaciona à sua sexualidade, em maior ou menor grau. Quem e como quer se apresentar ao objeto do desejo, no campo da sexualidade, muitas vezes define a maneira como os corpos são mostrados, exibidos, disfarçados, e qual sexualidade está expressa e presente. Jefrey Weeks (2010), nos lembra que Na medida em que a sociedade se tornou mais e mais preocupada com as vidas de seus membros – pelo bem da uniformidade moral; da prosperidade econômica; da segurança nacional ou da higiene e da saúde -, ela se tornou cada vez mais preocupada com o disciplinamento dos corpos e com a vida sexual dos indivíduos (p.52). Considerando a ênfase dada a essa forma de ver e discutir os corpos e as sexualidades, que, de acordo com Michel Foucault (2011) assume maior destaque a partir do século XVIII, com a “colocação do sexo em discurso”, este tema, “em vez de sofrer um processo de 48 restrição, foi, ao contrário, submetida a um mecanismo de crescente incitação” (p.19). O corpo e a sexualidade como temas de discussão foram submetidos ao crivo da palavra, ao controle institucional sobre o que se diz e como se diz. Para Foucault (2011), a partir do século XVIII, em torno e a propósito do sexo acontece uma verdadeira explosão discursiva. E o autor enfatiza que É preciso ficar claro. Talvez tenha havido uma depuração – e bastante rigorosa – do vocabulário autorizado. Pode ser que se tenha codificado toda uma retórica da alusão e da metáfora. Novas regras de decência, sem dúvida alguma, filtraram as palavras: polícia dos enunciados. Controle também das enunciações: definiu-se de maneira muito mais estrita onde e quando não era possível falar dele; em que situações, entre quais locutores, e em que relações sociais; estabeleceram-se, assim, regiões, senão de silêncio absoluto, pelo menos de tato e discrição: entre pais e filhos, por exemplo, ou educadores e alunos, patrões e serviçais. É quase certo ter havido aí toda uma economia restritiva. Ela se integra nessa política da língua e da palavra – espontânea por um lado e deliberada por outro – que acompanhou as redistribuições sociais da época clássica (p.23-24). Em outra obra - “Vigiar e Punir” - Michel Foucault (2009) apresenta as muitas estratégias e formas inventadas para “esquadrinhar os corpos, conhecê-los e escolarizá-los” (LOURO, 2015, p.2), e assim adequá-los por meio da repressão, do castigo, do controle, produzindo corpos cristãos, dóceis, com práticas que atendam ao modelo normativo vigente. Para Foucault (2011) a pastoral cristã inscreveu, como dever fundamental, a tarefa de fazer passar tudo o que se relaciona com o sexo pelo crivo interminável da palavra, trazendo para discussão as sexualidades e prescrições a seu respeito. Para ele, “a interdição de certas palavras, a decência das expressões, todas as censuras do vocabulário poderiam muito bem ser apenas dispositivos secundários com relação a essa grande sujeição: maneiras de torná-la moralmente aceitável e tecnicamente útil” (FOUCAULT. 2011, p.27). Também a esse respeito, Guacira Louro (2010) diz que muitas pessoas “consideram que a sexualidade é algo que todos nós, mulheres e homens, possuímos “naturalmente”” (p.11). Essa é uma ideia amplamente defendida, sobretudo por aqueles e aquelas que se apegam à origem e definição biológica dos corpos como o principal fator de definição e construção dos sujeitos. Para Weeks (2010) é comum, nas discussões a respeito das sexualidades e suas práticas, nos depararmos com “uma ênfase no sexo como um “instinto”, expressando as necessidades fundamentais do corpo” (p. 39). Porém, Guacira Louro (2010) enuncia que, ao aceitarmos essa ideia, da sexualidade como sendo um atributo 49 exclusivamente, ou majoritariamente natural/biológico, perde-se o sentido de argumentar a respeito de sua dimensão social e política ou a respeito de seu caráter construído. Considerar a sexualidade como sendo algo “dado” pela natureza, inerente ao ser humano, nos levaria à adotar a concepção que ela usualmente se ancora apenas no corpo e na suposição de que todos vivemos nossos corpos da mesma forma. Entretanto, “é importante compreender que a sexualidade envolve rituais, linguagens, fantasias, representações, símbolos, convenções (...), processos profundamente culturais e plurais” (LOURO, 2010, p.11). Dialogando com Silvana Goellner (2010), a autora solicita-nos que “lembremos: um corpo não é só um corpo. É ainda, o conjunto de signos que compõe sua produção” (p.37). Mantendo o sentido de pensar corpo, gênero e sexualidade como produção, Judith Butler (2015), afirma que o sujeito é ele próprio produzido em – e como – uma matriz generificada de relações, e que isso “não significa descartar o sujeito, mas apenas perguntar pelas condições de sua emergência e operação” (p.160). Seguimos pensando com Silvana Goellner (2010), e percebemos que esta autora busca demonstrar que é importante que tenhamos contato com a vasta literatura produzida e disponibilizada, atualmente, que coaduna com a ideia de que a/as sexualidade/s, tem base nas possibilidades do corpo: o sentido e o peso que lhe atribuímos são, entretanto, modelados em situações sociais concretas. Para a autora, “isso tem profundas implicações para nossa compreensão do corpo, do sexo e das sexualidades, implicações que precisamos explorar” (p.40). Para irmos um pouco mais além nesse entendimento, que tem o corpo como uma composição de artefatos e práticas culturais, podemos contar, mais uma vez, com Michel Foucault (2011) para quem a sexualidade é um dispositivo histórico. E Guacira Louro (2010), dialogando com Foucault, reforça que a sexualidade é esta invenção social, uma vez que se constitui, historicamente, a partir de múltiplos discursos sobre o sexo: discursos que regulam, que normatizam, que instauram saberes que produzem “verdades” (p.11-12). Falar do corpo, físico e social, é também falar da sexualidade vivenciada por e nesses corpos, e Foucault (2011) afirma que “cumpre falar do sexo como de uma coisa que não se deve simplesmente condenar ou tolerar, mas gerir, inserir em sistemas de utilidade, regular para o bem de todos, fazer funcionar segundo um padrão ótimo” (p.31). As linhas e fronteiras que definem esse padrão estão em constante deslocamento e negociação. Para Foucault, “o sexo não se julga apenas, administra-se. Sobreleva-se ao poder público; exige procedimentos de gestão; deve ser assumido por discursos analíticos” (2011, p.31), e, nos dias atuais, é frequente percebermos esse movimento político, muitas vezes institucionalizado, de tentativa de gerenciamento das identidades e práticas sexuais e expressões e circulação dos corpos. 50 Jefrey Weeks (2015) nos fala que Até o século XVIII, o modelo hierárquico, de sexo único, certamente interpretava o corpo feminino como uma versão inferior e invertida do masculino (...) O esgotamento desse modelo, levou à sua substituição, no século XIX, por um modelo que enfatizava a existência de dois corpos marcadamente diferentes, a radical oposição das sexualidades masculina e feminina, o ciclo reprodutivo automático da mulher e sua falta de sensação sexual. Esse foi um momento crítico na reformulação das relações de gênero, porque sugeria a diferença absoluta de homens e mulheres: não mais um corpo parcialmente diferente, mas dois corpos singulares, o masculino e o feminino (p.57). A prática do controle e gerenciamento dos corpos se faz em nome da necessidade de manutenção da ordem, de um status quo que atende a uma norma imposta e defendida por alguns e que deve ser cumprida por todos os demais, seguindo um modelo social onde a liberdade e as expressões são, ainda, muitas vezes cerceadas, dentro de padrões excludentes aos quais a escola pode servir como instrumento. 2.2 Corpo, escola e pedagogias culturais Temos na escola os espaços de formação e educação de crianças, jovens e adultos, e é onde podemos observar de que forma diferentes marcas se incorporam ao corpo a partir de distintos processos educativos presentes nessa escola, mas não apenas nela, visto que há sempre várias pedagogias em circulação que agem continuamente, contribuindo para essa construção. Para Ruth Sabat (1997), temos que A maioria dos estudos realizados no campo educacional esteve por muito tempo voltado para a instituição escolar como espaço privilegiado de operacionalização da pedagogia e do currículo. Hoje, entretanto, torna-se imprescindível voltar a atenção para outros espaços que estão funcionando como produtores de conhecimentos e saberes, e a mídia é apenas um desses exemplos. E é tomando a mídia como campo de pesquisa que discuto as representações de gênero e sexualidade na publicidade, a partir da perspectiva dos Estudos Culturais. A publicidade é um dos artefatos que estão inseridos em um conjunto de instâncias culturais e como tal funciona como mecanismo de representação, ao mesmo tempo em que opera como constituidora de identidades culturais. (...) Tais pedagogia e currículo culturais, entre outras coisas, produzem valores e saberes; regulam condutas e modos de ser; fabricam identidades e representações; constituem certas relações de poder (p.30). Filmes, música, revistas e livros, imagens, propagandas são também investimentos pedagógicos que estão, o tempo todo, a dizer de nós e dos outros, seja pelo que mostram ou 51 pelo que ocultam. Dizem também de nossos corpos e, por vezes, de forma tão sutil que podemos nem mesmo perceber o quanto somos capturadas/os e produzidas/os pelo que lá se diz (GOELNNER, 2010, p.29). São estes artefatos culturais e seus diálogos com a educação que nos convidam a pensar o conceito de pedagogias culturais. Tomando o pensamento de Michel Foucault como inspiração queremos mostrar de que maneira operam estes artefatos culturais no sentido de participar nos modos de subjetivação dos sujeitos na medida em que constroem imagens, sentidos, saberes, que dialogam com a escola. São saberes que também educam os sujeitos, ensinando-lhes formas de ser e estar no mundo. Segundo Rosa Maria Bueno Fischer (2007) O próprio sentido do que seja “educação” amplia-se em direção ao entendimento de que os aprendizados sobre modos de existência, sobre modos de comportar-se, sobre modos de constituir a si mesmo – para os diferentes grupos sociais, particularmente para as populações mais jovens – se fazem com a contribuição inegável dos meios de comunicação (p.153). Recorrendo a mais argumentos de Silvana Goellner (2010) tornar-se-á possível assumir que “pensar o corpo como algo produzido na e pela cultura é, simultaneamente, um desafio e uma necessidade” (p.28), e que podemos tomar este pensar como “um desafio por que rompe, de certa forma, com o olhar naturalista sobre o qual muitas vezes o corpo é observado, explicado, classificado e tratado” (p. 28), assumindo isso como “uma necessidade por que ao desnaturalizá-lo revela, sobretudo, que o corpo é histórico (p.28). Karina de Toledo Araújo e Geiva Carolina Calsa (2012) afirmam que, No transcorrer do tempo e em diferentes sociedades, o corpo foi, é e continuará a ser conceituado, entendido, sentido e significado de diversas maneiras, entretanto, é fato que ele assume posições sempre instigantes entre as quais: o corpo objeto – de desejo, de poder; o corpo máquina – que faz, que produz; o corpo sensível – que sente e provoca sentimentos; o corpo inteligível – que entende e procura ser compreendido; o corpo que é, o corpo que está, o corpo que concede ao ser humano a sua existência e sua essência. Enfim, o ‘corpo humano’, por isso, o corpo complexo em sua infinita possibilidade de ser e estar no mundo, com sua infinita possibilidade de relações – subordinado, negado, dominado, enaltecido, poderoso (p. 04). Dessa forma, somos instigados a pensar em todos esses papeis, conectados e envolvidos também na necessidade da negação e da invisibilidade, quando presentes nos espaços escolares. A esse respeito, e somando-se à nossa discussão, Guacira Louro (2000) nos convida a também problematizar o lugar desses corpos, ao sugerir uma possível/pretensa mudez em torno deles, na escola, dizendo que 52 O corpo parece ter ficado fora da escola. Essa é, usualmente, a primeira impressão quando observamos as mais consagradas teorias educacionais ou os cursos de preparação docente. E talvez não nos surpreendamos com isso, já que nossa formação no contexto filosófico do dualismo ocidental leva-nos a operar, em princípio, com a noção de uma separação entre corpo e mente (p.2). Nesse momento penso que a questão que pretendo investigar, nesta pesquisa, acerca dos docentes que, assumidamente ou não, abordam as questões de gênero e sexualidades em suas aulas, possa produzir inquietações e problematizações que nos mostrem caminhos para essas construções, em que o corpo está presente, e ao mesmo tempo é invisibilizado, afastado, descontextualizado do cotidiano escolar, e os desdobramentos da ação pedagógica e social que se dá nesses espaços e momentos. Quando Guacira Louro (2000) declara que as teorias educacionais e as inúmeras disciplinas que constituem os cursos de formação docente quase sempre permanecem mudos a respeito dos corpos, corpos dos/das estudantes e também dos nossos próprios, torna-se possível vislumbrar a cortina que cobre, o muro que constrói essa invisibilidade. Segundo ela, naquilo que chama de "sagrado" campo da educação não apenas separamos mente e corpo mas, mais do que isso, suspeitamos do corpo (p.60). Seguindo a discussão com Louro (2010), a autora sugere que há uma prática escolar do que ela chama de Pedagogia da Sexualidade, que provoca um processo de escolarização do corpo e a produção de uma masculinidade, demonstrando como a escola pratica, a partir desta pedagogia da sexualidade, o disciplinamento dos corpos. Tal pedagogia é muitas vezes sutil, discreta, contínua, mas, quase sempre, eficiente e duradoura (p.17). Acho possível sugerir que essa “pedagogia” à qual Guacira Louro se refere, não apenas age para produzir um modelo de masculinidade, mas também de feminilidade, no qual os corpos colocam em tensão diferentes possibilidades de viver o ser mulher, o ser homem, o ser não-binário19, o queer20. 19 Segundo Neílton do Reis e Raquel Pinho (2016) “os gêneros não-binários, além de transgredirem à imposição social dada no nascimento, ultrapassam os limites dos polos e se fixam ou fluem em diversos pontos da linha que os liga, ou mesmo se distanciam da mesma. Ou seja, indivíduos que não serão exclusiva e totalmente mulher ou exclusiva e totalmente homem, mas que irão permear em diferentes formas de neutralidade, ambiguidade, multiplicidade, parcialidade, ageneridade, outrogeneridade, fluidez em suas identificações” (p. 14) 20 O termo Queer é originalmente, proveniente do inglês e é usada também para designar pessoas que não seguem o padrão da heterossexualidade ou do binarismo de gênero. Seu significado inicial pode ser compreendido inicialmente como uma gíria inglesa, que, em tradução literal significa estranho, excêntrico, raro. Porém, não pretendo aqui fixar qualquer tipo de definição, pois ao termo Queer como utilizado nos estudos de gênero entendo que não cabe estabelecer definições. 53 Convidando a pensar a pedagogia de forma mais plural, como possibilidade e ação pedagógicas, estamos investindo no seu poder de promover transformação, conectando às Pedagogias das Sexualidades, de que nos fala Guacira Louro, ao que Ruth Sabat nomeia e discute como Pedagogias Culturais, temos que esses dois movimentos estão em articulação. Segundo Sabat (2001) A maioria dos estudos realizados no campo educacional esteve por muito tempo voltado para a instituição escolar como espaço privilegiado de operacionalização da pedagogia e do currículo. Hoje, entretanto, torna-se imprescindível voltar a atenção para outros espaços que estão funcionando como produtores de conhecimentos e saberes (p.10). E a autora complementa dizendo que “na disposição de vender determinada ideia ou produto, é produzida uma pedagogia que narra o sujeito como independente e livre para escolher, ao mesmo tempo em que opera com mecanismos de (auto)controle e de (auto)regulação, normatizando as relações sociais” (p. 14). E Sabat afirma ainda Em qualquer desses aspectos o que percebemos é que há uma pedagogia, um determinado tipo de currículo que opera através de uma lista de procedimentos e técnicas voltados para produzir e reproduzir tipos específicos de comportamentos, valores, hábitos, atitudes pessoais diretamente conectados com o tipo de sociedade na qual estão inseridos. (p. 20) Pensando com esta autora, que se refere ao papel desempenhado pela mídia em seus mais diversos formatos e recursos, para construir pedagogia e currículo, mas que extrapola esse exemplo para múltiplas outras perspectivas, podemos trazer para o cotidiano escolar essas diversas possibilidades de construção de sujeitos, a partir de informações que chegam em diferentes formatos, disponibilizando para quem ali circula, possíveis meios de ser e de se fazer presente. Isso nos traz a oportunidade de podermos vislumbrar nesses modelos “formas de romper com determinados essencialismos atribuídos, por cada cultura e por cada contexto histórico, para o que seja, por exemplo, masculinidade e feminilidade” (GOEELNER, 2010, p. 32). Também podemos pensar em tantas outras possibilidades de ser e de viver para além de corpos que se adequem para obedecer e propagar o modelo normativo prescrito e imposto pela sociedade, e que é, reiteradamente citado como ideal, correto e legítimo, dentro dos espaços das escolas, afastando aqueles que não se enquadram ao modelo compulsório prescrito por esta norma. 54 Nesse universo social, no qual está inserida a escola, como uma instituição normativa, (mas não somente com essa função), variadas ferramentas frequentemente são utilizadas para mapear o movimento de circulação e construção dos corpos que frequentam os espaços das escolas, e podemos pensar nesses recursos e dialogar com as questões levantadas por Castro e Ferrari (2013) ao trazer para pensarmos “como estamos marcados pela vigilância e controle dos corpos e como essa articulação se fortalece a partir de alguns corpos e lugares”? (p.74). Quando perguntam se é possível dizer que vigiamos e controlamos mais os corpos femininos do que os masculinos? De crianças mais do que de adultos? Na escola mais do que em casa? (p.74). Araújo e Calsa (2012) declaram que as significações culturais em termos de corpo, gênero e sexualidade - mitos, crenças, valores, tabus - fundam-se em estruturas sociais fortemente estabelecidas. É possível aferir que constituem estereótipos de masculinidade/feminilidade que são internalizados pelos indivíduos sem a devida percepção de seu caráter normalizador, discriminador e excludente (p.8). Ao trazer para dialogar, nesse momento, o que nos remete a norma para Foucault, Edgardo Castro (2009) nos diz Que é a norma, mais do que a lei, que se configura em domínio para exercício do poder, e que essa norma não simplesmente reprime uma individualidade ou uma natureza já dada, mas, positivamente a constitui, a forma (...) e a sociedade de normalização é uma sociedade onde se cruzam, segundo uma articulação ortogonal, a norma da disciplina e a norma da regulação (p.309). Para Foucault, norma e normalização é correspondente a distinguir, em algum padrão, o que separa, ou que permite identificar o normal e o anormal. Na escola, ao se identificar o sujeito que escapa a essa norma, recorre-se a procedimentos novamente normalizadores, com instrumentos que, muito comumente, se configuram em mecanismos de exclusão, quando estes sujeitos reagem e resistem à tentativa de governamentabilidade imposta a seus corpos e ações, numa configuração possível de uma pedagogia a ser utilizada quando se espera alcançar o que se considera ideal de uma norma, ou toldar uma reação à norma instituída. A partir da teoria foucaultiana, podemos inferir que a instituição de normas decorre, sobretudo, do modelo de poder disciplinar, que se tornou hegemônico na modernidade. As disciplinas não se operam por generalização (FOUCAULT, 2010). É necessário, partindo daí, discutir o reconhecimento das diferenças entre os sujeitos, impondo a eles um destino de dominação e domesticação, mas sem esquecer que as resistências sempre são possíveis. Para Foucault, a resistência pode ser entendida como a capacidade que uma força tem de se 55 subtrair das estratégias realizadas dentro das relações de poder. Para o autor, não só a resistência é primeira em relação ao poder, como também que não há poder sem resistência (FOUCAULT,1985). A norma - ou as normas - que constroem as masculinidades e feminilidades e que, segundo as prescrições sociais são autorizadas a circular livremente nos espaços escolares, e gozar de seus privilégios, estão, frequentemente, entrando em colisão com novas posições e possibilidades, criadas e vividas por aqueles e aquelas que resistem à adequação compulsória aos modelos impostos. Sujeitos que trazem em suas crenças e práticas, formas e performances alternativas de ser, de viver e de ter prazer, estão presentes e atuantes nesses espaços, firmando diálogo com o modelo heteronormativo constantemente presente, enquanto aquele que dita o que deve ser seguido e praticado como cumprimento às normas de gênero, identidades sexuais e orientações do desejo. Os corpos generificados, sexualizados, socializados, classificados, domados, estão postos e circulando nos espaços pré-estabelecidos por estas normas e condições construídas e mantidas de forma a contê-los e discipliná-los. 2.3 Corpo, sujeito, cultura e efeitos de poder O que pensamos saber e contamos a respeito do corpo, pode ser correferido à história da civilização humana, onde cada sociedade, com sua cultura, provoca ações sobre os corpos, determinando suas bases de construção, elegendo elementos e elidindo outros, criando seus padrões a partir de relações de poder. Para Edgardo Castro (2009), “o poder não é uma substância ou uma qualidade, algo que se possui ou que se tem; é, antes, uma forma de relação” (p.326), onde podemos dizer que, em se tratando de relações de poder nos universos escolares, estas se constituem em um movimento dinâmico, em que as forças de repressão e resistência estão em constante disputa, fazendo mover o cabo de guerra que determina o lugar de direito dos sujeitos envolvidos nas disputas em questão. Ainda segundo Castro (2009), para Foucault, “as relações de poder são relações entre sujeitos que se definem, como “modos de ação que não atuam direta e imediatamente sobre os outros, mas sobre suas ações”” (p.326-327). Valendo-me do diálogo entre Sonia Mansano (2009) com Vera Porto Carrero21, concordo que é com Michel Foucault que se torna possível percorrer a noção de sujeito e poder, em relação, quando ele esclarece: 21 Em um de seus artigos, intitulado “Sujeito, subjetividade e modos de subjetivação na contemporaneidade”, a autora Sonia Regina Vagas Mansano, recorre a um dos trabalhos de análise e discussão do pensamento 56 Eu gostaria de dizer, antes de mais nada, qual foi o objetivo do meu trabalho nos últimos vinte anos. Não foi analisar o fenômeno do poder nem elaborar os fundamentos de tal análise. Meu objetivo, ao contrário, foi criar uma história dos diferentes modos pelos quais, em nossa cultura, os seres humanos tornam-se sujeitos. (RABINOW & DREYFUS, 1995, p. 231) Ele afirma que o sujeito é histórico, mas produzido na sua própria história e pela história que o permeia através do que denominou de uma “história da verdade.” Maria Fernanda Murad (2010) defende que, para Foucault, o sujeito não é uma substância, mas mais aproximadamente, uma forma. Porém, essa forma também não é idêntica a si mesma. O sujeito não tem consigo próprio o mesmo tipo de relação enquanto sujeito político e enquanto sujeito de uma sexualidade (p.1), por exemplo. Esse sujeito, que para Foucault, é forjado no que ele nomeia como “jogos de verdade”, também se encontra assujeitado, podendo romper com esse “assujeitamento”, valendo-se de sua liberdade, reforçando assim a ideia do embate entre o que se impõe e o que resiste nos campos aos quais se apresenta e que se desenvolvem a produção dos corpos e dos sujeitos. Considerando a formação dos sujeitos e suas subjetividades em relação com a escola e seus atores, concordo com Maria Fernanda Murad (2010) quando traz que “modos de subjetivação são as práticas de constituição do sujeito. Essas práticas referem-se às formas de atividade sobre si mesmo” (p. 2). Segundo Sonia Regina Vargas Mansano (2009), Podemos considerar, nesse caso, que a escolha estética e política, por meio da qual se acolhe um determinado tipo de existência é compreendida por Foucault como um modo de subjetivação possível. Os modos de subjetivação podem tomar as mais diferentes configurações, sendo que estas cooperam para produzir formas de vida e formas de organização social distintas e, cabe insistir, mutantes (p.115). Buscando apreender, de que forma, durante o decorrer da história, os modos de subjetivação foram sendo transformados, resultando no que temos como a produção do sujeito nos dias atuais, pode-se adotar a perspectiva a partir da qual Foucault traz as lutas políticas que, de acordo com ele, se fazem necessárias em nosso tempo. “São lutas [...] contra as formas de dominação (étnica, social e religiosa); contra as formas de exploração que separam os indivíduos daquilo que eles produzem” (Dreyfus & Rabinow, 1995, p. 235). Ou ainda foucaultiano de Vera Porto Carrero, trazendo uma afirmação que considero importante manter aqui, para auxiliar no entendimento deste trabalho. 57 contra aquilo que liga o indivíduo a si mesmo, submetendo-o, deste modo, aos outros (lutas contra a sujeição, contra as formas de subjetivação e submissão). Segundo Foucault, podemos inferir que no final do século XX se destaca o tipo de luta que evidencia os modos de subjetivação, e com eles as possibilidades de resistência. Através da escola e das relações que se desenvolvem nela e através dela, pode-se praticar a resistência enquanto uma ação política, ao recusarmos o individualismo, que se tornou corriqueiro no cotidiano escolar, convidando aos encontros, trazendo para discutir novas possibilidades de formas de vida que venham se contrapor à regras universais e obrigatórias. Romper com o que objetiva englobar todos os indivíduos, de forma a fazê-los obedientes e normatizados, inviabilizando assim a convivência enriquecedora com as diferenças e com novas formas possíveis de existir em e com corpos. Para Le Breton (2012), O corpo é uma realidade mutante de uma sociedade para outra; as imagens que o definem, os sistemas de conhecimento que o explicam e lhe atribuem significados, os ritos e símbolos que lhe emprestam valor, as proezas e resistência que pode realizar são incrivelmente variados e contraditórios entre si. Não sendo apenas um conjunto organizado de órgãos, é também uma estrutura simbólica, superfície de projeção onde as mais variadas formas culturais podem se inscrever: criatura de carne e osso comandada por leis fisiológicas; rede entrelaçada de formas vegetais como na cultura canaque; rede de energia como na medicina chinesa, que nos une ao cosmos; animal que carrega em si todos os perigos da selva; parcela do cosmo em estreita ligação com o meio ambiente; morada de espíritos e entidades sobrenaturais etc (p.29). Partindo das questões trazidas por Le Breton, podemos problematizar os corpos como o resultado de inúmeras influências, crenças e valores, que partem de uma estrutura biológica, que também é discurso, que forma um corpo físico e à complexidade que representa um corpo social, cultural, político e histórico. Nessas relações intrincadas e necessárias, forma-se o que vemos nas sociedades atuais e que estão representadas em nosso campo de discussão - os espaços escolares – forjando e constituindo identidades masculinas e femininas, às vezes deixando entrever outras formas de existir, outras vezes silenciando-as e invisibilizando-as, a depender da ação do poder que está posto. Prosseguindo com Le Breton (2012), o autor diz que O homem possui a faculdade de fecundar a mulher; esta tem menstruações regulares, carrega em si a criança e a aleita. A partir daí, as sociedades acrescentam infinitas construções para definir o que significa ser homem e ser mulher. O corpo não é uma marca fatal de pertencimento biológico. O 58 povo Nuer considera como mulher somente aquelas que podem parir; as mulheres estéreis são tidas como homens, podem ter uma ou várias esposas. Se alguma ou algumas destas são fecundadas por um parente ou vizinho, essa mulher é que será considerada como o pai da criança gerada (...) Outros povos não reconhecem diferenças de temperamento entre homens e mulheres; as características físicas e morais dependem de escolhas sociais e culturais, não são o produto de uma determinação da biologia. As características físicas como altura, peso, longevidade, são apenas tendências, que as sociedades podem modelar de diferentes modos (p.65-66). Nessas informações que recebemos a partir da contribuição desse autor, podemos, mais uma vez, inferir a importância da cultura na definição dos papéis a serem desempenhados pelos sujeitos e seus corpos, em seus espaços e grupos sociais. Papéis esses determinados sob a influência da cultura, construído a partir dos saberes instalados e praticados, a partir do estabelecimento das relações de poder vigentes. Sobre a produção dos corpos e seus efeitos como sujeitos, Judith Butler (2015), dizendo dessa construção, e sua pretensa fixidez, declara que, “o que constitui a fixidez do corpo, (...) será plenamente material, mas a materialidade será repensada como o efeito do poder, como o efeito mais produtivo do poder” (p.154), enquanto que, para Bujes (2002), é dessa forma que se vigia e se controla os corpos e ações desde a infância, pois os discursos e práticas que circulam no meio em que a criança está inserida e que acabam classificando e separando ações e comportamentos como próprios do gênero feminino ou masculino e, consequentemente, estas distinções e separações se incorporam em seus comportamentos e modos de pensar (p.8). Conversando mais com essas autoras é possível olhar para os corpos que circulam pelos espaços escolares, e que estão entre meus interesses de pesquisa e observação, com um desejo de ver a multiplicidade das capacidades de construção desses corpos e sujeitos, em relação a tudo o que o cerca, atravessados sempre pelos jogos de poder que se constroem nestes espaços e possibilitam sua subjetivação e dessubjetivação. Sobre os variados e possíveis modos de construção dos corpos e sujeitos, Butler (2015) nos convida a Pensar sobre e como e para que finalidade os corpos são construídos, assim como será importante pensar sobre como e para que finalidade os corpos não são construídos, e, além disso, perguntar, depois, como os corpos que fracassam em se materializar fornecem o “exterior” – quando não o apoio – necessário, para os corpos que, ao materializar a norma, qualificam-se como os corpos que pesam (p.170). Esses corpos que importam estão presentes e fornecendo elementos que corroboram com a manutenção do status quo, que envia para a margem da sociedade e da escola, 59 enquanto espaço social, os outros corpos que destoam, que não coadunam com o padrão normativo. Contribuindo nos campos teóricos nos quais nossos temas de interesse estão pautados, temos, em Michel Foucualt, sem dúvida, um dos principais autores capazes de nos auxiliar. Ele, quando coloca em discussão o corpo e traz, com destaque, os nossos gestos, construções culturais historicamente datadas. Ao discutir, na obra Vigiar e Punir (2009), instituições como escolas, fábricas, hospitais, prisões, Foucault não se refere apenas ao corpo, mas fala também do poder que investe no corpo diferentes disciplinas de forma a docilizá-lo, a conhecê-lo e controlá-lo no detalhe. Segundo Foucault, “Esses métodos que permitem o controle minucioso das operações do corpo, que realizam a sujeição constante de suas forças e lhes impõem uma relação de docilidade-utilidade, são o que podemos chamar as ‘disciplinas’” (FOUCAULT, 2009, p. 118). Mesmo não sendo o corpo seu principal objeto de investigação, e sim as práticas sociais, representadas nas experiências e nas relações que o produzem, num determinado tempo/local, de uma forma específica e não de outra qualquer, as ações e políticas sobre os corpos acabam por ocupar grande parte de seus espaços de discussão. Para Michel Foucault, o controle da sociedade sobre os indivíduos não se opera apenas pela ideologia ou pela consciência, mas tem seu começo no corpo, com o corpo. “Foi no biológico, no somático, no corporal que antes de tudo investiu a sociedade, sobretudo capitalista. O corpo é uma realidade biopolítica” (FOUCAULT, 2013, p.77). Buscando um pouco mais a análise feita por Michel Foucault, podemos perguntar o porquê dos corpos, presentes e fortemente controlados dentro dos muros, reais e imaginários das escolas, nas casas de família, nos espaços comunitários, passarem tanto tempo, aparentemente, não sendo inseridos nas discussões. Ou sendo inseridos de forma velada, indireta, disfarçada. Ao nos falar da “colocação do sexo em discurso” (2011, p.10) ele traz que “o decoro das atitudes esconde os corpos, a decência das palavras limpa os discursos” (p.18), levando-nos a pensar na possibilidade de que apenas a forma de falar desses corpos tenha sofrido modificações, assumido novos signos, sendo colocados em discussão de outras maneiras e com múltiplas possibilidades a serem assumidas e desempenhadas pelos corpos. Ainda de acordo com Foucault (2009), a pressão expressada pelo que ele nomeia, muito coerentemente como técnicas de sujeição22 sobre os corpos constrói o ambiente escolar 22 “Essas técnicas que permitem o controle detalhado das operações do corpo, que realizam a sujeição permanente de suas forças e lhes impõe uma relação de docilidade-utilidade, são o que Foucault chama de ‘disciplinas’. Estas visam à formação de uma relação que torna o corpo humano tanto obediente quanto útil, 60 “ideal” ou “idealizado” (p.149) durante tanto tempo, e que foi, por muitos considerado eficiente e adequado às normas, e muitas vezes ainda o é. Dessa forma, a escola, ao observar os corpos de meninos e meninas, avaliando, classificando, nomeando, hierarquizando, busca inseri-los em uma ordem, corrigi-los quando julgar necessário, para que se tornem ajustados àquilo que deles e delas se espera. A esse respeito, podemos pensar com Judith Butler (2015), segundo quem A categoria do “sexo” é, desde o início, normativa: ela é aquilo que Foucault chamou de “ideal regulatório”. Nesse sentido, pois, o “sexo” não apenas funciona como uma norma, mas é parte de uma prática regulatória que produz os corpos que governa, isto é, toda força regulatória manifesta-se como uma espécie de poder produtivo, o poder de produzir – demarcar, fazer, circular, diferenciar – os corpos que ela controla (p.154). Para Butler, o fato de que a reiteração constante dessa norma, na forma de discursos e práticas seja necessária, é um sinal de que a materialização que se busca inferir aos corpos não é nunca totalmente completa, que os corpos não se conformam, nunca, completamente, às normas pelas quais sua materialização é imposta (p.154). Sabemos que os corpos reagem, se reorganizam, repensam-se, reconstroem-se, a cada oportunidade de resistência à pressão produzida pelo modelo normativo vigente nas sociedades. Sobre os mecanismos de resistência possíveis, Foucault explica em “A vontade de saber” (2011), que esses termos - poder e resistência - se encontram em uma relação de imbricamento constante, estão sempre entrelaçados. Para ele, estamos sempre “no” poder e, nesse sentido, não é possível escapar; embora isso não seja uma afirmação de que o poder sempre vença ou que as resistências não sejam úteis. Partindo da premissa de que o poder está inserido em uma extensa rede de relações, podemos imaginar que também aí se configuram as possibilidades de resistências variadas. Do tensionamento provocado por essas correntes de forças antagônicas e continuadas advém a não existência de um grande poder, ou de um único local de renúncia, pois a resistência se move rumo à pluralidade, se (re)configurando a cada movimento. Considerando um pouco mais os mecanismos de resistência possíveis, continuo com Foucault (1984) ao dizer que “o domínio e a consciência de seu próprio corpo só puderam ser adquiridos pelo efeito do investimento do corpo pelo poder: a ginástica, os exercícios, o constituindo uma política de coerções que trabalham sobre o corpo, ‘uma manipulação calculada de seus elementos, de seus gestos, de seus comportamentos’. Essa política passa a ter domínio sobre o corpo dos outros, para que operem como se quer, através das técnicas” (NIEMEYER; KRUSE, 2008, p. 464). 61 desenvolvimento muscular, a nudez, a exaltação do belo corpo” (p.146). Historicamente, os sujeitos tornaram-se conscientes de seus corpos na medida em que há um investimento disciplinar sobre eles. Quando o poder é exercido sobre nosso corpo, “emerge inevitavelmente a reivindicação do próprio corpo contra o poder” (p.23). Buscamos, todos, formas de resposta, de resistência, de transformação ou de subversão para as imposições e os investimentos disciplinares feitos sobre nossos corpos. Butler (2015), enuncia que a “construção do sexo não mais se dá como um dado corporal sobre o qual o constructo do gênero é artificialmente imposto, mas como uma norma cultural que governa a materialização dos corpos” (p.154), partindo do qual podemos pensar a adoção de performances e artefatos que se somam à vivência de cada uma/um, na composição do processo de construção do sujeito. A autora ainda indica a importância de Repensar o processo pelo qual uma norma corporal é assumida, apropriada, adotada;(...) ver que o sujeito, o “eu” falante, é formado em virtude de ter passado por esse processo de “assumir” um sexo com a questão da identificação e com os meios discursivos pelos quais o imperativo heterossexual possibilita certas identificações sexuadas e impede ou nega outras identificações (p.155). Nossa sociedade, assim como as outras sociedades que povoam o mundo possuem seus diversos padrões culturais, nos quais estão inseridos os processos educativos. Através, também da educação, a cultura é produzida e se torna parte inseparável desta, agindo como um conjunto de possibilidades que cada sociedade utiliza para disseminar seus conhecimentos e suas práticas. Porém, sabemos que a cultura é viva e dinâmica, ela muda no tempo e no espaço, e isso nos provoca a pensar que os seres humanos não são apenas interpretes de uma cultura, mas são, o tempo todo, criadores de cultura. Do imbricamento entre natureza e cultura surge a realidade que é designada por corpo, e é no universo cultural que esses corpos são construídos, desconstruídos, subjetivados e inventados. 2.4 Corpo, linguagem e performatividade Essa construção dos e nos corpos se dá, frequentemente, através da perfomatividade dos atores em ação, e performatividade, para Butler(2015), não é assim, um “ato” singular. Segundo ela é sempre uma reiteração de uma norma ou conjunto de normas. E na medida em que ela adquire o status de ato no presente, ela oculta ou dissimula as convenções das quais ela é uma repetição (p.166). Em sua obra, “Problemas de Gênero”, Judith Butler (2015) 62 revolucionou a discussão acerca dos estudos de gênero e a teoria queer, cunhando a noção de gênero como performatividade. Em vídeo, publicado pelo blog Operamundi (2013) Butler explica esse conceito de forma bastante simples, quando diz Nós agimos como se este ‘ser um homem’ ou ‘ser uma mulher’ fosse uma realidade interna, ou algo que simplesmente é uma verdade sobre nós, um fato sobre nós. Na verdade, trata-se de um fenômeno que tem sido produzido todo o tempo, e reproduzido todo o tempo. Então dizer que o gênero é performativo é dizer que ninguém pertence a um gênero desde sempre. Eu sei que é controverso, mas é esta a minha proposta. (BUTLER, 2013) Essa afirmação, assim como o próprio conceito, nos leva a considerar o papel da escola no processo de construção dos gêneros e sobre a performance de cada sujeito dos espaços escolares, seja mantendo a norma ou resistindo a ela. Nesse sentido, podemos aferir que na escola, assim como em outros espaços sociais, somos frequentemente regidos, dirigidos, por normas, regras e condições compulsórias, e, que esse conjunto de fatores age para construir os gêneros e afirmar a norma vigente. Nessa busca por compreender práticas pedagógicas de docentes de escolas públicas municipais, que atuem no segundo segmento do Ensino Fundamental, ansiava pelo possível encontro com estas normas, com essas convenções e suas ações, com performances que destoam, que desconstroem, que resistem, assim como aquelas que se adequam, se conformam, que estão imbricadas e assim constituindo os sujeitos e conduzindo as vivências nesses espaços. Na escola, através da linguagem adotada, dos discursos praticados, são inseridas e geridas as normas que se pretende que sejam cumpridas pelos sujeitos que habitam seus espaços. A esse respeito, temos em Foucault (2011) que Não se deve fazer divisão binária entre o que se diz e o que não se diz, como são distribuídos os que podem e os que não podem falar, e aqui coloco em dúvida os critérios que permitem definir quem tem voz e quem é emudecido nesse processo discursivo, que tipo de discurso é autorizado, e por quem, ou que forma de discrição é exigida a uns e outros. “Não existe um só, mas muitos silêncios e são parte integrante das estratégias que apoiam e atravessam os discursos (p.33-34). Na construção e tensionamento diário dessa relação entre o falar e o calar, entre quem fala e quem ouve e cumpre o que é dito, o autor declara que “o que é próprio das sociedades modernas não é terem condenado, o sexo, a permanecer na obscuridade, mas sim o terem-se devotado a falar dele sempre, valorizando-o como o segredo” (FOUCAULT, 2011, p. 42), e 63 as formas de falar do exercício do sexo na materialidade do corpo também auxiliam, de forma poderosa, na (des)construção desses corpos, suas performances e expressões. Corroborando com essas maneiras de pensar, Guacira Louro (2010) declara que Todas essas práticas e linguagens que constituíam e constituem sujeitos femininos e masculinos; foram – e são – produtoras de “marcas”. Homens e mulheres adultos contam como determinados comportamentos ou modos de ser parecem ter sido “gravados” em suas histórias pessoais. Para que se efetive essas marcas, um investimento significativo é posto em ação: família, escola, mídia, igreja, lei participam dessa produção. Todas essas instâncias realizam uma pedagogia, fazem um investimento que, frequentemente, aparece de forma articulada reiterando identidades e práticas hegemônicas enquanto subordina, nega ou recusa outras identidades e práticas; outras vezes, contudo, essas instâncias disponibilizam representações divergentes, alternativas, contraditórias. A produção dos sujeitos é um processo plural e também permanente. Esse não é, no entanto, um processo do qual os sujeitos participem como meros receptores, atingidos por instâncias externas e manipulados por estratégias alheias. Em vez disso, os sujeitos estão implicados e são participantes ativos na construção de suas identidades. Se múltiplas instâncias sócias, entre elas a escola, exercitam uma pedagogia da sexualidade e do gênero e colocam em ação várias tecnologias de governo, esses processos prosseguem e se completam através de tecnologias de auto disciplinamento e autogoverno que os sujeitos exercem sobre si mesmos. Na constituição de mulheres e homens, ainda que nem sempre de forma evidente e consciente, há um investimento continuado e produtivo dos próprios sujeitos na determinação de suas formas de ser ou “jeitos de viver” sua sexualidade e seu gênero (p. 25). Quando buscamos hoje, apreender, na prática docente cotidiana, as abordagens das quais professoras e professores lançam mão, o que temos? Que recursos os auxiliam nas conversas e debates com seus/suas alunos/alunas, nos momentos em que temas concernentes a gênero e sexualidades estão presentes nos conteúdos a serem trabalhados em sala de aula? Ou então, quando, por motivos e acontecimentos inesperados esses assuntos surgem como demanda, a que ferramentas e linguagens as(os) docentes podem recorrer em suas escolas? Pensando que o corpo é também o que se afirma a seu respeito, e, nesse sentido a linguagem é significativa, Silvana Goellner (2010) nos auxilia ao dizer que o corpo é construído, também, pela linguagem, e que a linguagem não apenas reflete o que já existe e é tido como corpo material. A própria linguagem, segundo a autora, cria o existente e, com relação ao corpo, tendo o poder de nomeá-lo, classifica-lo, definir normalidades e anormalidades. Diz ainda que as representações criadas no exercício dessa linguagem não são universais nem mesmo fixas. “São sempre temporárias, efêmeras, inconstantes e variam conforme o lugar/tempo onde este corpo circula, vive, se expressa, se produz e é produzido” (p.29). Maria Rita Kell (2003) afirma que “o corpo é formatado pela linguagem, e depende do 64 lugar social que lhe é atribuído para se constituir” (p.243), e pensando a escola como um dos espaços relevantes no processo de construção dos corpos, isso reforça seus significados e a necessidade da problematização de seu papel e suas ações. Buscando acessar os sentidos construídos para o corpo humano no presente, será necessário caminhar brevemente pela História, procurando notar as distintas maneiras de tratar o corpo e suas expressões, como o gênero e as sexualidades. Ao longo do tempo, modificaram-se as condições sociais, políticas, ambientais, afetivas, e tudo o que nos permite pensar num corpo dinâmico, constituído a partir de práticas e artefatos culturais, nas mais distintas sociedades, e aqui propomos abordar o corpo e sua história. Não temos a preocupação de delimitar espaços temporais, entendendo que o mais importante são os traços que se destacaram e que podem nos auxiliar pra pensar melhor o corpo de hoje. Novamente podemos dialogar com David Le Breton (2008), buscando melhor compreensão dos processos históricos relacionados ao corpo, desde tempos antigos até o que vislumbramos hoje, partindo de uma breve apresentação do corpo através da visão de filósofos clássicos: Uma tradição de suspeita do corpo percorre o mundo ocidental desde os pré- socráticos, à imagem de Empédocles ou de Pitágoras. Platão, por sua vez, considera o corpo humano como túmulo da alma, imperfeição radical de uma humanidade cujas raízes não estão mais no Céu, mas na Terra. A alma caiu dentro de um corpo que a aprisiona.” (...)” As diversas doutrinas gnósticas radicalizam a aversão ao corpo. Arraigadas em locais e épocas dispersos, comportam um núcleo de pensamento que se encontra fielmente em todos os sistemas. Para os gnósticos, o mundo sofre de uma indignidade radical, é mau por essência, criado por um demiurgo que se antecipou a Deus, ou por uma profusão de entidades terríveis que se interpuseram entre Deus e os homens (p. 13). Para Le Breton (2012), “nossa visão moderna do corpo, onde predomina o modelo biomédico, é resultado do desmantelamento dos valores medievais, das dissecações anatômicas, da filosofia mecanicista de René Descartes” (p.72). Segundo esse sociólogo, uma nova sensibilidade individualista ajudou a separar o corpo do cosmos, ajudou a separar o corpo dos outros (...) e, onde o corpo é separado de si mesmo, ele é diferente do homem23 (p. 27). 23 David Le Breton utiliza a palavra “homem” para designar, de forma geral, o ser humano. Nas citações isso foi mantido por respeito à literalidade das falas do autor, porém, na perspectiva na qual trabalhamos não utilizamos o termo “homem” como sinônimo de ser humano, sendo os sujeitos citados como sujeitos e suas possibilidades, sempre buscando superar a linguagem binária, comum na escrita dos textos da filosofia, sociologia, antropologia, biologia e outras áreas afins. 65 Quando temos nos espaços escolares, as expressões e subjetivações do corpo, nesse “lugar social” de que nos fala Maria Rita Kell (2003), ou pelo menos em parte dele, podemos questionar de que forma a linguagem e os discursos praticados tem sido utilizados para significar as normas, reafirmar modelos, subjetivar e dessubjetivar os sujeitos em constituição. Goellner (2010), ao dizer que “um corpo não é apenas um corpo, é também o seu entorno” (p.72), nos ajuda a perceber, nesse entorno, uma riqueza variada de possibilidades espaciais, relações e acontecimentos que, ao existirem e se cruzarem todo o tempo, constroem as cenas do cotidiano e formam os sujeitos com seus corpos. E assim sendo, pode ser possível acreditar, a respeito dos corpos, que “não, são as semelhanças biológicas que o definem mas, fundamentalmente, os significados culturais e sociais que a ele se atribuem” (GOELLNER, 2010, p.29), advindos de suas construções históricas. 2.5 O corpo e a pesquisa com professores e professoras Nesse momento, trago novamente a minha questão de pesquisa. Interessa-me problematizar nosso papel - enquanto docentes que atuam na Educação Básica - nesse processo de fazer ver, fazer falar e fazer pensar, os corpos generificados e sexuados dentro e fora das escolas. Em que momento sabemos e assumimos abordar esses temas? O que se fala quando se cala sobre as sexualidades e relações de gênero na escola? E também, o que se cala quando se fala? Falar e calar reorganizam o jogo discursivo de construção dos sujeitos generificados e sexualizados. Ao pensar em como os temas concernentes às relações de gênero e às sexualidades estão chegando e se colocando, ou sendo colocados em discurso na e pela escola, tendo como referências os pontos de discussão trazidos até agora, retomo Guacira Louro, mais uma vez, para dizer dos corpos que parecem ter ficado fora da escola e trago para dialogar com Foucault (2011), quando este diz que “não se fala menos do sexo, pelo contrário. Fala-se dele de outra maneira; são outras pessoas que falam, a partir de outros pontos de vista e para obter outros efeitos” (p.33). Penso que é possível perceber algumas das mudanças de paradigmas adotados nas escolas, ao mudar o foco do discurso, procurar adequar as falas e expressões a posições políticas, religiosas, sociais, que sejam mais comuns e consideradas ideais por quem detém parcelas importantes do poder nas instituições. Ao pesquisar com professores e professoras, buscando entrever/perceber essas abordagens e seus recursos, assim como as bases teóricas utilizadas por estes/estas docentes, penso que pode vir a aparecer algumas marcas que os corpos trazem, e que falam dos sujeitos que são constituídos por essa dinâmica de repressão e normatização, sobre a movimentação 66 compulsória e ausência da liberdade de circulação de alguns/de muitos desses corpos. Alguns/algumas escancaram muitas vezes suas identidades, enquanto em outras oportunidades e situações essas identidades permanecem mascaradas. Gênero e sexualidades podem aparecer associadas a outras categorias sociais e assim trazerem consigo outras representações que vão se somar às possibilidade de discussão, debate e problematização. Aparentemente essas características que dizem de identidades seriam facilmente perceptíveis, "deduzidas" a partir das marcas que são, social e culturalmente, dadas a esses corpos, e isso novamente vem nos dizer da força dessas marcas, impostas de forma compulsória a eles/elas. Convidando para pensar as condições nas quais os corpos estão presentes e são considerados na e pela nossa sociedade, recorro a Beatriz Preciado (2014) para dizer que A “história da humanidade” se beneficiaria se fosse rebatizada como “história das tecnologias”, sendo o sexo e o gênero dispositivos inscritos em um sistema tecnológico complexo. Os papeis e as práticas sexuais, que naturalmente se atribuem aos gêneros masculino e feminino, são um conjunto arbitrário de regulações inscritas nos corpos, que asseguram a exploração material de um sexo sobre outro (p.23). Partindo da ideia foucaultiana de biopoder24, podemos considerar as tecnologias digitais e suas diversas aplicações como evidência de uma movimentação tecnológica que age sobre a vida e produz novos corpos e subjetividades na sociedade contemporânea. Como esses “novos” corpos estão sendo inseridos nos diálogos que se constroem no cotidiano da escola e como as/os docentes estão sendo informados/formados para essa discussão? Quando a ênfase é dada nas diferenças entre os corpos físicos, onde, frequentemente e de diversas formas essas diferenças privilegiam um e subalternizam outro dos gêneros, além de ignorar outras possibilidades de trânsito e fronteiras de gênero, além de variadas possibilidades de práticas da sexualidade, é perpetuada a classificação que busca ser hegemônica e heteronormativa, sendo colocada em prática e discurso. As formas mais variadas são adotadas para fazer girar a engrenagem que constrói e mantém sistemas desiguais de classificação, normalização e exploração, representados por ações em muitos segmentos, incluindo o educacional. Será papel da educação agir de modo a construir uma realidade com mais equidade? Como pode o universo da educação alcançar essa meta? Onde nos inserimos nesse processo e quais papeis desempenhamos? 24 Para Michel Foucault, a questão do biopoder se mostra em dupla face: como poder sobre a vida (as políticas da vida biológica, entre elas as políticas da sexualidade) e como poder sobre a morte. Trata-se da estatização da vida biologicamente considerada, isto é, do homem como ser vivente (CASTRO,2009, p.57). 67 Dialogando com Louro (2010), ela nos apresenta os sentidos que os corpos ganham, socialmente e produzindo assim a inscrição dos gêneros – feminino ou masculino - nos corpos, sempre no contexto de determinada cultura e trazendo consigo as marcas que dizem dessa cultura. Assim também podemos dizer das possibilidades das sexualidades – das diversas e variadas formas de expressar os desejos e prazeres – que também são sempre socialmente estabelecidas e codificadas. Para Louro (2010), que “as identidades de gênero e sexuais são, portanto, compostas e definidas por relações sociais, elas são moldadas pelas redes de poder de uma sociedade” (p.11), e podemos inferir que nossos corpos não são independentes da rede discursiva em que estamos inseridos (KELL, 2003), pois nossa construção enquanto sujeitos se dá a partir dos discursos proferidos e praticados na rotina dos nossos espaços de circulação. Partindo da ideia inicial de um corpo que é apresentado como parte de um composto material, cuja base se localiza na sua formação biológica, percebo a importância de nos descolarmos dessa ideia e não tratar apenas do corpo bioquímico, nem do corpo psicológico, mas propor e aprofundar a discussão do corpo como objeto social. Nesse sentido, temos em Maria Rita Kell (2003) O corpo próprio como corpo do Outro. Ao contrário da concepção do corpo como propriedade privada de cada um, afirmo que nosso corpo nos pertence muito menos do que costumamos imaginar. Ele pertence ao universo simbólico que habitamos, pertence ao Outro; o corpo é formatado pela linguagem, e depende do lugar social que lhe é atribuído para se constituir (p. 243). Concordo com Ghiraldelli Jr. (2007), ao trazer o argumento de que é urgente chamarmos a atenção para as reflexões indispensáveis, a se fazer sobre questões relacionadas a representação de corpo e a constituição das identidades de gênero e das sexualidades nas escolas. É de total relevância apresentarmos algumas das concepções de corpo durante a história ocidental, como feito até aqui, até que cheguemos às manifestações corpóreas na contemporaneidade, ou seja, o corpo pós-moderno. Este autor também afirma que os desafios educacionais sobre o tema ‘corpo’ são muitos e bastante abrangentes e não há educação sem que o corpo esteja presente como um todo. E Louro (2015) nos fala do ensinamento que produziu um modo de ser, e eu me arriscaria a ir um pouco mais além sugerindo que a linguagem também produz modos de ser, que foram transformados, desconstruídos e reconstruídos ao longo da história, em atravessamentos com os processos educacionais representados pela escola, pela família, pela religiosidade, pelos campos políticos e sociais em 68 ação. Felizmente, uma vez que somos feitos no movimento e de movimento, tais aprendizados também não são perenes (LOURO. 2015, p.364). A soma de todas essa premissas e seus efeitos produziram os corpos que temos e vemos em movimento e em ação atualmente. Le Breton (2012) diz, em consonância com nossa proposta de pesquisa e discussão, que “o corpo é uma linha de pesquisa e não uma realidade em si” (p. 33). É possível pensar que não existe uma forma de construção desses corpos, mas uma soma de fatores, situações, eventos, teorias que, somadas e imbricadas podem resultar na multiplicidade de corpos e sujeitos que temos, inclusive e, nesse caso sobretudo, ocupando, construindo, transformando e subjetivando os espaços escolares e seus atores. A constituição dos espaços da educação enquanto campo de pesquisa me levaram às escolas municipais de Juiz de Fora, na busca por abordagens adotadas por docentes na discussão, planejada ou não, dos temas relacionados a gênero e sexualidades. Pensando que os conhecimentos são produzidos durante as ações no cotidiano, e esta produção e sua socialização está interligada às formas como certas relações sociais e de poder se estruturam, é parte da busca praticada durante a construção deste trabalho, e que será apresentada nos capítulos que se seguem. 69 3 QUAL ESCOLA OS QUESTIONÁRIOS NOS SUGEREM? Produzir uma pesquisa pode ser comparada a um diário, uma contação de história, em que o relato de uma parte da vida – ou de vidas - se constrói, como um tempo vivido, ou uma longa viagem realizada, em que pessoas, lugares e discursos configuram experiências de descoberta, surpresas e visitas a lugares, alguns conhecidos e outros inéditos. Nada de absolutamente original, portanto, mas um modo diferente de olhar e pensar determinada realidade a partir de uma experiência e de uma apropriação do conhecimento que são, aí sim, bastante pessoais (DUARTE, 2002). Ao começar este trabalho, senti que minha dúvida mais forte se referia sempre à metodologia - ou metodologias - a ser utilizada para a produção e análise dos dados necessários e desejados à construção de um trabalho que se propõe, desde o início, ser rigoroso, no que tange à seriedade e transparência das informações produzidas. Em leituras de Dagmar Meyer (2005), Marisa Vorraber Costa (1996), Rosa Maria Bueno Fischer (2007), Alfredo Veiga Neto (2007), Michel Foucault (2011), Marlucy Paraíso (2014), percebe-se que essa é uma discussão longa e rica, em que muitas possibilidades de abordagem são discutidas e consideradas. A leitura clareia a mente, mostra algumas direções. Descubro, com Costa (1996), que os caminhos me levam a “descobrir espaços cotidianos de luta na produção de significados distintos daqueles que vêm nos aprisionando há séculos, em uma naturalizada concepção unitária do mundo e da vida” (p. 8), e que nessa busca eu me encontro com as/os professoras/es com quem converso nessa pesquisa, incialmente através das respostas dadas aos questionários, que traziam 03 questões abertas a serem respondidas. Encontro, ainda em diálogo com Costa (1996), a oportunidade de trazer, a partir das falas, o que ela chama de “vozes emergentes”, como uma tendência em “buscar uma compreensão multifacetada dos processos que se articulam nas ações pedagógicas” (p.64). Ao trazer, para esses/essas docentes da Educação Básica municipal de Juiz de Fora, perguntas que pudessem me levar a perceber algumas das abordagens utilizadas para discutir o tema de meu interesse nessa pesquisa, relações de gênero e sexualidades, me encontro com Marcio Caetano (2013) que chama para pensar que compreender “as identidades sexuais significa também compreender os discursos dos seus sujeitos. Essa compreensão requer, ainda, refletir sobre as práticas educativas que nos formaram e influíram na maneira como 70 percebemos o significado de ser homem ou mulher, frequentemente orientado por dicotomias” (p. 37). Procuro nas respostas as práticas, a linguagem e as performances presentes no cotidiano da escola que nos permitam contato com os movimentos curriculares na escola que, segundo esse autor, “são espaços de construção, não só de identidades mas também de significados e símbolos que as rodeiam e apoiam” (p.62). Desde o início do campo, ou até antes dele, ao pensar na formulação desse instrumento que chamei de questionário inicial, até as visitas às escolas, no contato com diretores/as, coordenadoras, docentes, de cada uma das três escolas escolhidas por nós, entre as cinco sugeridas pela Secretaria Municipal de Educação de Juiz de Fora, muita coisa aconteceu. Construí e guardei múltiplas impressões, que variam enormemente entre si, no que tange à maneira como sou recebida em cada uma delas, ao espaço físico de cada escola, a receptividade e aceitação, a recusa e/ou resistência à proposta por parte das direções e coordenações - em um dos casos - a disposição destes/as em submeter os questionários ao corpo docente em cada escola, a conversar sobre essas escolas, as/os docentes que lecionam ali, suas/seus alunas/os, a comunidade e o entorno social e geográfico de cada uma, e as relações ali estabelecidas. Ao me encontrar com cada escola, me encontro também com os bairros/comunidades onde estão localizadas cada uma, e que trazem suas próprias especificidades, tais como as condições econômicas e sociais que falam de suas realidades postas e apresentadas, seja por docentes ou discentes ali circulantes. Uma das escolas funciona em um prédio de uma antiga fábrica de tecelagem, e atende a jovens adolescentes em turmas de EJA – Educação de Jovens e Adultos – além de oferecer oficinas diversas à comunidade, nesse caso, com uma ênfase notada em pessoas idosas. Uma curiosidade que me chamou a atenção, especialmente, foi que, nesta escola apenas professoras preencheram o questionário. Não recebi resposta de nenhum professor do gênero masculino. Do total de 25 questionários deixados com a coordenadora, recebi 7 questionários respondidos aqui. As outras duas escolas ficam em bairros da periferia da cidade, que, resguardadas as devidas proporções, oferecem condições semelhantes, como o fato de atenderem a um público em condição econômica desfavorável, com famílias em variadas conformações. Em uma delas, é relevante destacar, segundo informações transmitidas pela coordenação da escola, há um padrão alto de violência, associado, sobretudo, segundo a coordenação, ao tráfico de drogas na região. Na segunda escola, eu fui convidada a comparecer a uma reunião pedagógica e ali apresentar a minha pesquisa, deixando os questionários para que fossem posteriormente preenchidos e entregues à coordenação, que então os fariam chegar até mim. 71 Me foi dado um tempo de 15 minutos para apresentação e distribuição dos questionários. Percebo hoje que esse tempo foi insuficiente, assim como a proposta de recolhimento posterior dos questionários, já que de 35 questionários que foram entregues, apenas 11 foram devolvidos com respostas. É possível que com um tempo maior, uma conversa mais detalhada, aberta a participações, e tempo para preenchimento dos questionários eu tivesse melhor resultado. Na terceira escola, uma amiga, professora de ciências desta mesma escola, apresentou a proposta, distribuiu o questionário e os recolheu posteriormente. Interessante notar que foi a escola que mais enviou questionários com respostas completas, sendo que, dos 40 questionários deixados para suas/seus professoras/es, 18 foram devolvidos com respostas. E também nessa escola foi mais fácil encontrar docentes com disposição para conversar e participar dos grupos focais. A professora que me auxiliou no contato trabalha há muito tempo nesta escola e desenvolve nela trabalhos que discutem questões referentes a gênero e sexualidades. Penso que essa característica foi importante nesse momento de contato. Para os questionários iniciais, as respostas poderiam ser curtas e objetivas. A intenção era construir um panorama mais geral das relações das professoras e professores com o trabalho com gêneros e sexualidades. Nesse sentido, busquei identificar, entre as/os docentes de cada escola, quem assumia, ou não, discutir questões de gênero e sexualidades em suas aulas; quem dizia não trazer esses temas para o seu trabalho em sala de aula; e suas opiniões a respeito dessas discussões e situações. A partir dessas respostas, se deu a busca pelas/os docentes a serem convidadas/os para novas conversas. A escolha por formular um questionário curto e simples se baseia na proposta de que ele funcione como o gatilho para as discussões, como uma primeira construção de impressões a respeito de cada escola, do modo de ensinar, aprender, desenvolvido em cada um desses espaços e, sobretudo, às relações que se estabelecem ali, a partir das questões de gêneros e sexualidades, de como são abordadas e tratadas, ou quando não são abordadas e/ou tratadas, alguns de seus significados possíveis. Eles funcionam como o ponto de partida e, trouxeram muitas possibilidades para pensar e discutir a escola municipal contemporânea em Juiz de Fora. Busquei em Dagmar Meyer e Rosângela Soares (2005) a inspiração para perceber e discutir as formas de pesquisar com professores/professoras e elas me dizem que Para compor nossa agenda de investigação, também partimos de pistas e suspeitas. Pegamos nosso quadro, um quadro no qual se inscreve uma (ou mais que uma) história que, de alguma forma, nos provoca, desacomoda, instiga ou nos coloca interrogações e que, exatamente por isso, nos põe em 72 movimento atrás de respostas ou explicações para uma ou mais questões (p. 29). Seguindo com as autoras, penso nas histórias que ambas sugerem e nas provocações que me afetaram durante minhas visitas ao campo, contatos com as professoras e professores de cada escola, e a leitura dos questionários. Parto, em minhas primeiras análises, das respostas trazidas pelos 36 questionários recebidos, tendo-as como ponto de partida e, somando isso aos incômodos, procuras e problematizações que já faziam parte de minha relação pessoal com a educação em seus variados universos, numa relação que se expressa na vivência cotidiana com alunas/os, colegas, familiares e funcionárias/os de cada escola nas em que trabalhei, durante cerca de 10 anos. Não espero, nem pretendo, encontrar respostas ou explicações definitivas, mas alcançar mais problematizações e questionamentos, que possam nos ajudar a, cada vez mais, pensar as possibilidades que povoam os espaços escolares, e reverberam, muitas vezes, na comunidade à qual estão inseridos esses espaços e os sujeitos. 3.1 Quais assuntos aparecem quando você discute nas suas aulas questões de gêneros de gêneros e sexualidade? 3.1.1 A ideia de respeito Na primeira questão, recebi respostas que privilegiam alguns termos bastante significativos, dentro do que acreditamos compor com as relações nos espaços escolares, começando pela ideia de respeito, que aparece repetidamente. De início busco os possíveis significados para a palavra e tenho, em alguns desses significados, elementos que vêm contribuir para tentar perceber o que cada docente quis dizer, com suas falas, ao citar o termo respeito. Começo a partir de uma fala que me chama especialmente a atenção e na qual uma/um docente declara discutir “o respeito às diferenças e os métodos preventivos”, como temáticas abordadas em sua escola, durante as suas aulas. Convido a refletir um pouco sobre essa afirmação e o que temos a partir dela e das definições mais elementares, presentes nos dicionários, onde a palavra “respeito”, aparece enquanto representação de “consideração; sentimento que leva alguém a tratar outra pessoa com grande atenção”, “profunda deferência”, reverência. Ou ainda a palavra respeito como sinônimo de obediência; acatamento ou submissão: respeito às leis; apreensão; sensação de medo25” (DÍCIO, 2016), 25 Dicionário Online de Português. Disponível em < https://www.dicio.com.br > Acesso em: 01/09/2016. 73 entre tantos significados possíveis dados à essa ideia. Penso que todos os significados tem um lugar na construção discursiva do respeito. Podemos pensar nos diversos significados que cada um/uma quis inferir ao seu discurso quando utilizou-se do termo “respeito”, para se referir a posturas, situações e possibilidades envolvendo a escola e as/os alunas/os, no exercício do cuidado com elas/ eles, e no cuidado de si própria/o. Nesse papel desempenhado muitas vezes por professoras/es, quando estas/es além de representarem aquela/e que transmite conteúdos e conhecimentos, também é a/o que se importa, que cuida, que instrui para além dos conhecimentos científicos, participando da construção social do sujeito. Para Foucault (2014), discurso é um conjunto de enunciados, de um período particular, que exerce uma função normativa e reguladora. Neste sentido, podemos suspeitar que o “respeito” se constitui como um discurso, em que as falas das/os professoras/es, de campos diferentes obedecem a mecanismos de reorganização do real por meio da produção de saberes. Quando relacionam “respeito” às suas aulas, estão acionando saberes, significados, ações socialmente aceitas, imagens, enfim, uma série de enunciados que compõem essa ideia de “respeito” e que dá lugar aos sujeitos. Ao falarmos dos “métodos preventivos”/contraceptivos, aqui apresentados na citação docente, e partindo da premissa comum de que estes são, em geral, discutidos e abordados, com maior frequência nas aulas de ciências - já que tal assunto consta das propostas pedagógicas deste conteúdo - sejam elas do município, estado ou órgão federal, é possível pensar no exercício do cuidado do outro, de, durante a prática cotidiana, ter a preocupação e a dedicação em tornar menores os riscos a que cada aluna/o pode estar exposto sem o devido conhecimento e possibilidades de discussões abertas/ e onde se estabeleça uma relação de confiança. Desde o ano de 1997 Os Parâmetros Curriculares Nacionais- PCN desenvolvidos pelo governo federal (BRASIL,1997), introduziram a temática “Orientação Sexual” como conteúdo a ser tratado de maneira transversal no Ensino Fundamental, o que provocou inúmeros desdobramentos na educação escolar, dentre os quais se destacam um incremento na produção acadêmica acerca da temática, a incorporação dos temas gênero e sexualidade ao conteúdo de livros didáticos e a elaboração de uma gama de materiais escolares sobre o assunto (livros paradidáticos, vídeos educativos, cartilha de diversidade sexual, etc.). Essa política curricular, sobretudo, reafirma a perspectiva de que a escola seja uma importante instituição para veicular informações sobre sexualidade (LIMA &SIQUEIRA, 2013, p. 151). 74 A citação nos sugere que, nos últimos anos, a discussão acerca do tratamento dado às questões de gêneros e sexualidades nas escolas tem apontado para uma abordagem transversal, ao invés da abordagem concentrada no conteúdo biológico, trazendo novas formas de dialogar com outros campos de conhecimento na escola. Entretanto, ainda é comum que a discussão de tais questões seja direcionada aos conteúdos específicos das ciências biológicas, de maneira que a discussão que traz as questões de gênero e sexualidades acabe sendo delegada ao “saber competente” das ciências, se restringindo às aulas de ciências e biologia (BARROS e RIBEIRO, 2012). Maria Rita César (2010), discutindo os PCN, argumenta que ao tratar do tema Orientação Sexual, busca-se considerar a sexualidade como algo inerente à vida e à saúde, que se expressa desde cedo no ser humano. Segundo o documento, a discussão, que aqui é nomeada como orientação sexual, “engloba o papel social do homem e da mulher, o respeito por si e pelo outro, as discriminações e os estereótipos atribuídos e vivenciados em seus relacionamentos, o avanço da AIDS e da gravidez indesejada na adolescência, entre outros, que são problemas atuais e preocupantes” (BRASIL, 2000, p. 107). Para além dessa abordagem, a discussão a respeito do direito às diferenças já nos sinaliza com novas possibilidades de discussão, já que a própria palavra “diferença” pode significar mais de um entendimento. Quando uma professora ou um professor sugere abordar a discussão acerca das diferenças na escola, a partir do respeito, isso sinaliza para uma gama de possibilidades de referência a grupos, pessoas e status. Nos processos educacionais desenvolvidos nas e pelas escolas, frequentemente nos deparamos com situações que geram discussão envolvendo questões de raça, classe social, religião, cultura, além de relações de gênero e sexualidades, e, em todas essas possibilidades cabe a ideia de respeito às diferenças. Que lugar ocupam as sexualidades não heteronormativas nesse discurso de respeito às diferenças? Em qual desse, ou desses significados de diferença, nossas/os docentes estão pensando? Refletindo sobre as sexualidades e gênero, como representação de diferenças, e dialogando com Ferrari e Castro (2015) podemos inferir que “a resposta pode estar organizada na lógica que coloca as homossexualidades no lugar da diferença e os outros, supostos heterossexuais, no lugar dos “naturais”, “normais” (p.65). Trazendo Débora Britzman para a discussão (1996), ela nos auxilia, dizendo que Nenhuma identidade sexual existe sem negociação ou construção. Não existe, de um lado, uma identidade heterossexual lá fora, pronta, acabada, 75 esperando para ser assumida, e, de outro, uma identidade homossexual instável, que deve se virar sozinha. Em vez disso, toda identidade sexual é um constructo instável, mutável e volátil, uma relação social contraditória e não finalizada. Como uma relação social, no interior do eu e como uma relação social entre “outros” seres, a identidade sexual está sendo constantemente rearranjada, desestabilizada e desfeita pelas complexidades da experiência vivida, pela cultura popular, pelo conhecimento escolar e pelas múltiplas e mutáveis histórias de marcadores sociais como gênero, raça, geração, nacionalidade, aparência física e estilo popular (pp.74-75). Partindo da afirmação da autora, podemos inferir que uma diferença, frequentemente está associada a outras e em constante relação e possível tensão. Ainda tendo como inspiração Ferrari e Castro (2014) temos que “o diferente só nasce neste jogo entre a continuidade e a ruptura” (p.59), e nessas disputas, as tensões e resistências se estabelecem e se mantêm. Construir e manter na escola uma discussão que contemple as possibilidades de exercício das múltiplas sexualidades, assim como as possibilidades e atravessamentos entre as fronteiras de gênero binárias e tradicionais, aparece, muitas vezes, como ameaças a um status quo onde se pretende ainda, muitas vezes, uma escola homogênea. Contudo, a identidade é construída a partir de atributos obtidos de uma cultura, que lhe atribui elementos adquiridos por cada pessoa ou sujeito, por meio da herança cultural. Isso concede diferenças a esses sujeitos e se configura como a consciência da diferença. Partindo da proposta de uma educação voltada também para os diferentes, presentes na escola, nos são colocados, enquanto educadoras/es, o desafio de estar ligados e prestando atenção às variadas diferenças presentes no meio escolar: econômicas, sexuais, de gênero, sociais, raciais, procurando exercitar um saber crítico que permita problematizá-las. Então, ao invés de se pretender manter estático e imutável o espaço e a condição da escola, tornar-se-á possível a criação de espaços e condições para que se estabeleçam novas possibilidades identitárias e de orientação do desejo que não cabem na lógica binária e heteronormativa estabelecida. Retomando a conversa com Débora Britzman (1996), concordo que Para um número significativo de heterossexuais que imaginam sua identidade sexual como “normal” e “natural”, existe o medo de que a mera menção da homossexualidade vá encorajar práticas homossexuais e vá fazer com que os/as jovens se juntem ás comunidades gays e lésbicas. (p. 79) Retomando os múltiplos significados e empregos que podem ser dados à palavra respeito/ chego à afirmação docente que diz que aborda as questões de gênero e sexualidades, “discutindo sobre piadas racistas e algum tipo de preconceito, intervindo em situações nas quais os alunos estejam sendo preconceituosos, construindo a ideia de que as pessoas são 76 diferentes, e essas diferenças devem ser respeitadas”. Que outras formas de preconceito estão representadas no cotidiano da escola? A resposta sugere que, junto à discussão de gênero e sexualidades, temos outras formas de discriminação, que se somam para representar a construção de diferenças. A diferença que chega para classificar, para generificar, excluir, e por isso, vem exigir a atuação das/dos professoras/es, e onde o racismo aparece de forma a merecer destaque na fala docente. O racismo, neste caso, aparece em primeiro plano, mas vem seguido da declaração de que discute outras formas de preconceito, sem, no entanto, deixar claro quais são essas formas às quais se refere. Entretanto, há a preocupação da/do respondente em destacar a importância do respeito às diferenças, que deve haver por parte de todas/os as/os alunas/os e que é papel da professora/or discutir e incentivar. Sobre a construção das diferenças, Silvio Gallo (2007) afirma que Na medida em que não suportamos a sensação de estrangeiridade, é necessário encontrar elementos para justificar e suportar o processo de apagamento das diferenças [...] No cotidiano da escola, as relações de exclusão pelo racismo colocam-se para muito além da questão de raça, mas transpassam as questões de gênero e de sexualidade, como formas de violência física ou simbólica (p.36). Seguindo o pensamento do autor, recebo a fala, de outra escola, em que a/o docente declara abordar “o preconceito. Mostro aos alunos que as pessoas tem suas opções sexuais e devem ser respeitadas e felizes” sugerindo que essas “opções” possam estar ocupando esse lugar da diferença que gera a sensação de “estrangeirismo” e exclusão de que nos fala Silvio Gallo, extrapolando a discussão para além do racismo e outras formas de discriminação. Essa afirmação pode esclarecer mais sobre os tipos de preconceito, ligados às sexualidades, quando se fala em “opções sexuais” que devem ser respeitadas. O respeito às diferenças está, de muitas formas, impresso na escrita das/dos docentes, e nos deixa variadas possibilidades de interpretação para esses termos e suas aplicações, como as diferentes formas de exercício da sexualidade humana e das identidades de gênero, que variam para além do binarismo homem/mulher, e podem extrapolar o modelo heteronormativo padrão, rompendo fronteiras e demarcando novas conformações. Ao trazerem para a discussão, de forma repetida, o termo “opção sexual”, ao falarem em “Namoro, sexo, opção sexual, diferença”; “Preconceito sobre a opção sexual dos colegas”; “Os alunos principalmente do sexo masculino se mostram muito preconceituosos com amigos que tem opção sexual diferente da deles, fazendo brincadeiras que agride-os psicologicamente” (grifos meus), as/os docentes me incentivam a problematizar o uso do 77 termo “opção sexual”, utilizado pela maioria das/dos docentes com os quais tive contato nessas escolas, seja através das respostas escritas nos questionários ou nas falas ouvidas durante nossos encontros pessoais. O uso da palavra “opção”, para se referir à orientação do desejo, em suas diversas possibilidades porém, tem sido bastante discutido nos últimos anos, em campos como a psicologia e a educação. Sobre sua utilização frequente nos discursos praticados na escola, busco em Stuart Hall (2007) quando ele diz que Para a demarcação de uma identidade socialmente aceita sempre existirão operações de inclusão e exclusão, assim afirmar “o que somos” ou “quem somos”, significa também dizer o “que ou quem não somos”, “quem pertence” e “quem não pertence” dentro de uma matriz identitária (p. 26). Tomando como ponto de partida a citação de Stuart Hall, para problematizar o uso do termo “opção sexual”, podemos pensar que ser homossexual ou heterossexual é uma simples questão de escolha? Em que medida a emergência do termo “opção sexual” não leva em conta a complexidade do ser humano, seja no sentido biológico, social, comportamental e, principalmente, quando todas essas possibilidades estão em relação, para o entendimento de algo. A sexualidade e suas múltiplas possibilidades de identidade, expressão e prática está no campo da alta complexidade e dificilmente poderá ser reduzida a uma escolha, ou ausência dela. As discussões que são protagonizadas hoje, pelo campo da educação, têm papel fundamental nessa busca por trazer possíveis entendimentos ao uso dos conceitos e seus significados para a escola: Em termos de pesquisa educacional, a ideia de identidade ainda permanece, como muita frequência, presa à visão equivocada de que as identidades são dadas ou recebidas e não negociadas – social, política e historicamente. Essas ausências fazem com que a identidade seja colocada num continun linear. O resultado disso é que, no cenário da pesquisa educacional, as identidades não conseguem fugir de dois extremos: ou são vistas como dolorosas (quando se acomodam) ou são vistas como prazerosas (quando resistem) (BRITZMAN, 1996, p.73). Penso também no que traz como sugestão/norma para a educação o documento intitulado Brasil Sem Homofobia26: programa de combate à violência e à discriminação contra LGBTQI e promoção da cidadania homossexual, na afirmação de que 26 O Programa Brasil Sem Homofobia foi lançado em 2004, a partir de uma série de discussões entre o Governo Federal e a sociedade civil organizada (Organizações Não-Governamentais, entre outras), com o objetivo de promover a cidadania e os direitos humanos de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT), a partir da equiparação de direitos e do combate à violência e à discriminação. Foi dirigido a profissionais da educação e 78 A orientação sexual existe num continuum que varia desde a homossexualidade exclusiva até a heterossexualidade exclusiva, passando pelas diversas formas de bissexualidade. Embora tenhamos a possibilidade de escolher se vamos demonstrar, ou não, os nossos sentimentos, os psicólogos não consideram que a orientação sexual seja uma opção consciente que possa ser modificada por um ato da vontade. (BRASIL, 2004, p. 29). A partir dessas afirmações27, cada vez mais é possível defender e praticar a ideia da liberdade de ser quem se é, sem se atrelar a identidades fixas, sem caber em rótulos pré- estabelecidos que nomeiem, marquem e definam os sujeitos. Nesse sentido é plenamente cabível o uso dos termos como opção, preferência, escolha, orientação, e outros pois, deve-se admitir que diante do violento trabalho de colonização da sociedade para que todos sejam heterossexuais, a pessoa LGBTQI “afirmar que sua orientação sexual é uma tomada de posição, uma escolha, uma opção identitária ou políticas, é ação mais do que apropriada à finalidade política a que se destina”, é a manifestação do direito a livre escolha (SOUSA FILHO, 2013, p. 10-11). Quando recebo de um/uma docente a afirmação de que sua discussão traz, na abordagem a discussão pela “igualdade de direitos. (...)respeito pela diversidade”, percebo a preocupação com a promoção desses valores na escola. Em algumas respostas há exemplos de recursos didáticos utilizados por eles/elas para provocarem a discussão dos temas e isso demonstra a busca por alternativas pedagógicas inovadoras que promovam essas discussão: “Através das aulas de contos são levantados artigos de jornais, entrevistas e acontecimentos da cidade que remetem ao respeito/preconceito e diferenças” e “A partir de um filme discutimos a questão da diversidade em geral. Da inclusão e interação social”. Podemos sugerir que a diversificação dos instrumentos utilizados, nesse caso, auxilia o surgimento e a profundidade dos discursos, ao trazer, para a sala de aula, acontecimentos, reais e/ou fictícios, que demonstrem as situações possíveis de ocorrer com pessoas LGBTQI, em seus cotidianos familiares e sociais. desenvolvido em escolas públicas estaduais e federais. Disponível em: http://www.adolescencia.org.br/site-pt- br/brasil-sem-homofobia. Acesso em 02/02/2017. 27 O documento afirma que “os psicólogos não consideram que a orientação sexual seja uma opção consciente que possa ser modificada por um ato da vontade”, entretanto é necessário lembrar que não se pode levar em conta apenas um grupo de psicólogos que comunguem de determinada opinião, pois existem psicólogos que defendem outras ideias e possibilidades e até um movimento denominado “cura gay”. O documento em questão reflete a posição assumida por um grupo de psicólogos/as, e não de todas(os). 79 Ao trabalhar com notícias de jornal, que tragam relatos sobre agressões e crimes contra mulheres e pessoas LGBTQI, como foi sugerido em uma das respostas dadas a um questionário, a escola convida as/os alunas/os a pensar criticamente sobre a razão dessas agressões, e sobretudo, suas consequências. Começa por fazer conhecer as diversas modalidades de violência possíveis, sendo que, muitas delas, sequer são reconhecidas por suas vítimas como tal. Segundo Ticiane Figueiredo (2016), é importante que se perceba que “o machismo, o racismo, a lesbofobia, a bifobia e outras formas discriminatórias interagem diretamente entre si, produzindo e reproduzindo relações de poder que ditam qual o papel da mulher na sociedade” (p.2) e fazer perceber e discutir na escola esses acontecimentos. Recorrendo a recursos áudio visuais, como filmes, que discutam a temática em questão, a/o docente parece investir no desenvolvimento da criatividade, da educação, da emoção e a sabedoria para melhorar a condição de tomada de decisões em situações tensas e enriquecer a socialização, na vida de cada estudante. Com isso é possível sensibilizar o corpo discente, mostrando situações possíveis à nossa sociedade atual, provocando o debate e buscando despertar, em nossas/os alunas/os, a empatia para com as pessoas que são agredidas e discriminadas diariamente, inclusive em nosso meio. Nos dias atuais, nossas/os alunas/os atuam de forma a lançar estilos e costumes muito próprios, agindo para construir sua cultura, a partir dos diálogos que estabelecem com as mídias, que através de sua ação amplia as possibilidades de ser e estar no mundo. Esse contato constante pode e deve ser usado para trazer aos sujeitos presentes nas escolas um contato mais claro e realista dos quadros de violência possíveis, trazendo-os para pensar em formas de minimizar os processos excludentes e discriminatórios que são construídos e compartilhados através desta mesma mídia. Ou seja, os mesmos recursos que vêm sendo usados para propagar e estimular discriminação e violência também podem ser utilizados para conscientizar, defender e proteger às/aos que são agredidos. Uma citação docente me despertou, de maneira especial a atenção, quando leio que a/o docente discute, em suas aulas “conhecimento do gênero e sexualidade. Respeito às diferenças. O pensamento atual das religiões em relação ao gênero”. Ao ver essas três colocações elencadas na mesma resposta me pego pensando nas intrínsecas relações entre essas discussões e o que as leva a esses espaços, em relações de construção e prática de discursos diversos. Esses discursos podem trazer sugestões para entendimento, compreensão e tolerância, mas também podem aprofundar a intolerância e as discriminações, já que é comum vermos, atualmente, sobretudo através das mensagens vindas de alguns segmentos de origem cristã, a incitação de discursos de ódio e sugestões de perseguição e agressões partindo de 80 movimentos e líderes religiosos de diversas denominações. A escola está, o tempo todo, sendo atravessada pelas influências religiosas, que também tem forte significado na maneira como as comunidades vivem seus cotidianos e constroem suas crenças. Michel Foucault, nos convida a perceber que “uma explosão discursiva vem circunscrevendo um campo de saberes em torno das sexualidades” (FOUCAULT, 2011, p. 66). Mais recentemente os discursos trouxeram à tona também as questões de gênero, capitaneadas pelo movimento feminista, e essa explosão se deu em especial, a partir do século XIX”, tendo investido mais particularmente sobre os corpos como entes biológicos, cujos impulsos podem ser gerenciados por tratamentos, recomendações e conselhos de especialistas. Assim, a sexualidade se torna revestida de um discurso científico, que a captura e a transforma num potente meio de regulação dos comportamentos e das práticas sexuais (FOUCAULT, 2011, p.66). Seguindo na discussão com as/os autoras/es, trago mais uma citação docente que dialoga com a posição dos estudos foucautianos (FOUCAULT, 2011), ao considerar a sexualidade como um dispositivo histórico. Partindo da afirmação de que discute com suas/seus alunas/os, assuntos relacionados ao “amadurecimento, relações entre heterossexuais ao longo do espaço e do tempo (posição de ambos os sexos nas relações sócio culturais). Respeito quanto as orientações sexuais e como essa questão esteve presente ao longo do tempo e do espaço”, percebo que as questões que me atraem para essa discussão de gênero e sexualidades na escola podem estar fazendo parte da prática de outras/os professoras/es, que as desenvolvem, na forma de diálogos variados, com seus alunos e alunas, sugerida, nesta afirmação, como discursos entrelaçadas a discussões sócio históricas significativas, que é um recurso importante para seu enriquecimento. Permanecendo com Foucault como o autor que discute as proibições e o poder repressivo, podemos buscar o que ele chamava de discurso das "verdades" produzidas e analisadas como ‘o’ poder. Esse poder que era exercido sobre a loucura e a sexualidade era aplicado à prática da psiquiatria e da sexologia. (FOUCAULT, 1984) afirmava que nas sociedades ocidentais, durante séculos, se ligou o sexo à busca da verdade, sobretudo a partir do cristianismo (p.261). A escola e seu poder de disciplinamento se desenvolveu a partir do que a/o docente nomeia como “orientações sexuais e como essa questão esteve presente ao longo do tempo e do espaço”, trazendo a ideia de que essa discussão se desenvolveu através da história, e se mantêm. 81 3.1.2 Questões ligadas ao conteúdo / disciplina Com a ideia de precaução a escola vai construindo os discursos valorizados, o que pode ser feito e dito, e vai definindo os sujeitos e suas práticas. Nesse sentido, as/os docentes convivem com a prática comum de ter como definição possível e proposta de precaução a abordagem acerca dos métodos contraceptivos e a prevenção às DSTs, que acaba por deixar de fora dos planejamentos pedagógicos as demais discussões que abarcam as relações de gênero e sexualidades. Fica a cargo de cada professora/or realizar ou não discussões mais abrangentes. Ao ler a afirmação de uma/um docente de que discute “Métodos contraceptivos. Doenças sexualmente transmissíveis”, penso na prática, às vezes ainda muito presente, da manutenção dessa discussão majoritariamente no âmbito biológico, nas funções orgânicas e fisiológicas de cada corpo, não abordando as relações com o contexto social e histórico. O advento da Aids impactou diretamente as práticas pedagógicas e o discurso da escola a partir dos anos 1980/1990 centralizando as ações governamentais e os discursos na prevenção e na busca da compreensão dos significados da epidemia que acabou sendo chamada de “mal do século”28. Na escola deu-se intenso investimento para o desenvolvimento e aplicação das campanhas de prevenção e conscientização. A esse respeito João Bosco Góis (2003) informa que “as escolas foram alvo de projetos específicos [...] Material educacional foi elaborado visando à ruptura de preconceitos e falsas concepções sobre os mecanismos de transmissão, principalmente a não-transmissibilidade do HIV pelo contato social” (p.36). É sabido que, durante muito tempo, muitas informações equivocadas a respeito da origem, e sobretudo, da disseminação do vírus e suas formas de contágio foram publicizadas, o que provocou e/ou agravou a discriminação e o preconceito em relação aos chamados “grupos de risco” (GÓIS, 2003). Nas escolas, foi possível ver uma explosão de trabalhos sobre o tema, discussões e projetos, discutidos principalmente pelas disciplinas de ciências e biologia. O tema passou a ocupar as páginas dos livros didáticos e a se tornar objeto de pesquisas escolares e seminários, como bem me lembro, com base em meu trabalho como docente nesta área de ensino/aprendizagem. Entretanto, o que se tornou o discurso cotidiano, o da prevenção, assumido pela escola como principal objetivo de trabalho de conscientização para seu público trazia informações com viés muitas vezes moralista, lidando com a epidemia a partir de um 28 A expressão “mal do século” surge na literatura, entre os séculos XVIII e XIX, referindo-se à melancolia ou algo que a ela se assemelhe. No século XX, passou a ser relacionada a doenças que se tornaram grandes epidemias, como no caso da Aids, como mal do século XX e a depressão como mal do século XXI. 82 discurso terrorista e punitivo, e muitas vezes excludente. Era comum que se abordasse a Aids como ameaça à vida, sobretudo das/os jovens. Nesse sentido, Vera Paiva (1996) afirma que “no discurso biomédico, a sexualidade adolescente é um evento biológico discreto, um conjunto de frequências de comportamentos, explicada pela natural explosão dos hormônios e a impulsividade normal nessa fase desenvolvimento” (p.213). Segundo a autora, “dificilmente pensa-se na gramática cultural da sexualidade adolescente” (p.213). Ainda é possível ver que antes da explosão da epidemia de Aids e do aumento de casos de gravidez na adolescência se tornar uma preocupação generalizada da sociedade e, por consequência, da escola, a sexualidade adolescente era, muitas vezes deixada de lado nos discursos, trazendo a impressão de que fosse melhor crer que era algo pouco presente nas práticas das/dos jovens nessa faixa etária. A partir do momento em que a discussão em torno da epidemia de contaminação por HIV tomava conta das escolas, a orientação/educação sexual, com frequência, se limitou a ter esse assunto em pauta. Porém, as discussões e abordagens utilizadas não chegavam a todas/os nem a todas/os se referiam. Segundo João Bosco Góis (2003), Esse movimento, que positivamente trouxe o debate sobre a necessidade de utilização de abordagens diferenciadas para os diversos grupos humanos, infelizmente não representou uma ruptura completa com as ideias sobre o processo de ensino-aprendizagem que estiveram subjacentes à estratégia campanhista de educação indiferenciada. [...] Nos anos 1990, incorporando mais sofisticadamente conceitos científicos a suas práticas e análises, a pedagogia crítica anti-AIDS defrontou-se, normalmente sem notar, com um dos seus dilemas centrais: ensinar uma etiqueta tão rígida implica sempre premiar os bons alunos e punir, de uma forma ou de outra, os que a ela não conseguem aderir. No centro estava a certeza, mais uma vez, de que a pedagogia em si permanecia correta e que as falhas preventivas situavam-se nos indivíduos (p.39). Retomando a fala docente, somos provocadas/os a pensar que o conhecimento debatido nas salas de aula sobre sexualidade, pode ainda, por vezes, ser sinônimo desse modelo de prevenção ou de algo que a ele se assemelhe, já que é comum ainda hoje, quando se fala em prevenção a DST na escola, o discurso ser encabeçado pelo assunto Aids, seguida por outras doenças sexualmente transmissíveis. Em seguida, pela reprodução heterossexual, dando ênfase às diferenças anatômicas e funcionais em cada corpo generificado. Soma-se a isso a crença, assumida por muitas/os de que a veiculação e discussão de informação sobre o sexo e as informações técnicas sobre reprodução sexual é vista como a causa de aumento das 83 atividades sexuais, fazendo com que seja contestada por pais e representantes da comunidade escolar. Lembro aqui que o sexo, nas sociedades cristãs, tornou-se algo a ser vigiado e transformado em discurso, onde podia-se falar de sexualidade, mas como o objetivo de proibi- la. As proibições, desde há muito tempo, fazem parte de uma economia complexa. Foucault (2011), em seus estudos, quando se propôs a fazer a história política de uma produção de "verdades", dizia que essa produção de "discursos verdadeiros" resulta na formação de poderes específicos. Assim, sustenta que as "verdades" produzidas em relação a sexualidade tornou-se um problema no Ocidente, uma vez que levaram à repressão sexual. Foucault (2011) relata que, trata-se de “fabricar outras formas de prazer, de relações, de coexistências, de laços de amores” (p.263). Podemos dizer que essa teoria da sexualidade pressupõe uma teoria da representação. Para dizer de forma simples, as/os estudantes são construídos em meio a esses discursos autorizados pelas escolas e reconhecidos como “corretos”. Segundo esse entendimento, quanto mais souberem, mais praticarão. Aqui o temor se configura na forma da gravidez precoce, ou não planejada, na possibilidade de experimentações no campo da sexualidade, do contato com o próprio corpo e com o corpo do outro e os riscos que esses contatos podem significar. Este medo do contágio sustenta os insistentes debates sobre se a escola deve fornecer camisinhas às/os estudantes ou não e, obviamente, sobre se as representações e práticas das sexualidades gays, lésbicas e outras, devem ser discutidas em sala de aula. “Questões de desejo não fazem parte dessa teoria mimética, uma vez que as crianças são construídas como se precisassem ser protegidas da educação sexual” (BRITZMAN, 1996, p. 79). Para Débora Britzman (1996) As garotas não tem oportunidades de compreender e explorar os significados de seus corpos, os adolescentes gays e as adolescentes lésbicas não são reconhecidas e não tem, portanto, quaisquer oportunidades de explorar suas identidades e desejos ou até mesmo de buscar apoio institucional para intervir no processo de violência contra eles/elas. O que ocorre aqui é que estão sendo construídas identidades vulneráveis à vitimização sexual e está sendo produzido um discurso de proteção, no qual a ignorância circula como conhecimento. Os efeitos desse discurso, entretanto, não são vividos de forma uniforme (p.79). Ainda trabalhando com as respostas ligadas ao conteúdo/disciplina, apareceram docentes que afirmam abordar e discutir “a mulher na História. Algumas líderes femininas 84 que surgem na História. Aproveita-se essa temática para abrir alguns debates de gênero e sexualidade”; e “Preconceito, discriminação, lei rosa29, literatura”; e ainda “Homossexualidades, a construção social do homem e da mulher, violência contra a mulher”. É interessante perceber que as relações de gênero e sexualidades são ligadas à disciplina de História e das Ciências Sociais e Humanas, com uma abordagem social e histórica que demonstra a complexidade dessas discussões. Para a historiadora Margareth Rago (1998) O erótico permeia nosso cotidiano, das piadas aos jogos de sedução, das roupas aos comportamentos, nos escritórios, nas escolas ou nos bares. [...] Vivemos numa cultura e sociedade extremamente sexualizadas, em todos os sentidos, inclusive no da violência e a imagem da “sexualidade-tropical-do- sul-do-Equador” não deixa de ser muito estimulada pela indústria do turismo (p. 178) Mais do que isso, a autora nos fala da necessidade de destacar “a importância que o discurso da sexualidade assume na leitura que fazemos de nossas origens históricas” (p.179). As falas docentes, destacadas anteriormente, reforçam o lugar das discussões de gênero e sexualidade para além do biológico e das disciplinas ligadas a essa ciência, acentuando a relevância de se levar em conta o contexto histórico do qual somos parte. Tais respostas nos chamam para pensar a atuação de docentes, presentes nas escolas pesquisadas, que estão preocupados em abordar e problematizar o papel social da mulher contemporânea, os caminhos trilhados até aqui e o papel da escola nesse processo. É fundamental que tenhamos professoras/es comprometidas/os com estes temas, trazendo para o debate nas salas de aula, levando alunas e alunos a buscar compreender o desenvolvimento das relações sociais ao longo do tempo, que culminaram nas condições que são vistas e praticadas atualmente. Essas situações que, com frequência, colocam a mulher em posição de vulnerabilidade, desigualdade e violência, precisam ser compreendidas e a escola é chamada a desempenhar o papel de promover as discussões e as problematizações necessárias e urgentes. 29 Lei instituída no Município de Juiz de Fora, segundo a qual será punida, nos termos do art.1º, incisos II e III, art.3º, inciso IV e art.5º, incisos X e XLI, da Constituição Federal e do art.114 da Lei Orgânica Municipal, toda e qualquer manifestação atentatória ou discriminatória praticada contra qualquer cidadão homossexual (masculino ou feminino) bisssexual ou transgênero”. Essa determinação, contida na Lei 9.791, de 12 de maio de 2000, é mais conhecida como Lei Rosa (2000). 85 3.1.3 Quando o “não” é a resposta ou discutem quando vem do outro Ao serem perguntadas se trabalham questões de gênero e sexualidades em sala de aula, algumas respostas se situam na expressão do “não”: “quando me perguntam”, ou “raramente”. Ou ainda “não vejo como um assunto que eu devo abordar”. Outra resposta nos diz do interesse das alunas e alunos como condição de discutir o assunto: “quando o assunto chega nas minhas aulas”. Neste sentido Meyer e Soares (2005) nos ajudam a pensar sobre as “perguntas que desencadeiam buscas que engendram várias possibilidades de respostas e outras tantas perguntas, num processo que nunca está finalizado ou completo” (p.30), dizendo da necessidade de sempre buscar nas/nos alunas/alunos suas incerteza e inquietações, curiosidades e dúvidas. As falas que recebemos como respostas ao questionário sugerem que alunas e alunos trazem para a sala de aula suas perguntas, dúvidas e preconceitos, a respeito de sexualidades e relações de gênero, e que a escola é, muitas vezes, o espaço onde encontram a oportunidade para essa conversa: “Para muitos alunos talvez seja o único espaço que permita essa discussão com clareza e respeito” e “percebe-se que desde as séries iniciais as crianças já trazem consigo algum tipo de preconceito que é manifestado através de agressões verbais, apelidos e piadas”. Tais falas chegam nas mais variadas disciplinas, para docentes do sexo masculino ou feminino, independente de inciativa de discussão por parte destes/destas, ou da escola. Estas inquietações das/dos alunas/alunos estão presentes no cotidiano escolar, aparecendo nos discursos e nas performances, como possibilidades de temas a discutir. As autoras Ana Cristina Lima e Vera Helena Ferraz de Siqueira (2013) nos dizem da importância de se conceber a “articulação do conteúdo sobre gênero e sexualidade com questões que dizem respeito à vida das/os estudantes” e de como essa articulação pode contribuir para incrementar “o processo de ensino aprendizagem em termos de motivação e a consequente assimilação do conteúdo, além de contribuir para o desenvolvimento da autonomia das/os jovens nessa esfera da vida” (p.152). Isso nos incentiva, enquanto docentes/educadores/as, a pensar formas de abordagem possíveis, rejeitando a negação do tema, como algo que não caberia à escola. É comum ouvirmos em conversas informais, no cotidiano, que a discussão das sexualidades deve ser feita pela família, por exemplo. Entretanto, trata-se de uma questão que traz muitos vieses e possibilidades de problematização a serem considerados nessas conversas, o que torna a escola um espaço rico e apropriado para a condução desse trabalho. 86 A escola como conhecemos, por vezes, traz para seus discentes um conteúdo pronto, fechado, decidido, onde não cabem novas propostas que poderiam vir das/dos alunas/alunas e que as/os inspirasse mais para a prática da aprendizagem, conectando os conteúdos mais tradicionais a seus temas de maior interesse, ou ainda mesclando as discussões e assuntos. Se partimos da premissa de que gênero e sexualidade são construções sociais constituídas historicamente a partir de discursos e práticas que vêm para normatizar e regular tudo o que pode ou não pode ser dito, e que estão vinculadas à redes de poder (FOUCAULT, 1984), podemos pensar na possibilidade de encontrarmos, nas falas das/dos docentes, alguma nova proposta ou experiência que não esteja ainda sendo praticada, que represente formas importantes de resistência às normas, e que pode contribuir para a problematização do cotidiano escolar, possibilitando o levantamento das discussões pelos docentes e não apenas quando o assunto aparece, ou é provocado por algum acontecimento. A discussão em torno das sexualidades e relações de gênero tem na interdisciplinaridade30 e na sua importância como fator democrático de disseminação das discussões na escola uma importante ferramenta. Ela sugere que possuímos, dispomos e muitas vezes também podem nos ser impostas, diferentes narrativas - do sujeito, dos espaços, das identidades e da educação -, que podem ser contraditórias e divergentes, e cada uma nos convoca a ver, e viver, o mundo de várias formas. É possível discutir as múltiplas formas nas quais configuram-se dissonâncias, novidades e heterogeneidades que se articulam para produzir significados, podendo se combinar com mecanismos variados de exclusão e inclusão. 3.2 O lugar da escola nas discussões de gênero e sexualidades 3.2.1 O seu papel como formadora O lugar da escola nas discussões de gênero e sexualidades é um aspecto importante para a pesquisa. Além disso, esse lugar sempre foi priorizado nessas discussões, principalmente quando trabalham com a perspectiva pós-estruturalista que entende os sujeitos 30 Segundo Hilton Japiassú (1976), “ainda está por ser construída uma teoria do interdisciplinar”, e “a interdisciplinaridade não é apenas um conceito teórico. Cada vez mais parece impor-se como uma prática”. Segundo esse autor, a interdisciplinaridade é constituída, primeiramente, de uma postura individual e que, como tal, “não pode ser aprendida, apenas exercida”. Desse modo, a prática da interdisciplinaridade deve partir de uma atitude individual de cada docente, e pelo desejo de superar as fórmulas já desgastadas, buscando novas possibilidade de ação e novos caminhos. Essa prática, caracteriza-se como coletiva, em que cada professora/professor, de cada conteúdo programático, estejam se abertos ao diálogo, e dispostos à troca de conhecimentos, buscando contribuir na construção dos saberes (JAPIASSU, 1976, p. 81-82). 87 como resultado de construção discursiva, que implica colocar sob investigação as relações de poder que a organizam nos diferentes espaços em que circulam. Hoje, essa discussão está mais acirrada, com a participação de outras instituições como família, igreja, escola, em interações que trazem posições diversas e, às vezes, não facilmente articuláveis. Na escola é possível fazer das discussões em torno das questões de gênero e sexualidades um instrumento de combate ao preconceito, discriminações e violência, trazendo a abordagem da construção das subjetividades na relação com conhecimento e poder, para o bem estar de toda a sociedade, que vive e atua fora de seus muros. Nos questionários, apareceram afirmações que estabelecem essa articulação da escola e seu papel de formadora: “é o espaço ideal, pois nela o cidadão vai se formando como tal. Na adolescência esse assunto ganha fôlego”. Ao escrever que é papel da escola “formar cidadãos”, a/o docente diz do papel desta para além da transmissão de conteúdos científicos, com a função de abarcar discussões que envolvam a vida social, pessoal e familiar da/o aluna/o, já que todos esses campos interagem e se combinam na formação do sujeito. Pensando a escola como espaço de ação de instituições e de docentes, Anderson Ferrari e Roney Polato de Castro (2013) nos convidam a “pensar de outra forma, outras possibilidades de escola, de ação docente, de constituir-se professor/a,” (p.79). Expandindo a ideia de formação docente para sujeito, envolvemos também o/a aluno/aluna que nos leva a problematizar esse lugar da escola formadora, do espaço de formação de sujeitos e do que se espera dele, de quais expectativas essa escola é chamada a dar conta. Trazendo para nossa conversa a formação de professoras/es e a importância da discussão desse processo na construção de nossas temáticas de pesquisa, Ferrari e Castro (2013), trazem a contribuição da problematização entre gênero, sexualidade e formação, dizendo dos valores e concepções que formam os currículos que constituem a base da formação docente, como os vemos no cotidiano. Para nós, essas questões são importantes para formação inicial, uma vez que consideramos que escola é algo mais do que conteúdos conceituais. Questões que dizem da construção de subjetividades como educativas e que os currículos também estão implicados. Portanto, questões que nos colocam diante de uma discussão sobre currículo. No entanto, parece-nos que os currículos universitários conservam uma tendência a privilegiar determinados saberes, mais “legítimos”, mais “científicos”, que seriam a base de sustentação para pensar as práticas pedagógicas das escolas (p. 75). Investir na formação docente, trazendo as problematizações constantes das relações de gênero e sexualidades é fundamental para nós, que acreditamos que uma educação para a 88 igualdade precisa partir de relações respeitosas e democráticas entre todas e todos que atuam na escola, nas universidades e demais espaços de formação. Para isso, é importante partir da inciativa de reconhecer no outro um agente das práticas de pedagogias transformadoras, e também o sujeito delas. Alfredo Veiga Neto (2006) nos ajuda a pensar esse investimento quando afirma que “a educação escolar pode funcionar como uma arena para as lutas permanentes de invenção e imposição de sentidos, seja pela manutenção, seja pela mudança dos regimes de verdade e das ordens discursivas que os alojam (p. 88). Sobre os regimes de verdade a autora Judith Revel (2005) diz, inspirando-se em Foucault, que se trata dos tipos de “discursos que cada sociedade acolhe e faz funcionar como verdadeiros; os mecanismos que permitem distinguir os enunciados verdadeiros ou falsos, a maneira como uns e outros são sancionados” (p.86). Alfredo Veiga Neto (2006), trazendo possíveis maneiras de transformar os processos que compõem a escola e seus sujeitos, nos diz que Se é por processos educacionais que dizemos as verdades e as espalhamos e perpetuamos por aí afora, então a educação é mais ativa e perigosa do que seria caso não passasse de um processo de repetição, reprodução e até mesmo de desvelamento da verdade. Se por um lado não há o que desvelar – pois nada está escondido -, por outro lado tudo está ai para ser problematizado, (hiper)criticado, colocado sob suspeita e modificado [...] Assim, já se vê que o pensamento de Foucault se constitui numa arma que, ressignificando a Educação, nos empodera, seja para analisarmos nossas condições, seja para agirmos no sentido de mudar o rumo das coisas (VEIGA-NETO, 2006, p. 88). As falas das/os professoras/es sugerem um investimento nos sujeitos, como de uma relação que envolve uma escolha sobre o que cabe calar e o deve ser discutido. Para Foucault (1984) essa escolha diz das relações de poder que atravessam as sexualidades, de maneira que o silêncio também pode ser entendido como discurso. Sobre isso, Larissa Pelúcio (2014,) pergunta “sobre o que calamos? O que não é digno de se estudar” (p.112)? Penso sobre o que este artifício de calar sobre algo nos ensina a respeito das relações de poder, política e formas de controle. Para essa autora, Quando fazemos estas perguntas, acabamos por perceber que invisibilizamos o que não nos parece importante. Talvez por isso, algumas experiências de nosso cotidiano escolar sejam silenciadas ou apenas sussurradas. Entre elas estão aquelas em que os gêneros nos desafiam (p.112). 89 Convidando para dialogar conosco outras/os docentes que também se manifestam a esse respeito, encontro falas como “para muitos alunos talvez seja o único espaço que permita essa discussão com clareza e respeito”, e “afinal é um lugar de formação em que podemos a partir do contato com a Ciência, desmistificar conceitos que reproduzem o preconceito e a violência”, falas que dizem da relevância da construção e prática dessa discussão na escola. Elizabeth Ellsworth (2001) quando relaciona educação e subjetividades nos “modos de endereçamento”, desloca essa teoria do cinema para utilizar na educação de forma a relacionar o envolvimento do aluno/a com os temas que são postos em discussão; ela/ele aprende/apreende quando se sente parte do universo da discussão. Para que um conteúdo/assunto chegue à/ao aluna/o e passe a constituí-lo, ele precisa se identificar com esse assunto, sentir-se parte dele, de modo que o assumem para si e o vivencie, e a escola precisa trazer para ela/ele essa possibilidade. Para a autora, em primeiro lugar O espaço da diferença entre o endereçamento e a resposta é um espaço social, formado e informado por conjunturas históricas de poder e de diferença social e cultural. Em segundo lugar, o espaço da diferença entre endereçamento e resposta é um espaço que carrega os traços e as imprevisíveis atividades do inconsciente, tornando-o, assim, capaz de escapar à vigilância e ao controle tanto por parte dos professores quanto por parte dos estudantes. Em terceiro lugar, o espaço da diferença entre endereçamento e resposta está à disposição dos professores como um recurso poderoso e surpreendente. Entretanto, e de forma paradoxal, os professores não podem controlar o modo de endereçamento – nem mesmo por meio de práticas pedagógicas como, por exemplo, as práticas chamadas de “dialogais”, cuja intenção seja regulá-lo. (p.43-44) Ao dizer da escola como o “único lugar” para as discussões de gênero e sexualidades, através desta/deste docente podemos enxergar a existência de uma possível mudez na família e na sociedade a respeito de tais questões, ou ainda de discursos que não contemplem as dúvidas e anseios das/dos jovens que povoam os espaços escolares. Para Ellsworth (2001), que no artigo citado aqui, discute o modo de endereçamento no cinema, “o espectador ou a espectadora nunca é, apenas ou totalmente, quem o filme pensa que ele ou ela é” (p.20), e trazendo essa fala e seus possíveis significados para a escola, podemos inferir que dessa forma, a/o aluno/a também não é o que a escola pensa que ele é? Ou pode não ser? Ou não completamente? Assim, da mesma forma, a escola, a/o professora/or, o assunto a ser discutido também não é, nunca, exatamente, aquilo que a/o aluna/o espera que seja. “Esses dois modos de endereçamento não funcionam necessariamente de forma conjunta e compatível” (ELLSWORTH, 2001, p.23). A escola é composta por relações e acontecimentos que se 90 formam e se transformam o tempo todo, numa existência dinâmica, onde professores/as e alunas/os estão em constante mudança, tensão e resistência, a partir de assuntos, conteúdos, experiências e saberes, presentes neste espaço e tempo. Interessa-nos conceber uma possibilidade de escola, onde as discussões e problematizações extrapolem o esperado, o previsto, o senso comum. Ao apresentarmos a alunas e alunos novas metodologias, espaços de conversa, recursos midiáticos, temas que falem de suas subjetividades e alternativas para viver e agir no mundo, expectativas de transformação se tornam mais claras e possíveis. Quando se trata de abordar, durante as aulas, e em outros momentos na escola, as relações de gênero e sexualidades, o que as/os alunas/os esperam, desejam, necessitam, para se sentirem parte da discussão, para estarem inseridos nela? Extrapolar o conteúdo tradicional, avançar para além do livro didático e das aulas padronizadas, às vezes conservadoras, é fundamental para a participação de todos nessa construção e prática pedagógica. Recorrendo novamente à obra de Foucault (2011), em que ele argumenta em defesa de uma explosão discursiva a respeito do sexo, ocorrida a partir do século XIX, o que temos? Podemos pensar na presença cotidiana de discursos diversos, reflexos de conteúdos programáticos de currículos, que muitas vezes não dialoga ou apresenta manifestações sociais e culturais que colocam gênero e sexualidades em discussão. Seja na forma de música, arte, programas de TV, internet, direta ou indiretamente, a sociedade, representada por docentes, discentes e comunidade, se fazem presentes estabelecendo dúvidas e inquietações que chegam ao universo da escola. Podemos considerar que temos na escola o lugar que traz possibilidade do questionamento, da exposição das dúvidas que os demais recursos e veículos não clareiam, o lugar da conversa, buscando, muitas vezes, o aval da ciência e a credibilidade da professora/do professor, o lugar do “saber competente” da ciência e da biologia, da história, da sociologia e da filosofia. Ao mesmo tempo em que se espera da escola a abordagem a respeito de tais temas e a relação destes com a adolescência e seus corpos, também se instaura sobre ela mecanismos de vigilância e controle dos discursos praticados, controle esse exercido por instâncias diversas como a família, a sociedade, as religiões, e às vezes também, pelos grupos que atuam na escola e professam diferentes crenças e opiniões sobre o assunto. Entrevendo as tantas relações possíveis de se estabelecer na escola e em seus múltiplos espaços de diálogo, e o que é possível a partir de suas estruturas e organizações, Ferrari & Castro, (2015) afirmam que 91 As instituições escolares organizam-se a partir dos mecanismos disciplinares, visando à produção de corpos dóceis e sujeitos submetidos às regras e normas instituídas, ou seja, a uma ordem escolar. (...) É o corpo o lugar de produção dos sujeitos, o lugar de construção. É sob esse corpo que se dá a ação desses mecanismos disciplinares (p.60). A disciplina, tão discutida por Foucault (2009), vem sendo aplicada aos corpos e habilidades dos sujeitos ao longo das organizações sociais na história da humanidade, e sofrendo mudanças de acordo com o tempo e a cultura, porém, sempre tendo na escola uma de suas sedes, na qual o disciplinamento dos corpos é parte dos processos nos quais se estabelecem e se mantêm as relações de poder e saber existentes. A esse respeito, Eugênia Vilella (2006) traz que Em si mesmos, os corpos não são uma matéria inerte sobre a qual o poder se inscreve. Eles são produto de relações de poder. Essa articulação entre o poder produtivo e a sua atividade (ligada ao corpo, à consciência e à subjectividade) fundamenta-se numa concepção de poder onde este não se apresenta como uma entidade face á qual se pode incondicionalmente resistir [...] A um tempo só, a resistência funda as relações de poder sendo, também, o resultado dessas mesmas relações (p.117). A resistência é um caminho possível dentro das práticas normatizadas e normatizantes adotadas em currículos e propostas pedagógicas de muitas escolas. Encontramos, entre as respostas recebidas, sinais de busca de recursos e argumentos diversificados para a abordagem de sexualidades e gêneros. Uma das respostas sinaliza com sugestões de alguns recursos didáticos que podem ser utilizados para que se provoque a discussão: “Uso minhas aulas para abordar esse tema através de pesquisas e atividades diversas”. Embora ela/ele não dê detalhes a respeito de quais pesquisas e atividades propõe, sua fala deixa à mostra que existem profissionais na educação municipal, nas escolas pesquisadas, que estão buscando ampliar os recursos que proporcionem diferentes formas de contato com a discussão sobre sexualidades e gênero. E ainda sobre isso, Eugênia Vilella (2006) afirma que “não só a resistência pode fundar novas relações de poder, como novas relações de poder podem, inversamente, dar origem a novas formas de resistências” (p. 119), e, a partir disso podemos considerar o tensionamento das relações entre o falar e o silenciar sobre sexualidade e gênero como esse campo de disputa de discussão. De que forma professoras e professores estão atuando para trazer essas falas e incluí-las em suas ações pedagógicas, fazendo-as chegar além dos muros da escola? Ao nos dizer da importância de se falar sobre esses assuntos “devido a 92 diversidade de pessoas ou melhor de toda a comunidade escolar”, a/o autora/autor da fala nos dá margem a pensar que, entre docentes das escolas públicas, a diversidade cultural e as subjetividades estão sendo notadas e problematizadas, no momento de realizar suas aulas. Também nos faz ver, através desta fala, a noção a respeito da ação da comunidade na produção de saberes e formas de atuação desta escola. Podemos imaginar que escola e comunidade existem e agem em conjunto, e que os temas que são discutidos e/ou valorizados em uma se refletem e se reproduzem na outra, causando ecos e reações. 3.2.2 Não se sentem preparadas(as) Podemos considerar que a escola é um espaço onde a sociabilidade se constrói e pode ser transformada, e, talvez por isso, o debate de gênero e sexualidades está circulando entre seus sujeitos, sejam alunas/os, professoras/es, membros da comunidade do entorno, sejam na prática, nos discursos, nas ações, nos desejos, e nas infinitas formas de ser e de estar neste espaço. Estamos levando em conta que fazem parte da vida social da comunidade à qual está inserida, atuando de forma que busca ser aberta e democrática, tendo papel fundamental na sua construção cultural. No entanto, é recorrente entre professoras/es, a ideia de falta de preparo: “o papel da escola enquanto formadora de opinião, deveria ser o de promover o respeito as diferenças. Porém, falta capacitação dos professores em relação as discussões sobre o tema” e “acho que pode ser, mas ainda estamos sem condições de fazer essa discussão”. Nesse contexto de escola formadora de opinião e de sujeitos críticos, é notada, com frequência, a insegurança de docentes que não se sentem preparados para conduzir as discussões acerca dos temas propostos. Nesse sentido, Castro e Ferrari (2013) colaboram, dizendo das possibilidades de formação de professoras(es), partindo de “práticas de formação que buscando a reflexão se aproxima das relações entre a arte e as formas de vida, entre percepção e saber, experiência e estética” (p.82), que, atuando na “formação de sujeitos e de docentes” trazem, como propostas, “uma série de dispositivos tais como a colocação das experiências sob suspeita, de forma que está em jogo práticas de pensar sobre as maneiras de se fazer e pensar sobre elas” (p.82). Outras respostas se somam a essas e coadunam com essa posição, tais como “eu fico sem rumo, sem saber trabalhar com esta situação” e “os professores não sabem lidar com isso”. Busco, em diálogo com Castro e Ferrari (2013), o que os autores dizem a esse respeito: 93 O investimento não é somente na formação do docente, mas no sujeito, num processo de subjetivação. Pensando que o sujeito é um híbrido de identidades, não podemos separar o professor de outras práticas e instâncias em que circula e que dialoga com o “ser professor”. Os processos de subjetivação ocorrem em função de um entrecruzamento dessas diferentes práticas e instâncias. (FOUCAULT, 2002). A formação docente acaba trabalhando aquilo que Foucault chama atenção quando discute os processos de subjetivação, ou seja, que ele é constituído por dois outros processos que são interligados: objetivação e subjetivação (p.79). Dialogando com Kelly da Silva (2015), ela nos auxilia, ao afirmar que “quando tratamos o conhecimento da escola como uma organização complexa, que tem a função de promover a educação para e na cidadania, precisamos assinalar que essa instituição tem, também, o dever de respeitar a todos, sem distinção” (p.81). A formação de professoras/es, de uma maneira geral, não engloba as discussões de gênero e sexualidades durante a graduação em muitos cursos. Considerando que as discussões que se referem a gênero e sexualidades são recentes, podemos sugerir que muitas/os delas/deles não tiveram contato com o assunto durante suas formações acadêmicas. A esse respeito, podemos fazer a discussão acerca da construção dos currículos na escola e partir da premissa que “pensar as questões de gênero e sexualidade no currículo permite a problematização por parte das/os docentes universitários, das questões relativas a gênero e sexualidade em suas conexões com o currículo e com as técnicas de saber-poder” e que, cada vez mais, “é necessário trabalhar com uma discussão mais aprofundada de gênero e sexualidade como organizadores da nossa sociedade” (SILVA, 2015, p. 138). Ao trazermos a discussão para os moldes de formação docente praticados, nas últimas décadas até os dias atuais, nos deparamos com duas realidades nas quais há caminhos nem sempre claros e/ou disponíveis para todas/os. Para quem está chegando à formação docente, temos, em algumas instituições, como a Universidade Federal de Juiz de Fora, a oferta de disciplinas onde é possível realizar essa discussão, porém, ainda são ofertadas como eletivas/optativas e muitas/os das/dos alunas/os que estão em processo de graduação irão concluir suas formações sem cursar nenhuma delas. Além disso, não há essa oferta em todas as universidades, sendo que, enquanto não houverem como disciplinas obrigatórias ao currículo de formação de professoras/es de forma geral, ainda muitas/muitos concluirão sua graduação e chegarão às salas de aula sem ter feito essa discussão. Como segunda possibilidade é possível pensar em ofertas de formação continuada, em cursos especiais oferecidos pelas próprias secretarias de educação, que ainda são raros abordando essa 94 temática e poucas vezes disponíveis para todo o corpo docente. Segundo Kelly da Silva (2015) A instituição universitária como local qualificado de produção e difusão de conhecimento constitui-se como um espaço privilegiado para alguns enquanto determina/reforça a diferença e a submissão de outros [...] É importante olhar para dentro das instituições e conhecer que histórias elas estão construindo, quais são os sentidos de inclusão e exclusão produzidos nestes espaços (p.142). A necessidade da adoção de propostas de formação para essa abordagem inclui temáticas de cunho social mais abrangentes, que podem ter como resultado, modelos de formação que atuem de maneira a pensar e trazer para a discussão, as formas de violência física e simbólica contra mulheres e membros da comunidade LGBTQI, a criação de oportunidades de acesso à escola e ao mercado de trabalho para essas pessoas, a discussão das diferenças de classe e raça, ainda presentes em nossa sociedade, pois a interseccionalidade das discussões é de grande relevância para a escola nos dias atuais. Castro (2014), vê na formação de professoras/es um desafio, o de “pensar no processo não planejado, não traçado, aberto ao inesperado, sem saber onde se vai chegar ou mesmo se vai chegar a algum lugar” (p.57), referindo-se à formação docente e suas possibilidades. Segundo afirmação de Ferrari & Castro (2015) A instituição escolar produz sujeitos nas relações entre saber e poder. Sujeitos bem sucedidos ou fracassados, normais ou anormais, disciplinados ou indisciplinados, ordeiros ou desordeiros, entre tantas outras dicotomias que funcionam como mecanismos de classificação e hierarquização. Tais mecanismos não se limitam aos muros escolares, já que produzir sujeitos e discursos é algo se estende para todas as relações sociais (p.62). Débora Britzman, colabora nessa discussão trazendo questionamentos importantes: O que se sabe sobre as relações entre escolarização, currículo, cultura popular e representações particulares de heterossexualidade e homossexualidade? Como se procura compreender essas representações fora e dentro da escola? O que pode significar para os/as educadores/as explorar a dinâmica da subordinação sexual e do prazer sexual de forma a exigir o envolvimento de todo mundo? O que as teorias da sexualidade tem a ver com as teorias da representação? Finalmente, o que os campos dos estudos Gays e dos estudos Lésbicos tem a oferecer à educação dos/as educadores/as? (BRITZMAN, 1996, p. 74). De acordo com as/os autoras/es que trouxemos para a discussão até aqui, e somando a essa conversa as falas docentes adquiridas através dos questionários aplicados nas escolas 95 pesquisadas para este trabalho, podemos perceber que temos condições variadas, que sugerem realidades plurais e diversas ações pedagógicas nas diferentes escolas. Há tentativas de abordagem, busca de conhecimento acerca dos temas relacionados a sexualidades e gênero, experimentações de recursos didáticos, convite à reflexões, e tudo isso nos sugere opções de respostas para as questões colocadas por Britzman(1996). De acordo com esta autora, as abordagens dadas a estes temas são analisados como parte de categorias e “um efeito desse trabalho de manutenção de categorias é que as necessárias inter-relações entre heterossexualidade e homossexualidade continuam”, e segundo ela “precisamos reconhecer que a informação sobre a heterossexualidade é também uma representação” (p.88) o que nos leva a sugerir que as homossexualidades precisam ocupar a escola, para que se alcance uma condição igualitária entre todas/os, o mesmo lugar que ainda é reservado à heterossexualidade, ou seja, retirá-la do lugar da anormalidade, do estranhamento, do outro, para torná-la parte do todo. Ao dizer que “a escola deve se preparar mais para essa discussão mas não é fácil”, a/o docente nos leva a olhar para a escola como espaço de formação e sociabilidade, e como estão se instaurando e desenvolvendo suas relações com as/os docentes que a compõe, quando se dão os momentos de discussão e avaliação dos conteúdos e temas a serem ali abordados. Ao dizer da escola como aquela que deve se preparar para a discussão, é necessário pensar os sujeitos que compõem essa escola, e que são, dessa forma chamados/convidados a construir/buscar essa preparação. Essa afirmação docente é significativa ao dizer da necessidade de formação/informação a respeito dos temas aqui discutidos, mas também chama a atenção para dificuldades na realização desse processo. Alfredo Veiga Neto (2006) afirma que “a educação escolar pode funcionar como uma arena para as lutas permanentes de invenção e imposição de sentidos, seja pela manutenção, seja pela mudança dos regimes de verdade e das ordens discursivas que os alojam” (p. 88), e dessa forma os sujeitos da escola devem ter, entre seus propósitos, a busca por condições para que a realidade da qual fazem parte seja discutida e ampliada, assumindo um compromisso como um lugar onde se compartilha e constrói saberes. A instituição escolar parte, em geral, de conteúdos clássicos e obrigatórios, mas trazemos aqui o convite para que se leve em conta a necessidade e importância de manutenção de tempo e espaço para a introdução de discussões políticas, sociais, humanistas, muitas vezes surgidas a partir de demandas das/dos próprios discentes. Quando uma/um professora/professor, recebe, de uma/um aluna/o uma pergunta ou mesmo uma afirmação de cunho sexual ou relacionado às questões de gênero, como essa/esse docente se prepara para 96 responder à pergunta, ou desenvolver a discussão em torno do tema colocado? Segundo Britzman (1996) Os/as professores/as devem procurar saber mais sobre as sexualidades Gays e Lésbicas, não se limitando a denunciar velhos e maus estereótipos ou a contar as patéticas estórias de vitimização que, atualmente, determinam como as diferenças sexuais são vividas nas escolas. Os/as educadores/as devem fazer mais do que apenas vincular os corpos gays e lésbicos aos problemas da homofobia. O que é preciso para que os/as professores/as trabalhem com os constructos e as ordens conceituais das sexualidades de uma forma que seja eticamente comprometida com a justiça social e que recrie a pedagogia como um problema de identificação e de prazeres proliferantes, uma pedagogia que não esteja presa à dinâmica da dominação e da subordinação? (p.75) A formação docente ainda hoje deixa lacunas importantes no que diz respeito à formação para as sexualidades (CASTRO&FERRARI, 2013. SILVA, 2015) e, além disso, de acordo com o que nos diz a perspectiva pós-estruturalista e os estudos foucaultianos, não nos é apropriado almejar uma resposta definitiva, pois cada situação traz em si, suas próprias problematizações, que cada vez que nos chega na forma de dúvida, indagação, afirmação ou questionamento, é peculiar. Castro e Ferrari (3013) trazem “uma visão plural sobre a produção das relações e identidades de gênero e sexuais”, e essa pluralidade, citada pelos autores demonstra uma “contingência histórica e social e sua interlocução com a constituição de relações de poder que sustentam práticas de classificação, subordinação e marginalização” (p. 75). Para estes autores “as dimensões de gênero e sexualidades são constitutivas dos sujeitos, orientam sua visão de mundo e suas experiências de vida” (p.75). De acordo com outra resposta, “Na escola que leciono não podemos discutir com o coletivo. Somente nas minhas aulas”, podemos direcionar o olhar para essa colocação e procurar perceber que as discussões sobre gênero e sexualidades são feitas de forma individual, não estando inseridas em projetos ou planejamento coletivo. Nesse caso, é possível sugerir que a discussão conjunta, da qual fizesse parte toda a escola, tornaria o trabalho mais amplo, levando também novas possibilidades de entendimentos às/aos docentes, auxiliando-os na preparação da qual muitos sentem falta, de acordo com suas próprias falas. 3.2.3 É necessário trabalhar A escola como o lugar da discussão, da problematização, o lugar onde se aguça o olhar para o outro, para o diferente, é uma construção permanente e necessária. Isto é parte do que nos falam as/os docentes ao dizerem da escola como esse local onde a prática do diálogo 97 sobre as questões de gênero e sexualidades possa e deva acontecer. Ao trazerem declarações dizendo do uso do espaço escolar para essas problematizações e o que isso significa, recebi falas que trazem que a escola “é um espaço social que precisa ser legitimado e utilizado como tal. Os discursos atravessam os muros da escola, assim, é importante”, e “a escola resume uma diversidade imensa de alunos sendo portanto necessário abordar questões relacionadas a gênero e sexualidades” e ainda ampliando a proposta ao dizer que “as abordagens podem e devem ser interdisciplinares”. Seguindo a partir dessas afirmações podemos sugerir que nas escolas onde se localiza a pesquisa é possível encontrar professoras/es que trazem consigo o desejo de que as questões que discutimos aqui possam ser pautas ampliadas no cotidiano escolar, buscando formas de atuação mais significantes e menos prescritoras. De acordo com Kelly da Silva (2015) É importante que os educadores, na discussão das diretrizes curriculares, nas reformulações curriculares e na organização de novos cursos de formação, estejam preparados para reconhecer, e não reproduzir, o processo de “fabricação” dos sujeitos tão comum nas práticas cotidianas, pois são as atitudes consideradas “naturais” que precisam ser questionadas e despidas. Indagar-nos qual é a nossa compreensão de Educação e de educador, por exemplo, é uma forma de buscarmos esse entendimento (p. 90). Analisando as afirmações docentes que trazem a vontade explícita de ser e ter na escola o recurso e o espaço para as discussões de gênero e sexualidades, implicando aí as questões sobre as mulheres, as/os homossexuais e todos os grupos e sujeitos que compõem essa escola, Castro e Ferrari (2013) convidam a problematizar as práticas formativas e os processos pelos quais graduandas/os constroem, desconstroem e\ou reconstroem concepções de gênero e sexualidades (p.70), em que “embora a identidade heterossexual normativa exige que se construa, ao mesmo tempo, a homossexualidade como falta, o que se deixa de pensar é que todas as sexualidades devem ser construídas” (BRITZMAN, 1996, p.91). Segundo Débora Britzman (1996), mesmo sabendo “que nossas práticas e interesses são socialmente negociados durante toda nossa vida e que a moldagem sexual não precisa estra presa a estruturas de dominação e sujeição” (p.91), ainda vemos a construção e afirmação de um e opressão e invisibilização de outro/s. Buscando suporte na perspectiva pós-estruturalista vemos que estas têm abdicado da função de prescrever, de dizer aos outros como devem ser, fazer e agir. Elas têm buscado implodir e radicalizar a crítica àquilo que já foi significado na educação, procurando fazer aparecer o que não estava ainda significado (PARAÍSO, 2004). Tendo nessa corrente a nossa principal fundamentação teórico-metodológica - os estudos pós-estruturalistas – “temos a 98 possibilidade de compreender essas relações de construção de saberes como produções culturais contingentes, de modo a questionar sua pretensa neutralidade ou seu status de verdade” (CASTRO & FERRARI, 2013 p.70) podendo assim assumir que “os sujeitos são constituídos por práticas discursivas e não-discursivas, queremos pensar a produção das subjetividades num determinado contexto cultural e histórico, mediado por relações de poder” (p.70). 3.3 Se observa situações de preconceito na escola? 3.3.1 Identificação do preconceito com a orientação / diversidade Procurando compreender de que forma(s) os sujeitos são classificados desde a sua inserção na escola, percebemos que pode se dar desde muito cedo, o que nos ajuda a olhar para essa realidade, trazida pelas respostas que recebemos e o desejo de estender o olhar para essa escola que constrói representações e significados variados, quando Débora Britzman sugere que Compreender os significados contraditórios das categorias em termos de sexualidades exige que lidemos com as representações generificadas e sexuais – as aceitas e as rejeitadas –que circulam, formal e informalmente, nas escolas. Ao mesmo tempo. Também devemos reconhecer que, nas escolas, embora talvez de uma forma escassa, representações de identidade são oferecidas e policiadas, mas as escolas não são os únicos locais de identidade. Ao pensar como os jovens gays e as jovens lésbicas se constroem a si mesmos/as, os/as educadores/as fariam bem em considerar a disponibilidade explosiva de representações da homossexualidade na cultura popular e o que essas representações podem significar em termos da luta pela juventude e pelos direitos civis (BRITZMAM, 1996, p.74). Podemos relacionar a citação da autora e algumas afirmações recebidas e discutidas ao longo do texto, olhando para a escola e para suas comunidades, para os atores e atrizes que a compõem e que trazem para seus espaços suas próprias identidades e seus significados, agindo de forma a construir conjuntamente, os sujeitos que praticam na escola os discursos que constroem e significam os sujeitos. Algumas/uns dos docentes que responderam aos questionamentos relacionaram, em suas repostas, o preconceito, em diferentes conformações, diretamente com a orientação sexual ao dizer, quando perguntadas/os se notavam situações de preconceitos na escola na qual atuam, afirmando que percebem “preconceito com relação a homossexualidade, 99 desconhecimento do corpo, tabus e mitos sobre sexo”, deixando claro a relação de atitudes preconceituosas com a homossexualidade. O que é nomeado de desconhecimento do corpo também é bastante instigante para pensarmos nas informações que chegam tão facilmente através da mídia e das conversas de grupos, mas que não são suficientes para trazer clareza, desconstruindo os tabus e mitos que ainda teimam em ser disseminados quando se trata do corpo sexualizado, do corpo que pode se reproduzir, do papel do sexo no cotidiano dos sujeitos. Ao nomear o preconceito, comum à escola, ao dizer da prática do “Bullying, muitos debocham dos colegas homossexuais”, e dizendo que, “as vezes alunos fazem piadas de mal gosto usando nomes vulgares para definir o homossexualismo” percebe-se que temos docentes que estão atentos aos usos de termos pejorativos, que são usados com intenção de classificar o outro, provocando conflitos e tensão; “as relações entre os alunos são tensas, não há respeito entre os alunos quanto a orientação sexual. Como estão na adolescência, há curiosidade, a aceitação por parte de alguns e a rejeição por parte dos outros”. Trazendo para dialogar com Michel Foucault (2011), ele afirma que somos constituídos e nos constituímos através dos saberes, poderes e ação dos outros sobre nós e de nossas próprias ações sobre nós mesmos. Tendo nesses saberes um arcabouço para a produção e prática de discursos e ações, vemos o aprendizado surgindo através dos processos de subjetivação, atravessados pelas relações de poder e experiências de prazer, que são sempre culturais (CASTRO & FERRARI,2013). A escola participa, em todas as etapas e com toda a amplitude, desse processo de construção, seja como agente transformador ou como agente de repressão e controle. 3.3.2 Como o preconceito é manifestado Uma questão importante relacionada à homofobia e ao preconceito de gênero praticado na escola é a forma sutil como ela se dissemina dentro desse espaço. Com frequência é ocultada/o em posturas tidas como normais e aceitáveis, o preconceito diante de atitudes ou pessoas que se contrapõem às normas sociais, sobretudo à heteronormatividade, aparece de forma velada e, por vezes, naturalizada por estudantes, pais e professores: “Percebe-se que desde a séries iniciais as crianças já trazem consigo algum tipo de preconceito que é manifestado através de agressões verbais, apelidos e piadas”, desvalorização da menina em relação ao menino. A menstruação ainda é vista por alguns meninos com preconceito. Vemos ainda pinceladas de comportamentos machistas a sala”. A 100 discriminação de gênero é marcante quando analisamos essa afirmação já que, em poucas palavras a/o docente, autor da resposta enfatiza que há, na escola uma desvalorização da menina em relação ao menino, assim como comportamentos machistas, que, por estarem escritos no plural, podem nos levar a entender que não se resumem a preconceitos com a fisiologia feminina apenas, mas ultrapassam essa fronteiras. Enveredando por este viés, é possível identificar que preconceito relacionado ao gênero e às homossexualidades no ambiente escolar descamba nitidamente no conceito de bullying31, quando as/os estudantes são humilhadas/os, agredidas/os fisicamente ou acusadas/os de forma injusta pelo fato de pertencerem a um determinado grupo social. Torna-se assim extremamente importante discutir e problematizar as relações de poder que se estabelecem entre os gêneros, uma vez que tais discursos podem provocar um processo de estremecimento e conflitos, tendo o papel de agente de oposição binária estabelecido como permanente, onde a ideia de homem e mulher é concebida como oposta em uma relação de dominação versus submissão. A sociedade pode responder, de forma positiva às ações da escola, tendo em vista que o preconceito, em suas mais diversas manifestações, tem contribuído para que a violência, por vezes tratada como corriqueira, se torne muitas vezes invisível no contexto da educação escolar. É importante prever e sugerir intervenções que tornem as/os gestoras/es, educadoras/es, e demais agentes envolvidos na comunidade escolar capazes de identificar, nomear e combater essas formas de violência física e simbólica, uma vez que “a escolarização produz não apenas formas de conhecimento e relações particulares de desigualdade, ao longo de divisores de raça e de gênero, mas, mais imediatamente, produz e organiza, de forma coincidente, as identidades raciais, culturais e generificadas das/os estudantes (BRITZMAN, 1996, p.72). Ao buscar problematizarmos os padrões de violência física e simbólica a que as/os alunas/os estão expostos e reproduzindo na escola, e perguntando a respeito dos caminhos percorridos pela construção dessa violência, de sua origem até dentro dos muros da escola, temos numa fala docente que no cotidiano da escola no qual atua, é possível constatar “atritos, agressões verbais o tempo todo”. Podemos pensar que a violência tem origem externa, que é trazida da família, da sociedade, da mídia, ou também é possível imaginar que, 31 Bullying é um termo da língua inglesa (bully = “valentão”) que se refere a todas as formas de atitudes agressivas, verbais ou físicas, intencionais e repetitivas, que ocorrem sem motivação evidente e são exercidas por um ou mais indivíduos, causando dor e angústia, com o objetivo de intimidar ou agredir outra pessoa sem ter a possibilidade ou capacidade de se defender, sendo realizadas dentro de uma relação desigual de forças ou poder. (http://brasilescola.uol.com.br/sociologia/bullying.htm. Acesso em 12 de novembro de 2016, às 13:00h) 101 parte dela, possa estar sendo produzida dentro da escola e não apenas reproduzida na e por ela? A violência, em seus mais variados contornos, é um fenômeno histórico na constituição da sociedade brasileira. Trata-se de um problema social que está presente nas ações dentro das escolas, e se manifesta de diversas formas entre todos os envolvidos no processo educativo. Podemos inferir que isso não deveria acontecer, pois escola é lugar de formação da ética dos sujeitos ali inseridos, sejam elas/eles alunas/os, professoras/es, funcionários e comunidade. Nas escolas, nas relações cotidianas, espera-se a tradução do respeito ao próximo, através de atitudes que levassem à amizade, harmonia e integração das pessoas, visando atingir os objetivos propostos no projeto político pedagógico de cada instituição. Porém, cada escola também é um palco de disputas de poder e saber que se instala e se mantêm durante todo o tempo. Ferrari e Castro (2015), dialogando com Foucault, afirmam que O poder é produtivo e está disperso por todo o sistema social, o que quer dizer que “não há algo como o “Poder” ou “do poder” que existiria globalmente, maciçamente ou em estado difuso, concentrado ou distribuído: só há poder exercido por “uns” sobre “outros” (FOUCAULT, 2010, p. 287 - p.63-64). 3.3.3 Outras formas de preconceito Ao nos dizerem da presença na escola, na forma de falas e atitudes de alunas e alunos, que representam “preconceitos raciais, discriminação de classe social, homofobia e bullyin” ou especificando melhor essas representações, afirmando que elas/eles demonstram preconceitos “de todos os tipos: cor de pele, obesidade, problemas na fala, formas de vestir, orientação religiosa”, as/os docentes nos ajudam a pensar que as formas possíveis de discriminação dentro dos espaços escolares refletem uma diversidade de categorias, para além das questões de gênero e sexualidade, perpassando por classe, raça, tipos de corpo, cultura e prática religiosa. Segundo Débora Britzman (1996) através da cultura pode-se ver “o conhecimento escolar como a corporificação de relações racializadas de poder, uma vez que esse conhecimento depende dos interesses, valores, disposições e discursos da estrutura de poder dos brancos” (p.72), e podemos somar aqui as concepções adotadas e praticadas para impor padrões aos sujeitos, tais como o peso ideal, as roupas mais adequadas a cada espaço e situação, a linguagem ideal. Esses padrões estão presentes na escola, porém, a resistência 102 também se estabelece nesses espaços, na forma e performance daquelas e daqueles que destoam, que rompem, que resistem. Quando recebemos uma resposta em que a/o docente diz do preconceito “em relação a posição religiosa”, fica marcada a presença das diferentes crenças religiosas, que, em diversos segmentos, parece estar presente e ter um papel significativo na escola, seja em sua pluralidade, seja na disputa por expansão de seus espaços de ação e domínio de alguns segmentos em detrimento de outros. Ainda pensando com Britzman (1996), a sociedade/religiões “explora as não-tão-ocultas relações entre educação, reprodução cultural e regulação social” (p.72), e nesse espaço de disputa de poder e influência a escola é um dos mais importantes campos de batalha. Como ficam as alunas e alunos diante dessa busca por domínio, onde a escola é palco de disputa de poder através de discursos e ações? Todas as modalidades sociais estão presentes na escola, em maior ou menor representação, e cada aluna/o percebe e recorre a isso enquanto se movimenta nesse espaço e constrói ali seus saberes e relações. Segundo Elizabeth Ellsworth (2001), Na medida em que as relações de sala de aula são moldadas pelos antagonismos sociais e econômicos mais amplos bem como definidos pelas relações de gênero e raça, os educadores não podem cerrar o espaço da diferença entre endereçamento e resposta. Eles jamais podem impedir o medo, a fantasia, o desejo, o prazer e o horror que fervilham no espaço social e histórico entre endereçamento e resposta, currículo e estudante (p. 49). Foi frequente a tentativa de se definir uma unidade cultural brasileira, na tentativa de estabelecer uma identidade cultural e religiosa, ao longo da nossa história, e grande parte dessa busca se deu nos espaços escolares. Entretanto, devido à nossa realidade cultural plural, somos melhores expressos pelas relações que são possíveis estabelecer nos espaços sociais, podendo considerar nossas identidades múltiplas e variadas. Onde não se tem ou terá um produto ou uma finalidade, e sim o devir de diferentes saberes, culturas e conhecimentos, em constante transformação, em que a contribuição dos segmentos diversos é bem vinda e desejada, mas o preconceito e as discriminações que produzem e perpetuam as desigualdades e a violência sejam problematizados e desconstruídos. De posse das respostas recebidas através dos 36 questionários que foram preenchidos por professoras e professores das 3 escolas definidas para campo de pesquisa, e algumas problematizações possíveis acerca de suas respostas, chega o momento de mais uma etapa desse encontro com docentes da educação municipal de Juiz de Fora, as conversas entre a pesquisadora e cada uma/um das/os convidadas/os que aceitaram participar dessa etapa, ou que conseguiram um espaço em suas agendas de atividades, para construírem comigo mais 103 uma parte desse trabalho. No capítulo que se segue, as falas trazem um pouco do que elas/eles experimentam, percebem e praticam, de acordo com seus relatos pessoais, e seus pontos de vista. 104 4 CONVERSANDO COM PROFESSORAS E PROFESSORES SOBRE RELAÇÕES DE GÊNERO E SEXUALIDADES: A ESCOLA E “ESSES ASSUNTOS” Neste capítulo trago o diálogo direto com as/os decentes das três escolas participantes da pesquisa, através de duas entrevistas, e dois encontros em grupos focais, que tiveram como eixo as respostas dos questionários iniciais. Nesse diálogo, é relevante dizer que as narrativas se referem a situações e atividades ocorridas no cotidiano dessas três escolas pesquisadas, não pretendendo uma generalização pelo universo extremamente amplo da educação municipal de Juiz de Fora. As duas entrevistas aconteceram pela impossibilidade de horário de todas/os para participar do grupo focal. Em uma delas conversei com o professor Luiz Carlos, que preferiu este procedimento metodológico por indisponibilidade de tempo para estar em um encontro em grupo e, por isso, o encontrei em uma das escolas campo, na qual ele atua como professor de inglês. A segunda entrevista foi feita com a professora Ana Paula, professora de história, em outra escola campo, argumentou que se sentia mais à vontade conversando apenas comigo. As/os demais docentes estiveram em encontros de grupos focais, sendo que Paulo, também professor de história e Marília, professora de geografia, estiveram nos dois encontros e o professor de educação física, Cristiano, compareceu somente no segundo encontro. Nesta parte da narrativa, procuro organizar a discussão em tópicos relacionados diretamente aos assuntos mais abordados, aos quais as/os docentes dedicaram maior tempo e/ou demonstraram direcionar maior empenho e atenção. Meu percurso é ditado pelas falas delas/es, da forma como preferiram se expressar. A utilização das declarações advindas das respostas dadas ao questionário inicial, serviu apenas como um gatilho para a sequência das conversas, porque a partir delas, deixei que eles falassem sobre os assuntos, situações e possibilidades da forma como ia-se lhes aparecendo durante nossos diálogos. Os tópicos são numerados e nomeados de acordo com os temas que surgiram com ênfase durante as conversas. Foram momentos de muitas descobertas e grande aprendizado, no qual estar no lugar de pesquisadora não necessariamente “representa aproximação da verdade, mas uma de suas múltiplas possibilidades” (COSTA, 1996, p.5). Estar em três escolas municipais possibilitou entender que cada espaço e os sujeitos que o compõem formam um novo cenário, fluído e dinâmico, onde podemos atestar que “não existe a tal ‘verdade verdadeira’; ela é sonho, pura ficção” (COSTA, 1996, p.9) 105 4.1 Primeiras palavras em nossas conversas: o que é mais forte no diálogo? O que aparece? Ao começar a primeira conversa nos reunimos em um grupo, no qual participavam eu e mais dois docentes, sendo Marília, professora de geografia, e Paulo, professor de história, que atuam na Escola municipal Heleieth Saffioti. Pensando as variadas possibilidades de sugestão do diálogo, a partir do eixo que elegemos, busquei em Alfredo Veiga Neto (2013), a inspiração para a conversa, buscando acentuar A leveza de um estilo de investigação que, mesmo rigorosa, se abre para suas fronteiras na esperança de ultrapassar a si mesma e de conseguir enxergar nas regiões de indecidibilidade que até então permaneciam na penumbra [...] usando o que Foucault nomeia como uma “maneira de ver as coisas”, “um modo de ver” (p. 112-113). Foucault utiliza-se da aproximação da noção de método enquanto perspectiva de trabalho (VEIGA NETO, 2013). Segundo Veiga Neto, o comprometimento de Foucault “está em colocar sob escrutínio práticas que permitem entender as relações do ser consigo e com os outros” (p.114). Procuro entrever, notar, em minhas/meus parceiras/os de pesquisa essas diferentes e ricas formas de se relacionarem com os acontecimentos e discursos presentes em suas escolas, de perceber suas/seus alunas/os, de viver no/com o cotidiano da escola, como as/os professoras/es se veem, bem como as suas escolas, pensando sobre as falas de seus companheiros de trabalho, de seus pensamentos e ações em seus contextos. Logo no início eu quis deixar que cada um definisse, entre os termos e assuntos sugeridos, a partir das respostas dadas aos questionários, que direção gostariam de conduzir a conversa. Partimos, por iniciativa delas/es, da ideia de discutir o termo respeito, que já havia nos chamado a atenção desde as primeiras análises, ainda nos questionários. Os usos dados à palavra “respeito” relacionada às diferenças, estiveram presentes nos espaços das escola. O professor Paulo afirma que, “de início o que aparece não é o respeito, mas o desrespeito às diferenças. Uma orelha maior, um nariz ou o cabelo, tudo vira motivo de piada”, ao que a professora Marília complementa dizendo que “O visual atrai mais”, problematizando a prática discriminatória comum direcionada à aparência das/dos alunas/os e outras pessoas presentes nesses espaços. Segundo Paulo, “o desrespeito aparece e a partir dele começa a se trabalhar a questão do respeito, desde a aparência até a opção sexual”. O docente sinaliza que é importante estar atento às temáticas, as quais surgem nas conversas cotidianas de alunas 106 e alunos, partindo delas, puxar discussões que coadunam com o que cada uma/um vive na escola e na sociedade. Notei nesse momento a oportunidade de pensar essa dicotomia representada pelos termos respeito/desrespeito, que até então não havia aparecido dessa forma, mas na conversa tomou corpo. As/os alunas/os constroem suas identidades (e seus pertencimentos) nas diferenças. Isso explode na escola, onde é lugar de confronto e negociação. A/o professor/a age, e ao agir ela/e põe em prática um projeto de “ser professor/a”, “ser escola” e do aluno ideal para o mundo. Para esses docentes, que aqui se declaram, a prática da ética e do respeito ao outro e às suas subjetividades deve ser praticada por todos, alcançando professoras/es e alunas/o, assim como sugerem que o desrespeito também vem de ambos, o que deve ser repensado, segundo Marília e Paulo, ponto de vista compartilhado pelo professor Luiz Carlos, da Escola Municipal Chiquinha Gonzaga, que declara que “O respeito deve ser ponto de partida em qualquer escola, pois os professores precisam saber que os indivíduos tem suas escolhas [...] a questão da homossexualidade por exemplo, a gente percebe que tem muita criança que tem uma tendência ao homossexualismo e isso...o ser humano tem que ter o direito de nascer do jeito que nasceu e ser do jeito que é”. De acordo com essas falas, podemos aferir que nessas escolas, a partir desses docentes, existe a preocupação em desenvolver durante suas aulas, a prática do respeito ao outro. Dialogando com Ferrari e Castro (2013), os autores enfatizam a relevância de “deixar claro que os discursos e práticas sobre os quais e desde os quais vamos trabalhar partem do pressuposto de que as sexualidades não são fatos naturais, mas sim resultados de articulação histórica, discursiva e socialmente construída” (p.296). Como percebemos na afirmação de que: “pra mim tudo passa pelo respeito. E complementa: “eu falo muito com os meninos “e se fosse com você? Quem se coloca no lugar[...] eu sempre falo com eles “se coloque no lugar do outro, independente de que situação seja, antes de julgar, de qualquer coisa, se fosse com você, como você ia reagir a isso?” (Luiz Carlos), agindo de forma a promover o combate às discriminações e preconceito através do incentivo à empatia. Temos na escola um ambiente fértil, onde é possível conduzir as mais variadas discussões e onde as temáticas estão surgindo o tempo todo, cruzando o currículo formal com as demandas trazidas pela comunidade escolar, pelas/os funcionárias/os, pais, alunas/os e docentes, que percebem a necessidade de incluir novas temáticas no currículo ou mesmo em discussões informais surgidas durante suas aulas e/ou em seu tempo de permanência na escola, elaborando, assim, um currículo oculto. Segundo Marlucy Paraiso e Lucíola Santos 107 A expressão “currículo oculto” tem sido muito utilizada, significando o conjunto de normas e valores implícitos nas atividades escolares, porém não mencionados pelos professores ou não intencionalmente buscados por eles. São, portanto, aprendizagens ou efeitos de aprendizagens não intencionais que se dão como resultado de certos elementos presentes no ambiente escolar. É constituído tanto de práticas como de mensagens não explicitadas. (PARAÍSO & SANTOS, 1996, p.84) A esse respeito, Antonio Flávio Moreira e Vera Candau (2007) acrescentam que fazem parte do currículo oculto, assim, rituais e práticas, relações hierárquicas, regras e procedimentos, modos de organizar o espaço e o tempo na escola, modos de distribuir as/os alunas/os por grupamentos e turmas, mensagens implícitas nas falas dos/as professores/as e nos livros didáticos (p.18). Esse currículo é o reflexo social e cultural de uma determinada forma de ver o mundo, trazida por todas/os que constroem a educação no dia a dia de cada escola, se configurando como um instrumento político ligado à ideologia e às relações de poder institucionalizadas nesses grupos e lugares e que se operacionaliza nas salas de aula. Para a professora Marília, “a escola reflete tudo, ela é o celeiro, tudo para ali, e é normal que as diferenças apareçam...e por isso eu acho que a escola precisa trabalhar isso”. Ao dizer da necessidade de trabalhar isso, a docente se refere a abordar as relações de gênero e sexualidades, assim como manter o diálogo aberto para outras questões trazidas para as aulas. Ter “como desafio “manter viva a pergunta”, o que significa que os(as) professores(as) não se tornem a própria “personificação do conhecimento” sabendo lidar “com a dúvida, com as “novidades” vivenciadas pelos(as) alunos(as)” (FERRARI & CASTRO, 2013, p.314). Ainda pensando acerca da “necessidade de trabalhar isso” como sugerido pela professora, indago o porquê do currículo não contemplar esses temas e como a escola lida com essa ausência. Alexsandro Rodrigues (2009) afirma que “as pessoas desconfiam/reagem/resistem a esses efeitos normatizantes de condutas e comportamentos, que são impressos nos textos/discursos do currículo e, ao reagirem, produzem” (p.66), nos ajudando a entender os enxertos cotidianos de temas nos currículos praticados, que extrapolam e superam o currículo oficial, buscando atender às demandas de cada escola e de seus sujeitos. O autor ainda acrescenta que durante sua vivência na escola percebem e sentem que “a partir dos muitos fios de saberes das redes cotidianas do fazer escola, que professores e alunos transgridem o receituário das tecnocracias impressas no currículo prescritivo, oficializado, alterando-o e imprimindo seus significados” (p.67). Trazendo para as nossas conversas outras questões frequentes no cotidiano de suas escolas, me chama a atenção as falas e atitudes narradas pelas/os decentes entrevistados, a 108 respeito da condição econômica e social do público atendido em cada uma delas, que diz de suas comunidades e entorno. Segundo as/os docentes Paulo e Marília, “Algumas regiões são barracos de madeira e zinco” (Paulo). “Caixotes de feira; e eles não tem água pra tomar banho, realmente, mas tem “áreas em que você tem casas muito bem construídas, os meninos que tem” (Marília). Ao que Paulo complementa: “justamente, crianças que os pais levam de carro para a escola”. Estas/es docentes nos convidam a pensar que há grupos facilmente identificáveis dentro da escola e é isso, em alguns momentos, que mantêm os espaços diferenciados ali, criados, muitas vezes, pelas/os próprias/os alunas/os, mas que também são resultados da ação de docentes, que corrobora para manter essa categorização. Segundo Marília, “na mesma escola, o menino é identificado pelo tênis, pelo material, nós temos alunos que fazem curso de informática, curso de inglês, né, e outros que não tem comida em casa, ou uma casa direito”. De acordo com as/os docentes, tais categorizações são feitas a partir do poder econômico, ou do lugar onde moram, ou ainda de certos modelos de comportamento, que são associados a esses lugares, como nos diz Cristiano: “tal região lá é só gente barraqueira, tal região lá só tem drogado, então, então se a pessoa veio dessa região, mesmo que ela não tenha característica da região, ela é tida como se tivesse”. Segundo Paulo a/o aluna/o “é rotulada e aí em qualquer momento aparece uma desavença na escola, isso aparece para diminuir (...) “isso aparece na sala de aula, ah, você é lá da, da vila”. Para Ana Paula Vencato (2014) Embora a existência de diferenças possa ocasionar conflitos na escola, é preciso que tenhamos claro que o problema a ser enfrentado não são as diferenças, mas as desigualdades. Diferenças devem ser entendidas como um sinônimo de riqueza, e devem ser valorizadas dentro da escola e das práticas pedagógicas. É importante que estejam incluídas nos conteúdos, currículos, debates e nas relações entre os diferentes sujeitos que circulam nesse ambiente. É preciso compreendê-las, conhecê-las e respeitá-las (p.24). Aliadas às diferenças já citadas anteriormente, também é comum que se encontre nas escolas pesquisadas, segundo as respostas recebidas em nossas conversas, o discurso da discriminação de raça. Alunos negros e/ou brancos se classificam, se segregam, demarcam espaços. Ana Paula nos diz que “muitos dos meus alunos não se reconhecem como negros, mesmo sendo negros” e se ofendem “se a gente fala que são negros e que existem situações importantes que a população negra precisa reconhecer” referindo-se a situações de racismo. Os professores Cristiano e Luiz Carlos também endossam a informação ao dizer que, em suas aulas é comum “um aluno negro, pra sacanear o outro, vira pra ele e fala “Ô, seu crioulo”” 109 (Cristiano), ou então “tinha que ser preto” (Luiz Carlos), como forma de inferiorizar o outro, com base na cor de sua pele. Recorrendo, mais uma vez a Ferrari e Castro (2013) podemos pensar novas abordagens a partir da reação docente a esses episódios, que categorizam, classificam e excluem. Para esses autores A formação docente pode ser um espaço/tempo em que os/as professores/as têm a oportunidade de desconstruir concepções naturalizadas, abalar certezas prontamente construídas, revisar seus próprios valores, colocá-los sob suspeita, repensar os currículos escolares e as práticas pedagógicas, com vistas à ampliação das noções de saberes legítimos (p. 316). O olhar docente, quando sensibilizado, pode auxiliar a percepção por parte dos demais, de todas as possibilidades que cada sujeito traz consigo e que significa, constituída para além das características visíveis relacionadas à sua aparência e condição econômica e social, construindo a partir desse olhar sensível, novas formas de ver e viver no mundo do qual fazem parte. 4.2 A construção de gênero na escola Partindo da necessidade de problematizar os lugares, os quais as mulheres e os homens ocupam na sociedade atual, podemos colocar sob suspeita o papel desempenhado pela escola na construção e perpetuação do modelo que constrói e fixa esses lugares, como sendo adequados para uns e não para outros. Sobre isso, as/os docentes declaram que “as construções sociais estão dentro da escola, e a gente mesmo precisa ter cuidado com isso, porque a gente mesmo às vezes brinca com o aluno e essas brincadeiras reforçam o preconceito e reforçam o desrespeito com o outro”(Paulo), ou “a menina já tem que ter um caderno mais arrumadinho, a gente já carrega isso pra dentro da escola” e “se você elogia a letra de um aluno, o pessoal fica gozando...e a gente precisa combater isso”, ou ainda “tem isso de isso não é coisa de menina, isso não é coisa de menino” (Marília). Temos em Judith Butler(2015) a afirmação de que o gênero é discursivo, o que significa dizer que vai sendo construído por diferentes linguagens que, para além de descrevê-los, atuam formando o que ele é. O gênero de cada criança, ao nascer, já aparece de forma inequívoca vinculado à sua genitália, como se o gênero tivesse sua origem a partir de um pênis ou uma vulva, quando não se pode mais negar que essas construções se dão através dos reiterados discursos (hetero) 110 normativos que nos dizem cotidianamente como ser uma “mulher de verdade” ou um “homem de verdade” (BUTLER, 2015) Segundo o professor Cristiano, da Escola Municipal Chiquinha Gonzaga “quando a gente tem casos de gêneros distintos, de opções sexuais, o desrespeito ele aflora mais”. Este professor relata o caso de um aluno numa turma de faixa etária de cerca de 11 anos de idade, que “tinha um corpo de menino, mas se identificava como menina e assumiu essa identidade e os outros faziam piadas, brincadeiras e entre si, ou outros brincavam com desrespeito”, e reforça que, nesses casos, em que o desrespeito “aflora” ele precisa ser combatido mais efetivamente. Nas respostas e comentários, as/os entrevistados ressaltam que é comum mesmo entre as/os docentes, de uma forma geral, falta conhecimento, por exemplo das transgeneridades. No exemplo que o professor Cristiano utiliza ele afirma que “muitos colegas e funcionários da escola não sabiam como tratar esse aluno”, chamando-nos a problematizar as oportunidades de discussão que as/os docentes tem a respeito das múltiplas possibilidade de gênero, para além dos binarismos, que compõem a norma padrão e os exercícios possíveis da sexualidade, para além da heterossexualidade compulsória também. A esse respeito, Vencato (2014) colabora, dizendo da importância da discussão na formação de professoras/es Não é novidade nos cursos de licenciatura a ausência, para a formação e docentes, de subsídios que lhe proporcionem a construção e um arcabouço teórico-metodológico que lhes ajude a lidar com as diferenças. Essa ausência se amplia, ainda mais quando a diferença refere-se a questões de gênero, das sexualidades – ou orientações sexuais, termo mais comumente (re)conhecido na arena das políticas públicas – e da raça/etnia. (p.29) Ao trazer tais falas das(os) docentes e se pensarmos sobre elas, podemos captar que as/os docentes entrevistadas/os percebem de forma efetiva, que a construção de gênero se dá nos espaços das escolas, nas quais cada uma/um atua, assim como declaram o seu incômodo diante de situações, nas quais esse estabelecimento de papeis dirigidos a um ou a outro gênero binário, se converte em recursos discriminatórios, em meios opressivos contra aquelas/aqueles que não se enquadram às normas e regras sociais previamente estabelecidas. De acordo com o professor Paulo, os lugares estão marcados e na escola isso se reforça, ou é reforçado: “para o menino é o lugar da rua, a menina é o lugar da casa. Então, eu acho que essa marca da nossa sociedade, ainda, ela acaba por definir isso”, demonstrando, assim, que os papeis sociais são confirmados na escola, tanto para meninos quanto para meninas. A professora Marília corrobora com a afirmação do colega, dizendo que 111 “ela é mais cobrada, ela é mais vigiada mesmo”, se referindo à condição a que as meninas são colocadas em seus cotidianos sociais, incluindo aí a escola. As/os docentes chamam a atenção também para a vigilância promovida pelas/os próprias/os professoras/es, quando parte destas/es o discurso de controle. Segundo um dos entrevistados, “Não adianta fazer o discurso politicamente correto e chegar na sala de aula e falar: “você fez isso, ah viado!”, e a gente vê isso na escola” (Paulo). Em outra escola pesquisada, a professora Ana Paula argumenta que essa construção é aliada da discriminação, que muitas vezes, vem associada, sobretudo, no caso das observações e falas desta docente, no curso noturno, de sua escola. “No noturno, a gente percebe muito. Que ainda tem: não, isso não é coisa de homem. […] É o chorar. “Nossa, fulano… Nossa, isso não é coisa de homem, não. Homem não chora, não”. E se a gente for parar pra pensar, esse tipo de comentário, ele já vem recheado de muito tipo de preconceito. Eu sinto por parte de alguns professores algumas piadas que a gente… meio que… aceita como comum entre, quando você está falando, quando vários homens estão conversando e tudo… Mas, principalmente, a gente percebe o desviar do assunto. É mais fácil não abordar do que enfrentar. É mais fácil você em momento algum se indispor. Mas isso é muito uma postura de direção. Pra que promover um debate?” (Ana Paula; grifo meu) O professor Cristiano também contribui para a discussão ao trazer o relato sobre a presença dessas falas em sua escola: “E a questão das piadinhas, isso também é muito comum, é muito comum: “Não, isso é coisa de mulher, isso é coisa de homem. Ó, não abraça o colega não que isso é coisa de viado. Ó, pô, você é viadinho, pelo amor de Deus, vira homem”. O “vira homem”, então, você escuta cotidianamente na escola aluno falando com outros alunos e professor na hora da aula”. O professor Paulo complementa, dizendo também a respeito de tais práticas na escola em que atua: “lá a gente escuta professor falando com aluno: “vira homem””, traduzindo e reafirmando práticas, as quais reforçam o modelo binário, que está imposto na escola, ao declarar que existe uma forma de ser homem, não várias formas de ser, além de outras opções e possibilidades para além do que se configura como ser homem. Retornando às falas da professora Ana Paula, ela constrói várias situações que nos permitem problematizar as relações nessa escola, envolvendo alunas/os e professoras/es, cujas posições de discriminação às vezes se confundem, se repetem e/ou coincidem. Quem educa, também deseduca, ou educa para o preconceito, quando deixa de combater as posturas e 112 discursos de discriminação. Também chama a atenção para o que é comentado por outras/os docentes a respeito da prática de ignorar o ocorrido, o que se ouve, fingir que não aconteceu e deixar como está, sugerindo inclusive, como uma postura da direção da escola que, segundo ela, prefere se abster a tomar posições contrárias às práticas sexistas e homofóbicas. Ela nos conta ainda de outra prática, que não apareceu nas falas de docentes das outras duas escolas, o que não nos permite dizer se existe nas outras ou não, mas nesse caso especificamente, da Escola Municipal Cora Coralina, a professora declara que “a chamada é separada: meninos primeiro, meninas depois. É até estranho, né? Esse tipo de organização [...] É estranho esse tipo de organização. Porque se você segue a questão alfabética, é o mais correto. É o lógico”. O Gênero é uma forma de organizar o social. Assim como a fila ou a ordem alfabética dos diários, o gênero pode ser utilizado para organizar a realidade. A questão é saber o que faz alguém definir esta divisão como organização de uma burocracia escolar? A professora não soube esclarecer as razões dessa norma. E ainda lembra, que em sua escola, assim como na educação municipal de Juiz de Fora, encontra uma considerável maioria de professoras, de mulheres atuando na educação básica: “a gente tem um público maior de professoras, né? É sempre assim”. (Ana Paula). Larissa Pelúcio (2014) também auxilia-nos nessa compreensão ao afirmar O desafio de se trabalhar fora dos marcos identitários e das referências binárias relativas aos gêneros e à orientação sexual é exigente, pois demanda torções na nossa forma de perceber as dinâmicas sociais que oferecem esses termos classificatórios capazes de definir e fixar identidade” (114). As/os professoras/es reconhecem sua formação social enquanto sujeito e como isso é atravessado pelo gênero, ao mesmo tempo que reconhece que a escola é o local de pensar e investir em outras formas de ser e estar no mundo. 4.3 A insegurança docente: “não me sinto preparada/o para tratar esses assuntos” O roteiro, a partir das respostas dos questionários, trazia para a discussão, o sentimento de despreparo que professoras e professores afirmaram vivenciar. Em muitos momentos de suas declarações, as quais nos serviram como a primeira base para a conversa, deixaram claro que existe demanda por formação, assim como a possibilidade e necessidade de se discutir relações de gênero e sexualidades na escola. Durante esses encontros, quando vieram à tona 113 as falas que deixavam clara essa sensação de despreparo, uma nova questão emergiu, quando o professor Paulo afirma: [...] “quanto à falta de capacitação, eu acho que, sim, falta capacitação, mas falta principalmente interesse e disposição pra se colocar o debate porque muitas vezes essa capacitação é oferecida, mas não há um interesse pela procura dessa capacitação” (Paulo). Já o professor Cristiano complementa “Eu penso que falta realmente vontade e falta às vezes, é… é conhecimento e falta também a pessoa querer fazer esse trabalho porque muitas vezes a pessoa, ela já tem determinados preconceitos, determinados pensamentos relacionados às discussões… relacionados à diferença, a gênero e outras mais, e a partir dessa vontade dela de não abordar esse assunto porque vai ser polêmico, vai trazer determinadas situações pra sala de aula, ela simplesmente não aborda. E talvez por isso falte o interesse na capacitação porque a pessoa realmente não quer trazer pra sala de aula algo que é polêmico”. Ao pensarmos e discutirmos acerca da necessidade e as oportunidades de formação continuada para professoras e professores, é comum que nos deparemos com algumas das colocações que nossas/os entrevistadas/os apresentam nas falas transcritas acima, onde se cruzam algumas questões com múltiplos significados. Entendemos que não é possível simplificar as decisões e atitudes das/dos docentes a um senso comum, de “quero ou não quero”, pois a possibilidade de formação vem associada a vários outros fatores presentes na vida cotidiana dos sujeitos. Ser professora e professor traz consigo o ser mulher/homem, mãe/pai, esposa/o, namorada/o, amiga/o, estar muitas vezes em mais de uma escola ou outro espaço profissional, que não apenas a docência, espaços de lazer e prazer, viagens, família...e tantas outras possibilidades de viver no mundo, em que cada pessoa traz em si e para si. A esse respeito, Antonio Novoa (1991) afirma que A formação de professores tem ignorado, sistematicamente, o desenvolvimento pessoal, confundindo "formar" e "formar-se", não compreendendo que a lógica da actividade educativa nem sempre coincide com as dinâmicas próprias da formação [...] Urge por isso (re)encontrar espaços de interacção entre as dimensões pessoais e profissionais, permitindo aos professores apropriar-se dos seus processos de formação e dar-lhes um sentido no quadro das suas histórias de vida (p. 12-13). Tomando como inspiração a citação acima, podemos inferir que há sim uma demanda real e extensa por formação, mas sugere, entretanto a necessidade de olhar, com sensibilidade 114 para as questões subjetivas das/dos docentes, as quais os formam e transformam em professoras/es. Continuando o diálogo com as/os professoras/es, surgiu, também, em nossos encontros, a discussão sobre a existência de posturas de preconceito, vinda das/os docentes. Pensando sobre isso, e, ainda, inspirada em Nóvoa (1991), vem à minha mente que as/os professoras/es, indivíduos, trazem consigo suas bagagens emocionais, culturais, religiosas e tantas outros fatores de formação, que juntos constitui a cada uma/um e não podendo e nem conseguindo se despir totalmente em pouco tempo ou de um momento para o outro. “Eles tem a opinião formada e ela tem que se despir de todo o preconceito” (Marilia). Podemos dizer, então, que ser docente é um exercício de aprendizagem constante, em oportunidades que se somam no cotidiano de cada sujeito, enquanto esse se forma e transforma como ser humano e profissional. Durante a entrevista com a professora Ana Paula, enquanto conversávamos sobre a presença e a necessidade de formação, seja na graduação, seja na forma continuada, a docente afirmou que é comum ouvir de alunas/os e na mídia termos cujo significado ela desconhece, demonstrando, também, a preocupação com a linguagem que chamou de “politicamente correta”, pois segundo Ana Paula, “a cada dia a gente ouve a mesma coisa sendo dita de outro jeito”. E complementa sua fala: “Falta, falta. Falta sim. Principalmente com relação ao que eu te falei, as questão dos termos, terminologia… Outro dia a gente estava comentando exatamente isso, como você chama uma criança que tem isso de uma forma não preconceituosa? Ah, mas a partir do momento que você rotula que tem isso, você já está sendo preconceituoso, então… Eu falei até na questão de necessidades especiais aqui dentro da escola. Um dia, eu lembro que eu comentei com uma amiga minha: nossa, vai ter um deficiente visual na Malhação. E ela: nossa, demorou tanto pra falar cego. Que eu parei e pensei assim, até que ponto o politicamente correto não está fazendo a gente deixar de discutir muita coisa? Porque, às vezes, você percebe na fala do outro, que tem um conhecimento maior, igual colocou aqui da questão do… amor afetivo” (Ana Paula – grifo meu). Ao se referir ao termo “amor afetivo” a professora está dizendo de uma declaração que recebemos, em um dos questionários, em que a/o docente afirmava discutir questões de afetivo sexual com seus alunos e alunas. A professora disse não compreender o que isso significava, ao que expliquei que se tratava de um projeto, desenvolvido em escolas estaduais, intitulado Programa de Educação Afetivo Sexual - um novo olhar32, e do qual ela não tinha 32 Programa de Educação Afetivo-Sexual (PEAS) foi um projeto desenvolvido pelas Secretarias de Estado da Saúde e Educação, em parceria com a Fundação Odebrecht, Fundação Belgo Mineira e Fundação Vale do Rio 115 conhecimento. Essas falas demonstram que não é o caso de apenas construir a formação numa dimensão pedagógica e, sim, investir em produção de saberes e, nesse sentido, pensar na criação de redes de formação, onde seja permitido atuar com o sujeito, sugerindo a troca de informações, experiências e partilha de saberes, na construção do espaço de formação. Para Ferrari e Castro (2013) “o “ser professor/a” é muito mais que um papel: é mais uma entre as nossas múltiplas identidades, as quais não são unificadas, fixas, permanentes, já que se constituem por meio de processos de apegos temporários” (p.309). A construção desses espaços e oportunidades de formação, em cursos e encontros que trazem a proposta de discutir relações de gênero e sexualidades na escola, já se dá no município de Juiz de Fora, através de alguns cursos oferecidos pela Secretaria Municipal de Educação, com vagas abertas para inscrição do corpo docente. Porém, ao tratarmos desse assunto em um dos encontros, ouvi que “geralmente quando eu me interesso por algum curso, quando eu vejo, já acabou as vagas. Geralmente a inscrição é no horário da manhã que eu tô na escola, nunca consegui. Já fiz uns com outras temáticas” (Marília), e outro professor declarou que “eu nunca fiz nenhum curso aqui da Secretaria. Acho que o conhecimento e… e as discussões, pra se inteirar dessas discussões, é sempre em conversas paralelas com colegas, leitura” (Luiz Carlos). O docente também argumenta que é comum os dias e horários dos cursos oferecidos apresentarem conflito com outras prioridades; “então, é um interesse, mas é aquela coisa que por haver prioridades em termos de mestrado, doutorado, acabei voltando tempo pra… me dedicar a esses cursos, mas o interesse existe, as leituras são feitas por fora, então”. Isso pode sinalizar que outras oportunidades nesse sentido devam ser criadas. Outro profissional, traz que “Já fiz dois cursos promovidos pela Secretaria de Educação, até o Roney33, na época, era um dos integrantes que ministravam o curso. Não era o único, era uma parceria com a Belgo34, aí foi uma entrada sobre sexualidade e Doce. Tinha como público alvo adolescentes matriculados em escolas públicas de Minas gerais, seus principais objetivos eram promover o desenvolvimento pessoal e social do adolescente através de ações de caráter educativo e participativo, focalizadas nas questões da prevenção das DST/HIV/Aids, da prevenção ao uso de drogas, sexualidade, e da saúde reprodutiva (BRASIL. 2007). Disponível em http://www.saude.mg.gov.br/component/gmg/page/339-programa-afetivo-sexual-sesmg. Acesso em 26 de dezembro de 2016, às 14:30h. 33 O docente se refere ao Professor Roney Polato de Castro, professor adjunto da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora, que ministra disciplinas que discutem Relações de Gênero e Sexualidades e atualmente também coordena o grupo de estudos e pesquisa GESED. 34 A ArcelorMittal Aços Longos (antiga Companhia Siderúrgica Belgo-Mineira) é uma empresa do setor siderúrgico que surgiu da aquisição da Companhia Siderúrgica Mineira pelo grupo belga-luxemburguês ARBED em 11 de dezembro de 1921. 116 gênero e outros assuntos afins. E depois teve um retorno, né, com formas teóricas, teoria e prática pra se discutir gênero e sexualidade na escola com o encontro, inclusive na época, sete, oito escolas se encontraram num ambiente com alunos, representantes de cada escola, e com os professores discutindo o tema, fazendo oficinas, fazendo apresentações em público. Foi um trabalho bem legal. Isso há alguns anos atrás” (Cristiano). Uma declaração feita por Marília, chamou especial atenção em um dos nossos encontros, na forma de grupo focal, na qual ela diz “Eu já fiz, acho que uns três cursos. Teve um que eu abandonei na metade, o outro não fui até o final. É, eu não sei se eu criei o preconceito em relação a isso porque os que eu fiz, que não era relacionado a isso, até sobre, se você tem um aluno com necessidade especial em sala de aula. Que na verdade na época nem era como um curso. Eles pediram representantes das escolas… Era uma sexta-feira à tarde, eu falei: “não, gente, eu vou” e não atendeu a uma expectativa. Era só estudo de caso e não, não tinha uma base, né? Marcava-se leituras, né, pra fazer, e cada sexta-feira eram pessoas diferentes, nunca era o mesmo grupo, ninguém tinha feito leitura, aquela coisa toda, né… E confesso que eu até parei de, de procurar aqui, mas de gênero eu já quis fazer uma vez, não me lembro qual, e eu não consegui vaga, [faltou vaga mesmo]”. Esse relato sugere que os cursos oferecidos precisam de bases sólidas, de grupos coesos e um planejamento e ementa conhecido por todas/os participantes, para que avaliem seu real interesse na temática. Sabe-se que as/os docentes municipais de Juiz de Fora, possuem em sua carga horária prevista, um espaço semanal para estudo e formação e essa informação provém das/os próprias/os docentes durante suas falas: “tem um detalhe, né… Tem um detalhe. Nós trabalhamos treze horas e vinte. O tempo está sendo dado pra você buscar capacitação. Ninguém pode questionar isso”. (Marília). “Mas questionam”. (Paulo). Já Cristiano complementa: “Sete horas… É, seis horas e quarenta é pra isso”. Ao fazer tais afirmações, essas/es docentes esclarecem que existe um espaço na carga horária semanal de cada uma/um que é reservada para estudos e capacitação. Entretanto, argumentam que esse tempo, às vezes, é usado de outras formas. E é possível perceber, através de suas falas, que faltam cursos de formação continuada atraentes e efetivos que os atendam em suas demandas e possibilidades. Foi recorrente nas respostas durante os encontros, assim como já haviam aparecido nas respostas aos questionários, a busca pela sensação de “estar preparado”, para lidar com as questões que propomos. Contudo, podemos indagar: que preparo é esse, o qual é buscado? Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/ArcelorMittal_A%C3%A7os_Longos. Acesso em 26 de dezembro de 2016, às 15:20h 117 Existe uma forma de estar preparada/o para esta ou outras abordagens ou o aprendizado se dá nas relações que se estabelecem no cotidiano? A esse respeito, Ferrari e Castro (2013), contribuem com nossa discussão, ao também indagar É mesmo necessário que professoras e professores recebam formação para lidar com as homossexualidades nas escolas? Se for o caso, como deve ser essa formação? Por que foi possível formular essas questões? O que elas dizem de nós? Essas são reflexões que buscam problematizar o interesse pelas homossexualidades, pela formação docente, relacionando-as às questões da sexualidade e das homossexualidades e anunciando algumas possibilidades para a construção de olhares plurais e “desconstrutivos” (LOURO, 1997) sobre as identidades sexuais nas escolas (p.299). Quando os motivos de cada uma/um se configuram em formas de resistência às possibilidades de formação complementar e continuada possíveis às/aos docentes em atividade, é necessário que tenhamos o olhar voltado às múltiplas possibilidades de condições vividas por cada docente e que o leva a ser quem é, agir como age, fazer como faz. Elizabeth Ellsworth (2001) auxilia nessa compreensão ao trazer sua discussão acerca dos modos de endereçamento possíveis e a relação com o processo de resistência comum aos sujeitos. Para a autora Essa resistência está ligada a um sentimento frequentemente inconsciente de que nós somos – de que devemos ser – mais do que os eus que nossas culturas, nossas escolas, nossos governos, nossas famílias, nossas normas sociais e nossas expectativas estão nos oferecendo ou exigindo que sejamos. É essa resistência às banalidades da normalização que torna a agência possível (ELLSWORTH, 2001, p. 56). Variadas afirmações ouvidas durante esse trabalho de escuta e pesquisa nos leva a sugerir que nos currículos de formação de professoras e professores não tinha espaço para as discussões de gênero e sexualidades até recentemente, pois de acordo com Kelly da Silva (2015) a abordagem do tema e sua introdução nos currículos de formação das universidades, na forma de disciplinas eletivas/optativas, ainda é bastante recente e como disciplina obrigatória, ainda é uma novidade e uma esperança. Durante os encontros com as/os docentes, uma das perguntas feitas a todas/os foi se haviam recebido, durante sua formação acadêmica, algum tipo de discussão a respeito desses temas e em todos os casos, a resposta foi negativa. Conversei com docentes de faixas etárias variadas, com tempo de trabalho que oscilava entre 8 anos - para o que está na docência há menos tempo - e 23 anos - para a que está em atividade a mais tempo. Todas/os, sem exceção, 118 afirmaram que nunca se depararam com a discussão durante seus processos de formação acadêmica. Segundo Cristiano, professor de educação física, ele não se lembra de ter participado de nenhuma disciplina ou atividade envolvendo essa discussão: “não que eu me lembre. Assim, de tratar o tema, de trazer a discussão, do tema gênero e sexualidade, não. Diferença, sim, uma discussão numa matéria de educação física adaptada, mas mais voltada pra questão do aluno deficiente”. Marília, professora de geografia, lembrou que, em sua área de formação haviam poucas mulheres nas turmas: “e meu curso já é um curso que a maioria é homem, né? Eu lembro quando eu entrei eram quatro mulheres na sala. Então, a Geografia tem uma predominância masculina muito grande. Aí então não discutia mesmo”. E essa informação é reforçada por Paulo, ao dizer: “história também, na minha época, quando eu formei… Na minha época, o meu curso tinha mais homem”. É possível perguntarmos, por meio dessas falas, porque em turmas onde predominam estudantes do gênero masculino, espera-se que não haja a discussão relacionada a gênero e sexualidades, como sugerem a/o entrevistada/o? Será a discussão de gênero e sexualidades um assunto para docentes mulheres? Recorrendo à perspectiva de desvelamento do que está implicado na sexualidade, como Foucault defende (2011, p.100) e pensando na “formação dos conhecimentos, o reforço dos controles e das resistências encadeiam-se uns aos outros, segundo algumas grandes estratégias de saber e poder” (SILVA JUNIOR, 2013, p.71), podemos ter como um ponto de partida a premissa de que vivemos ancorados em normas, que impõem o binarismo de gênero. Estamos vendo esse processo acontecer nos cursos de formação, onde ainda temos áreas que são tidas como mais de mulheres e outras de homens. Refletindo a partir do pensamento de Kelly da Silva (2015), é possível perceber que as discussões de gênero e sexualidades estão chegando às instituições de formação de professoras/es, porém ainda precisamos perguntar como isso está se dando nos diferentes conteúdos. A autora demonstrou, em seu trabalho, que nos cursos de pedagogia as disciplinas já estão acontecendo, embora ainda haja demanda por mais espaço nos currículos desses cursos. E a presença da discussão de gênero e sexualidades nas formações para os demais conteúdos? Pensando, por exemplo, a partir da minha própria formação, como professora de ciências e biologia, tendo feito todo o curso sem ter tido a oportunidade de ter contato com essa discussão fundamental para profissionais da educação e alunas/os. Continuando a pensar com Ferrari e Castro (2013): 119 O “tornar-se professor(a)” não é algo que se possa fazer apenas durante um curso de formação inicial ou através de cursos específicos de formação continuada. Esse é um processo constituído a partir de inúmeras experiências, construídas no movimento e nas mudanças que se dão ao longo do trajeto. Através da “viagem de formação”, o(a) professor(a) constrói e reconstrói a sua subjetividade. Desse modo, as práticas de formação de professores(as) não só produzem sujeitos, mas instauram uma relação reflexiva do(a) professor(a) consigo mesmo(a) (p.312). Nesse sentido, Roney Polato de Castro (2015) argumenta a favor da relevância de “pensar que problematizamos as relações entre os currículos de formação docente na universidade e as temáticas das relações de gênero e sexualidades” e afirma que isso deve ser feito “a partir de condições de emergência de redes discursivas que vem se delineando no plano político, de produção e conhecimentos e da vida cotidiana” (p. 73). Nesse diálogo com Roney Polato e com as/os professoras/es que constroem comigo essa pesquisa, me deparo com as mudanças recentes nas linhas de discussão que propõem os programas oficiais de educação em nosso país, muito influenciados ultimamente por discursos conservadores e de inspiração religiosa, que tem significado prejuízos aos avanços conquistados com muita luta e persistência. Sobre isso, Castro (2015) afirma que Há que se considerar que os projetos de formação docente estão imersos em redes de poder, cujas tramas incluem tensões, conflitos, negociações e alianças. Em se tratando da incorporação das discussões concernentes às relações de gênero e sexualidades no campo educacional, os avanços nessa direção confrontam-se [...] com o recrudescimento de discursos produzidos por instâncias conservadoras (p.76). É tempo de repensar os currículos de formação docente, trazendo para seus espaços porosos novas formas de discussão que possam fomentar a constituição de mais disciplinas e o trânsito dos temas em questão pelas áreas que já existem. Isso pode trazer enriquecimento e amplitude de abordagem aos cursos de formação. 4.4 A abordagem de gênero e sexualidades e as demandas por essa discussão Nas falas, as/os professores trouxeram suas impressões e experiências que auxiliam na percepção da escola pública municipal em Juiz de fora atualmente, onde lidar com as diferenças e as subjetividades, se apresenta como uma demanda importante. Assumir essas 120 discussões na escola hoje, é fundamental, pois “a diferença nos convida ao contato e à transformação; ela nos convida a descobrir o Outro como uma parte de nós mesmos.” (MISKOLCI, 2012, p. 49). A respeito da discussão dessa temática em sua escola, o professor de inglês Luiz Carlos declarou: “eu acho que a orientação sexual é bem tratada aqui na escola. A gente tem sempre palestras aqui, sobre DSTs, sobre sexo na adolescência, a gente tem, com frequência, adolescentes grávidas, então isso é muito bem trabalhado, a questão da prevenção, do preservativo, o que isso pode mudar na vida dele. E o respeito a diversidade também. Quando alguém fala alguma coisa, a gente vai lá e pergunta: “peraí, por que tá te incomodando? O que ele faz que muda o seu jeito de ser feliz? Se ele tá feliz, por que você não tá feliz?” (Luiz Claudio). O mesmo professor complementa sua fala dizendo: “eu trago de forma expressa, eu procuro trazer as questões pra sala, como o estupro coletivo, não necessariamente com material didático, mas é trabalhado” (Luiz Claudio), sinalizando que as discussões extrapolam o discurso biologicista e focado na prevenção à gravidez precoce e às DSTs, abordando a violência sexual, trazendo para o domínio do gênero e suas construções, as possibilidades de abordagem, ainda que o discurso da prevenção venha em primeiro plano em suas falas. O que nomeio de discurso biologicista é aquele que se refere às questões do corpo resumidas aos aparelhos reprodutores, usando estes termos, de mulheres e homens, métodos de contracepção como prevenção, sobretudo à gravidez na adolescência, comumente tratada como gravidez indesejada e as DSTs mais comuns. A sexualidade e suas práticas possíveis, enquanto parte da vida, da saúde, e da felicidade das pessoas não está em pauta nesta abordagem. Isso nos remete à Jonas Silva Junior (2013), quando o autor chama a atenção para o caminho trilhado pela discussão da prevenção a partir da epidemia de AIDS. Como professora de ciências e biologia vi essa discussão se acirrar na escola, sob o viés da temeridade. A esse respeito o autor colabora ao afirmar Com a discussão da AIDS e com os alarmantes índices de gravidez na adolescência, as políticas públicas começaram a se movimentar em torno de programas de prevenção na expectativa de amenizar esses problemas. Todavia, no contexto escolar, ainda que seja possível notar alguns esforços no que tange à discussão da sexualidade, frequentemente esse assunto é tratado apenas sob o viés da prevenção, do medo da doença e da morte, adicionado a uma certa apreensão moral. A visão é quase sempre biológica: ensinam-se a anatomia dos órgãos sexuais, como se configura a fecundação, o nascimento, os métodos contraceptivos, bem como as táticas de prevenção das doenças sexualmente transmissíveis (p. 78). 121 Para as/os docentes, existem as duas possibilidades de linhas de ação e a escolha, muitas vezes, fica a cargo de cada uma/um, qual o caminho seguir na realização de seu trabalho em sala de aula e para além, chegando a outros espaços na comunidade. A aproximação deste discurso anatômico/biológico padrão com a vida e práticas cotidianas de alunas/os é uma proposta que ainda não chega a todas as escolas, mas que neste trabalho é possível vislumbrar, que existem docentes que já trazem para o diálogo a superação do discurso padrão, envolvendo cada uma/um na busca por uma nova forma de olhar/perceber a sexualidade adolescente, jovem e adulta, de todo sujeito presente na escola e em seu entorno. Trazer para a conversa as questões de gênero, a diversidade sexual e as diferenças traz cada sujeito escolar para o centro das discussões convidando-o a pensar sobre estes temas e problematizando as práticas normativas adotadas. Nos auxiliando, Marcio Caetano (2013) afirma que: Ao ponderar o sexo como um feito a esclarecer, em vez de fato, por si explicativo, o conceito de gênero passou a responder, no plano prático- teórico-prático, ao propósito de colocar a questão das diferenças entre os sexos na agenda das investigações acadêmicas e das atenções das políticas públicas, retirando a questão sexual do domínio exclusivo da Biologia e orientando suas análises no sentido das condições históricas e sociais da produção de cultura (p. 39). Gênero e sexualidade estão o tempo todo imbricados e envolvidos no fazer acontecer as relações sociais e afetivas, que podem incluir ou não as relações sexuais. É importante frisar que as sexualidades vão muito além de apenas pensar em contatos sexuais, em suas mais diferentes e variadas possibilidades, mas antes disso e para além disso, estão inseridas nas relações sociais de cada grupo e cada sujeito em constituição. As sociedades demarcaram, desde muito cedo, determinados papeis a serem desempenhados por homens e mulheres, e a escola é instrumento desse processo disciplinador do qual nos fala Foucault (2009). Por isso, é relevante notar na escola, os caminhos que estão sendo seguidos para trazer as falas e maneiras de pensar esses papeis, como oportunidade às/aos alunas/os e à comunidade escolar. De acordo com Silva Junior (2013), “as relações entre gênero feminino e masculino se configuram como construções socioculturais e históricas, cuja compreensão não se limita a diferenças biológicas de sexo e admite possibilidades de transformações” (p.82). O professor Paulo, em concordância com essa afirmação, ainda destaca que na sua opinião: “falar de gênero e sexualidade não é só falar de saúde e métodos contraceptivos. Vou falar do uso da 122 camisinha e o menino pode estuprar a menina usando camisinha. A discussão tem que discutir respeito e não só discutir saúde, como tem colega que discute só isso”. E ainda argumenta de que é necessário lançar mão de diferentes formas de falar, pois “os discursos são diferentes para o menino de 11 anos e para o menino de 14. Ai a gente tem que perceber o amadurecimento do menino35, porque alguns tem noção de sexualidade, alguns até já podem ter uma vida sexual, mas a maior parte pode ver isso ainda como um assunto tabu”. Compreender a discussão de gênero e sexualidade como um campo discursivo dinâmico e abrangente é importante, para que alunas e alunos tenham acesso a linguagens e recursos que agucem sua curiosidade e vontade de saber. Paulo aborda em sua fala, a necessidade de usar a sensibilidade para perceber os caminhos a serem adotados, já que vários fatores influenciam a compreensão de cada aluna/o que o ouve nos momentos de suas aulas e nos encontros que se dão cotidianamente nos espaços da escola. Ele destaca a relevância de se levar em conta desde a faixa etária até o contexto social do público que o escuta, discute e argumenta com ele. Além disso, chama a atenção para a importância da relação que se constrói entre professor/a aluno/a, segundo o qual, “é preciso conhecer o aluno. O que você vai dizer no 9º ano não é o que você pode entrar no 7º ano e dizer. Outro dia eu estava no 6º ano e o menino me perguntou: professor, o que é virgindade? Eu disse: imagine uma garrafa de Gatorade, você abre a tampa e o que tem? Um lacre. Agora ele passa por mim e fala ‘Ô professor, e a garrafa de Gatorade’? Acho que eles nunca mais tomaram Gatorade (risos). Mas a gente tem que falar de uma forma lúdica” (Paulo). Durante a prática da ação docente, podemos perceber as mais variadas formas de cuidar, que inclusive, extrapolem o que o autor sugeriu, mas que nos inspiram para nossas ações cotidianas na escola. Michel Foucault (2011), em diferentes momentos de sua obra, nos fala que “o conhecimento de si, está ligado ao conhecimento da verdade [...] e à relação circular entre esses dois tipos de conhecimento e o cuidado de si mesmo”. Para Foucault, o conhecimento de si não persegue o voltar-se a si mesmo, mas a renúncia a si (CASTRO, 2009, p.95). Nesse sentido, a ideia do cuidado de si pode ser entendido como o momento, em 35 É muito comum que as/os professoras e professores que construíram comigo esse diálogo, usem a palavra menino, ou meninos para se referirem, de forma generalizada, a todas e todos as alunas e alunos de suas turmas, de sua e de outras escolas. Isso aparece de forma reiterada no texto, sendo tratado dessa maneira, pois elas e eles assim falam e assim foi transcrito e é aqui apresentado, sem modificações, cumprindo o compromisso fundamental de me manter fiel às falas de cada uma/um. 123 que cuidar do corpo e da alma torna-se a mesma ação, na qual esse cuidado de si torna-se parte indispensável da vida individual, estendendo-se a todo o percurso da existência, começando na adolescência, chegando à vida adulta e à velhice. De acordo com Silvio Gallo (2007), Se o problema do sujeito é a questão central no pensamento de Foucault, sua preocupação se volta para o sujeito como produtor de saberes (como em As Palavras e as Coisas), para o sujeito nas relações de poder (como em Vigiar e Punir) e, finalmente, para o sujeito em relação consigo mesmo (como em O Uso dos Prazeres e o Cuidado de Si). [...] Quando se trata das questões éticas nas relações do sujeito consigo mesmo, isto é atravessado pelos problemas dos saberes e das relações de poder (GALLO. 2007, p. 178). Quando temos docentes que se apropriam do cuidado com o outro, com suas necessidades e capacidades, a partir de si mesmos, levando em conta as suas subjetividades, enquanto se colocam como parte das atividades de desenvolvimento dos saberes na escola, admitindo as relações de poder ali existentes e em ação, essa forma de cuidar pode ser exemplificada pelo o que o professor Paulo nos descreve acima, quando o mesmo destaca o cuidado em como falar com cada turma, com cada aluna/o, tendo a preocupação de considerar suas idades e capacidades de entendimento e problematização daquilo que ouvem e discutem. Ao recorrer à ludicidade, na forma de analogia, para esclarecer a dúvida de um aluno, ele se propõe a ser claro, mas permanece com leveza em seu discurso, buscando provocar a atenção deste aluno e dos demais sem pretender transformar suas falas em prescrições. Lembramos, então, de Elizabeth Ellsworth (2001), quando a autora declara que “algumas pedagogias e alguns currículos talvez funcionem com seus alunos não por aquilo que ensinam ou pela maneira como ensinam, mas pelo “quem” que colocam à disposição dos estudantes” e que é ““quem” que estimula sua imaginação a serem e a agirem de uma determinada maneira” (p.48). A professora Ana Paula, que leciona história na Escola Municipal Cora Coralina, traz novas perspectivas à nossa conversa, já que atua em uma escola que recebe alunas/os de todas as regiões da cidade, alguns com problemas sociais, alguns sob tutela do Estado, do conselho tutelar e outras instâncias públicas e jurídicas. Sobre isso, ela diz, quando perguntada como se dá a abordagem dos temas Gênero e sexualidade em sua escola, que: “bom, eu vou te falar de algumas tentativas de abordagem, principalmente com relação ao respeito à diversidade. Questão de… Falar sobre a questão de gênero, essas questões assim muito específicas, até não se entra tanto nesse mérito, não”, o que pode sugerir que o falar, o não falar, o como falar destes temas difere bastante de uma escola para outra e, nesse caso, 124 estamos falando de uma escola com perfil de alunas/os e projetos pedagógicos um tanto diferentes, segundo a professora, que esclarece “A gente tem três turnos. O primeiro turno é um turno que agrega um número de alunos dos anos iniciais. Principalmente… que a gente falava de primeira a quarta, né? Hoje é primeiro ao quinto ano. Muitos meninos fora da faixa etária… Então, a gente tem meninos que chegam pra gente com dezesseis, dezessete anos para aprender a ler e a escrever. E isso é uma realidade bem diferente. Muitos não são, é… bem tratados. Não eram bem tratados nas escolas de onde eles vieram. Não é só caso de déficit de atenção. Muitos já têm problemas de envolvimento com droga… Alguns são assistidos de alguns programas da prefeitura, né? A gente tem esse público de manhã. A tarde, mescla um pouco. De quinta até oitava série, né, de sexto ao nono ano. Mas, à noite, a gente tem o público de adultos” (Ana Paula). Refletindo a partir do exposto pela professora Ana Paula, podemos perceber que as diferenças de faixa etária, somadas às condições sociais das/os alunas/os que frequentam os três turnos desta escola trazem demandas diferenciadas quando se trata destas e outras discussões, em que algumas são buscadas e outras são evitadas. Segundo a professora, em sua escola, ainda levando em conta os perfis de público dos três turnos, é possível dizer que “Existem três perfis diferentes. Até um mesmo professor que trabalha nos três turnos diferentes, a postura é diferente. O que que é o primeiro turno? Se você levar isso, se levar alguma questão relacionada à sexualidade dentro da sala de aula, eles vão falar coisas absurdas pra chamar atenção. Eles vão falar até como fazem, se sobem no lustre ou não. Então, eu acho que esse professor do turno da manhã evitar falar ao máximo. Só em momentos, assim, que não tem condição que eles fazem abordagens pequenas e assim… pronto, acabou. Tipo assim, a vida é dele, ele faz o que ele quiser e pronto, vamos seguir adiante. O turno da tarde é um pouco mais aberto. E o turno da tarde, os adolescentes são mais curiosos” (Ana Paula). Dizendo ainda do público que frequenta a escola, Ana Paula, declara que no turno noturno, o público é mais adulto e, por isso, “alguns professores trabalham e falam abertamente sobre a questão da sexualidade… De defender mesmo, né? A questão do respeito, isso e aquilo. Talvez por isso eles se acharam tão à vontade de trazer uma palestra”, afirmando que um professor da universidade foi convidado para falar sobre sexualidade para as/os alunas/os do curso noturno, mas apenas uma vez. Porém, a esse respeito, temos na fala de outro professor, a ideia de que “relação de gênero pra mim não é uma questão só de falar de homossexualidade mas também de falar do lugar do homem, do lugar da mulher, porque que menino brinca com carrinho, porque que menina brinca com boneca, como é que se forma essa relação ao longo do tempo” (Paulo). Com essa fala, o 125 docente demonstra a abertura para ampliar a discussão e fazer as necessárias relações entre as questões de gênero e as sexualidades em sua abordagem. Uma característica de trabalho que foi bastante comentada também, durante nossas conversas, foi o direcionamento da discussão para algum conteúdo específico, em geral, de ciências, como o professor Paulo sugere que ocorre, ao dizer que é comum que na escola se ouça: “por que o professor de história vai falar disso? Por que o de geografia vai falar disso? Isso é uma coisa que… a educação da sexualidade… é coisa lá da professora de ciências e pronto”, ou quando outra professora problematiza o discurso conteúdista36, “Então, parece que pra alguns professores, não vou dizer todos, essa coisa assim… A aula é o seguinte, eu chego, dou a minha matéria, o aluno aprende, ele vai embora pra casa e não questiona nunca. A partir do momento que começa a haver questionamento ou houver situações que saiam do cotidiano, não tô falando pra todo mundo, pra alguns professores, né, saiu do cotidiano… já fica complicada a situação de trabalhar” (Marília). O professor Paulo ainda complementa, “do ser do outro, né? Nunca é uma tarefa sua. Se você tenta impor aí passa ela pro outro”, justificando a recusa em participar da discussão “por esse medo e talvez por essa indisposição a se despir desses preconceitos e ir pra frente e se colocar nesse debate, se colocar nessa guerra de fato… em todo esse conflito”. Mostra-se, aqui, uma relação que envolve o poder de quem define o conteúdo a ser abordado e a quem cabe, às vezes, apenas ouvir. A esse respeito Foucault (2013), ao discutir a microfísica do poder, sugere que o exercício deste seja realizado como um processo contido em uma relação e não como um aspecto que se possui, ou se aprende (p.82). O exercício do biopoder na escola pode colaborar para “a dificuldade de aceitar as subjetividades que diferem da heterossexualidade” (LOONGARAY &RIBEIRO, 2015, p. 321). As falas em questão sugerem que ainda se espera a abordagem conteúdista, sem o trabalho interdisciplinar sugerido pelos PCN para o ensino médio, segundo o qual O conceito de interdisciplinaridade fica mais claro quando se considera o fato trivial de que todo conhecimento mantém um diálogo permanente com outros conhecimentos, que pode ser de questionamento, de confirmação, de complementação, de negação, de ampliação, de iluminação de aspectos não distinguidos (BRASIL, 2000, p.75). 36 Se referindo a docentes que se limitam a discutir sua disciplina específica, não ampliando a discussão para temas e assuntos que não constem de seu material ou guia didático anteriormente prescrito. 126 Mesmo considerando que os investimentos na construção das abordagens interdisciplinares ainda ficam bastante aquém do que poderia ser feito, a sua utilização, enquanto discurso formador dos projetos pedagógicos de muitas escolas é frequente. Porém, quando se trata de desenvolver, efetivamente, nas escolas, uma proposta moldada nesse propósito, isso muitas vezes não acontece. A inserção de novos recursos, como a utilização dos meios midiáticos, e a exploração de espaços não formais de educação ainda são pouco utilizados no auxílio às demandas das discussões de gênero e sexualidades. De acordo com Deise Loongaray e Paula Ribeiro (2015), Além de nos educar de alguma forma, a mídia também produz, estrategicamente, modos de controlar nossos corpos e nossas subjetividades. A partir de discursos de diversos âmbitos, de diferentes campos de saber, a mídia também produz uma forma de discurso próprio que captura os sujeitos e tende a produzi-los. Esse discurso está entrelaçado ao mercado de consumo que, em seus produtos, institui coisas de menino e de menina, por exemplo, mediante as cores, as características atribuídas a cada mercadoria, que refletem na distinção daquilo que é do universo feminino e do universo masculino, que acabam reiterando os discursos hegemônicos sobre as feminilidades e as masculinidades (p.322). Esse modelo está presente na escola, nas falas e nas ações dos sujeitos dos espaços educativos37. As declarações dos entrevistados e entrevistadas demonstram que é frequente, ainda, a fragmentação do conhecimento, assim como um certo isolamento disciplinar, segundo o qual, muitas vezes, ainda fica cada um no seu nicho, quando investir nesse modelo de prática pedagógica mais compartilhada e democrática pode significar ações, que proporcionem as aprendizagens desejadas para os alunos e alunas de hoje. 4.5 A relação escola/religiosidades e seus desdobramentos/atravessamentos A escola sempre esteve ligada às demais instituições sociais, ajudando a compor a sociedade e como parte de sua construção. Muitas vezes foi, e ainda é, usada de acordo com interesses e necessidades que, nem sempre, estão diretamente relacionadas aos objetivos educacionais e pedagógicos dos quais partimos para a construção de uma educação 37 Utilizo aqui o termo “espaços educativos” para me referir às instancias onde a constituição dos sujeitos se dá de maneira mais frequente, com base em discursos e normatizações padronizadas, representados pela escola, mas também pela família, pela igreja, pelos espaços de lazer, e outros. 127 democrática. Muitos documentos, instruções, práticas e resoluções, que compõem as referências educacionais, as quais nos são transmitidas enquanto nos constituímos, é proveniente das relações estabelecidas entre nós e as instituições sociais, incluindo aí a escola. Em todas essas relações a construção dos valores que nos são disseminados mantêm, frequentemente, alguma relação à forma como a religião entende e transfere para seu discurso o cotidiano no qual vivemos. A partir disso, desde muito tempo, quando discutimos educação, isso significa ter em conta os atravessamentos que a religião representa nesse fenômeno e vice versa. Quando se trata de trazer para a escola as discussões de gênero e sexualidades, abordando as diversidades e diferenças, o discurso religioso aparece com toda força e expressão. Segundo Marcelo Natividade e Leandro Oliveira (2013), As relações entre diversidade sexual e religião são plurais. Existem discursos que incorporaram a diversidade sexual ao seu quadro cosmológico e doutrinário (como os afro-brasileiros e segmentos minoritários do protestantismo) e aqueles que a excluem. Grupos religiosos tanto podem endossar demandas dos movimentos LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais) como podem atuar pela sua obstrução. Podem expressar ideias e práticas homofóbicas, como podem também realizar a crítica social das desigualdades que atingem homossexuais (NATIVIDADE & OLIVEIRA, 2012). Nas escolas nas quais pesquisamos, ouvindo docentes a respeito do assunto em pauta, pudemos notar que a influência religiosa que paira sobre aqueles espaços e ajuda a constituir os sujeitos que os povoam estão, em sua maioria, relacionando-se com denominações religiosas cristãs38, que em geral praticam o discurso da aversão e do combate à diversidade sexual e à igualdade de gênero. Muitas vezes esse discurso traz afirmações equivocadas, que não correspondem aos reais significados desses movimentos e possibilidades. Sobre essa discussão e as relações que se estabelecem a partir delas, a professora Marília declara que “tem uma coisa forte lá na escola que é a religião, uma grande parte dos nossos alunos, eles são evangélicos e eles já falam, “isso não é de Deus””, se referindo às possibilidades de exercício da sexualidade que se diferem da heterossexualidade e, muitas vezes, também há faces fundamentais das relações de gênero, como a busca de igualdade entre mulheres e homens, tendo em conta que muitos segmentos religiosos 38 Denomino aqui de religiões cristãs, os segmentos que se apresentam nas falas das/dos professoras/professores que conversaram comigo, e que deixam claro que se referem à católicos e “evangélicos”, como são chamados os seguidores de diversos segmentos cristãos, em igrejas neo pentecostais. É sabido que esse termo pode ser bastante ampliado, mas, nesse caso, se refere a esses grupos, pois é deles que as vozes falam durante a pesquisa. 128 trabalham e pregam a ideia de uma superioridade/autoridade masculina, que, segundo tais denominações e suas interpretações está prescrito nos textos bíblicos. É comum, segundo as/os entrevistadas/os ouvirem afirmações como essa ao se falar em sexualidades e gênero dentro das escolas. Com frequência as/os docentes se deparam com os discursos de resistência, associados às questões religiosas e tem como objetivo, frear as discussões, fazendo da escola um braço do exercício de fé, destas várias denominações. Como explica outro entrevistado, segundo o qual é frequente que a presença da influência religiosa traga um efeito intimidador para o trabalho docente. Paulo nos conta da dificuldade em encontrar a melhor forma de abordar tais temas, contando uma situação de quando recebeu, de uma aluna do 7º ano, a pergunta “o que é sexo oral”. Diante da busca pela forma de elaborar a melhor resposta à dúvida da aluna e o temor de represálias, o professor nos conta: “Você não sabe o que vai vir. Lá, o pai que vai vim e vai falar “como você tava ensinando sexo oral pra minha filha?”. Então, há o receio disso… do que vai vir de casa, da família. Há o receio de como você vai ser visto entre os seus pares e há a aceitação da própria comunidade. Quando a gente falava de religião, a gente abriu isso aqui falando disso hoje, isso é um fator muito forte, isso não é algo pra ser tocado dentro de casa. A sexualidade é algo pra ser vivido no privado. Portanto, a escola não é o lugar de se tocar nesse assunto. E me chama a atenção a ideia de que sempre essa questão pode ficar pro futuro. A escola deve se preparar, talvez ainda não estejamos preparados, então é a coisa do futuro, mas que sempre vai ser futuro se não virar presente em nenhum momento”. O professor Paulo faz em sua fala uma associação entre os assuntos religião e sexualidade, colocando-os no mesmo patamar de complexidade, quando se trata de definir e adotar uma certa abordagem. Além disso, ele também sugere uma associação entre a ação da religião, somada à possibilidade, sempre presente, de interferência da família, classificando professoras/es e alunas/os e direcionando-os ao permitido e ao não permitido, nas ações e discursos docentes. Trazendo Castro e Ferrari (2013) para esse diálogo, os autores afirmam que “classificar nos organiza porque aciona uma série de saberes que colocamos em prática para pensar a ação e os lugares dos sujeitos, como no caso dos pais que em suas formas de agir, faziam uso de saberes hegemonicamente construídos sobre os lugares de homens e mulheres (p.74)” estabelecendo, assim, o lugar também do professor/da professora e o que cabe ou não em seus discursos. Isso nos sugere a estreita relação estabelecida entre esses temas na sala de aula. A/o professor/a também discute novamente a preparação da escola para as abordagens em questão, bem como a prática, segundo ele, comum, de deixar essa discussão para depois, quando no futuro, finalmente esse momento chegar e todos estiverem 129 devidamente “preparados”. Ele argumenta a favor de se fazer a discussão desde já, pois como declara, “o futuro precisa virar presente” (Paulo). Mais uma das participantes, professora de geografia, narra que ao tratar de questões ligadas à saúde no continente africano, a conversa é atravessada por questões de sexualidade e religião, já que o tema da AIDS é recorrente como questão de saúde pública naquela região. Marília nos conta que: “Eu tava trabalhando até uma situação, no nono ano, trabalhando com país africano. Você pega ali entre dez adultos, seis já tem o vírus da AIDS e aquela formação daquelas comunidades, que o homem pode ter quantas mulheres ele quiser, a iniciação sexual é feita muito precoce [...] E a proibição do uso de preservativos, não tem informação, a taxa de analfabetismo […] “Dona Marília, a doença passa, eles tem que usar camisinha”. A outra falou assim “não, a igreja não permite”, né? Aí no sentido que ela falou igreja, ela falou que a igreja dela é evangélica, mas a católica também não permite”. Ao trazer as concepções de cada religião para a escola, configura-se, nesses espaços variadas discussões, diferenças, e a possibilidade de conflitos ideológicos, que significam, em última análise, obstáculos ao trabalho docente, a partir do momento em que as influências dos movimentos religiosos presentes se sobrepõem aos temas que são caros à educação contemporânea. Colaborando conosco, nesse sentido, Roney Polato de Castro (2014), afirma que Diante do cenário político-social brasileiro contemporâneo, um dos principais desafios às discussões sobre as relações de gênero e sexualidades sob o viés do reconhecimento dos direitos fundamentais, da visibilidade de sujeitos e práticas não-hegemônicas e do enfrentamento aos preconceito e violências, está na relação com as experiências religiosas subjetivas e com o recrudescimento de uma moral-religiosa pautada na manutenção da heteronormatividade e dos binarismos de gênero (p.189). O professor Paulo traz também que “a palavra do pastor é muito mais forte que a minha, é! Então a sensação que eu tenho é que eu não quebro pré conceitos, eu quebro ele momentaneamente”, e acrescenta, “eu tenho quatro aulas com o menino, mas ele tem todas as noites em casa e todo final de semana ele está na igreja”, referindo-se ao cabo de guerra que se forma, às vezes, entre as falas de professoras/es e as abordagens contrárias que alunas/os ouvem, de forma reiterada, em suas famílias e igrejas que frequentam. Além dos espaços das igrejas é importante que levemos em conta os demais espaços de vivência religiosa que são, muitas vezes, combatidos e tratados com preconceitos na sociedade e, também, nas escolas, como é o caso dos terreiros de Umbanda, Candomblé e 130 outras expressões de matriz africana. A esse respeito, o professor Cristiano descreve, a partir de sua experiência cotidiana: “Falando de qualquer religião afro, no dia que eu levei pra sala de aula assim, eu até levantei, vocês sabem qual região do país que mais tem terreiro de Candomblé? Eu li isso em um artigo isso de uma amiga. Na, Bahia, Bahia! Eu falei não, região sul do país, é a região que mais tem terreiro de Candomblé e a maioria dos praticantes do Candomblé, se você pegar e ver são brancos, então você começa a criar algumas coisas, as pessoas tem a macumba como algo que é só pra fazer mal, e essas mesmas pessoas que sofriam esse preconceito, hoje elas tem preconceito”. Muitos dos preconceitos, os quais o professor se refere, podemos relacionar às formas de viver e ter prazer que cada uma(um) encontra para dar sentido à sua existência e que é tratada como “pecado” por muitos segmentos religiosos, sobretudo, no caso de nossa pesquisa, os segmentos cristãos, que são os que encontramos no nosso campo. Não nos deparamos com alunas/os, professoras/es das escolas pesquisadas, que declarassem ou fossem referidas como tendo uma prática religiosa diferente de uma das denominações cristãs mais comuns em nossa sociedade. Em uma fala docente isso fica bem evidente: “Eu percebo que algumas religiões, ou talvez alguns religiosos, não a religião como um todo, eles tentam suprimir determinadas atitudes, atividades relacionadas ao prazer porque, eu penso que o prazer é algo que liberta porque uma pessoa feliz é uma pessoa que pensa. Nem sempre, né, mas uma pessoa que tem condições de ter uma vida diferente do que às vezes é proposto pela igreja. Então (...) O prazer sempre foi visto como pecado” (Paulo). “a gente tava falando de Roma, né, Grécia. Eu expliquei que a mulher era pra ter filho. Prazer não era” (Marília). A relação que se estabelece entre o discurso religioso e as possibilidades de prazer estão em discussão na escola, fazendo parte das abordagens possíveis a ser adotadas por docentes, desde a educação básica. Segundo Ana Paula Vencato (2014) É preciso que deixemos de lado ideias de que a escola não tem de lidar com a sexualidade e com outros marcadores sociais da diferença. A escola é um espaço importante da sociabilidade de crianças e adolescentes, e limar a instância dos desejos e afetividades desse espaço é uma forma de exclusão. Além disso, o mesmo silêncio que exclui, também deixa a porta aberta para as discriminações e violências diversas. Faz parte de nossa função como educadores e educadoras garantir uma escola de qualidade para todas as pessoas, no qual todas elas estejam representadas (p. 30). 131 Outra questão interessante que surgiu na constituição do campo empírico é sobre a ideia de oferendas às igrejas, que de acordo com cada segmento, tem configurações variadas, tais como: o dízimo, doações, ofertas ou ainda oferendas que não são apresentadas na forma de moeda/dinheiro, como por exemplo, nos rituais das religiões de matriz africanas. Para a professora Marília, “eles não conseguem relacionar que, por exemplo, dizem que eles pagam, o que eles contribuem durante o culto é uma oferenda, eu falei gente, o Candomblé é a base de oferenda, mas essas não são bem vistas, né”, Paulo complementa dizendo que trabalhar tais questões pode ser “extremamente difícil, quando você trabalha com isso, você trabalha com santo africano, religiosidades distintas, africana, indiana, as religiosidades asiáticas, islamismo”. Ele reitera que “o menino não consegue compreender que a lógica da religiosidade dele é a mesma lógica de outra religiosidade, que ele faz os rituais, o ritual de lá de, por exemplo, de curar o indivíduo é o mesmo ritual que ele tem na igreja dele”. Neste momento, deixando claro a forte influência dos segmentos religiosos sobre a escola e suas ações, seja como instituição que participa da definição de conteúdos a serem abordados, influenciando, assim, na construção do currículo, seja o currículo oficial ou o currículo oculto, interferindo na liberdade de atividade de cada docente, seja pelas crenças pessoais de cada uma/um, que ao chegar à escola a traz consigo e nela se baseia para conduzir seu trabalho, ou na forma de influência exterior, como quando pais, pastores, padres e/ou outros representantes, que chegam à escola trazendo suas críticas e até imposições. Analisando essa como uma das situações corriqueiras no cotidiano escolar, Cristiano diz “É interessante essa questão, porque o pastor na igreja ou líder religioso, ele pode falar o que ele quer, então ele pode falar que o cara da Umbanda, do Candomblé é coisa do capeta, ele pode falar que professor que trabalha gênero é um cara com pensamentos demoníacos, que tem que ser expurgado, agora o professor não pode ter um discurso na sala de aula, levantando determinados temas, então isso acaba sendo uma disputa até, em alguns momentos, desleal, porque o cara fala do jeito que quer, da forma que quer, tem uma influência e muitas vezes o professor, ele é inibido, né, ele é impedido de falar livremente e assim fazer o seu trabalho”. Segundo todos os docentes com quem conversei, a presença de práticas religiosas é comum nas escolas campo. Seja na forma de imagens em algumas dependências, celebrações em datas com significado cristão, ou outros motivos que surjam no cotidiano: “a reunião de professores que começa com uma prece (Paulo), “e geralmente é o diretor quem pede pra alguém fazer a prece”. A prática está tão normatizada nas escolas que não aparece a descrição 132 de uma preocupação se alguém possa não se sentir confortável nessa (im)posição. Segundo Paulo “a prece (...) aquilo já incomoda, incomoda porque é a igreja dentro da escola”. A laicidade é um mito? Como agir na escola, diante das (im)posições religiosas que se destacam, influenciando direta e indiretamente no currículo e nas práticas docentes? Sobre isso, Kelly da Silva (2015), nos auxilia, convidando a pensar que A definição das bases da formação, diversificadas no contexto de uma política nacional de Educação, ganha grande importância ao problematizar as diferentes concepções de Educação e de educador que estão em debate nas circunstâncias atuais. Um educador que questiona quais são os efeitos das práticas que ele estabelece nas relações com os seus educandos “se dispõe a pensar a postura de suas escolas e a ver como essa postura pode impedir ou tornar possíveis diálogos com outros professores ou estudantes” (p.90) Segundo a professora Marília, as discussões devem acontecer, mesmo com risco de gerar desconforto e resistência por parte de representantes de segmentos religiosos. Ela conta que em suas aulas ela se posiciona. “Então, eu falo sim, é muito gancho que você tem pra trabalhar isso. Às vezes não uma questão, é, puramente sobre a abordagem, sobre isso… Nas nossas aulas a gente tem como puxar muita coisa. Mas é aquela questão, é o medo, você vai falar de camisinha, vai ficar falando do pastor, né? Mas eu falo que o professor, ele é um instrumento. Eu não queria usar a palavra instrumento, mas ele é um instrumento”. Partindo da fala desta professora podemos pensar a importância da prática docente se reinventar, se renovar, se abrir à possibilidades de abordagem surgidas através das conversas cotidianas entre professoras/es e alunas/os, “colocar sob suspeita o próprio conhecimento – as formas de se conhecer e de elaborar saberes – ou seja, a relação dos sujeitos com aquilo que chamamos “realidade”” (CASTRO & FERRARI, 2013, p.69). E ainda podemos pensar com Britzman, quando a autora relaciona as influência e exercícios de poder de fora dos muros escolares, que chegam para atuar na constituição dessa realidade: “para fora da escola, a família é igualmente um local no qual o aparato estatal exerce seu papel de disciplinamento” (BRITZMAN, 1996, p.81) 4.6 As violências estão na escola. Ao começar o campo da pesquisa me deparei com relatos de docentes e gestores, que destacavam a ocorrência de violência nas comunidades, nas quais suas escolas estão inseridas 133 e, às vezes, nos próprios espaços das escolas. Essa constante conversa a respeito da violência na escola sugere uma vivência entre docentes e comunidade escolar, que extrapola a prática de um conteúdo, demonstrando o envolvimento com o contexto, no qual a “sua” e outras escolas estão envolvidas. Alexsandro Rodrigues e Márcio Caetano (2016), debruçados sobre os estudos cotidianos e suas contribuições, nos dizem que “é preciso estar na escola: sentir o cheiro da escola, os movimentos, ouvir as professoras e os alunos, compartilhar de suas angústias e alegrias” (p.22), e foi o que percebi, ao entrar na escola para conversar com as/os docentes, que com esse exercício descortinam possíveis realidades nas quais suas/seus alunas/os estão imersos. Sobre os sentidos possíveis dados ao termo “violência(s)”, Marilena Chauí (1995) descreve como o “uso da força física e do constrangimento psíquico para obrigar alguém a agir de modo contrário à sua natureza e ao seu ser” (p.337). Buscando vislumbrar os processos que envolvem as violências narradas durante nossos encontros, volto à localização geográfica das escolas pesquisadas, nas quais estive várias vezes; acredito que foi bastante proveitoso o fato de poder contar com duas escolas de bairro e uma localizada no centro da cidade. Sendo Juiz de Fora uma cidade com aproximadamente 560.000 habitantes no fim de 201639, isso nos permite vislumbrar que, uma escola no centro da cidade, guarda distâncias consideráveis de alguns de seus bairros mais distantes. Porém, a escola central, Escola Municipal Cora Coralina, na qual sediamos parte da pesquisa, recebe alunas e alunos de muitos bairros, sobretudo, da periferia da cidade, pois se trata de uma escola que pretende atuar com uma proposta pedagógica diferenciada, buscando atender a alunas/os que estão fora das faixas etárias e/ou foram “expulsos”40. A violência como tema esteve presente em praticamente todas as conversas, mas de forma mais efetiva na entrevista com a professora Ana Paula, pois ela destaca que este é o principal assunto de interesse de alunas/os e professoras/es nessa escola. Segundo essa professora, “Não está sobrando espaço pra questão da sexualidade porque, a nossa demanda agora tem que ser a questão da violência e da droga mesmo. Não 39 Valores aproximados, de acordo com estimativa do IBGE. Disponível em: http://www.cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?lang=&codmun=313670 Acesso dia 30/12/2016, 17:00h. 40 O termo “expulso” foi utilizado pela professora da escola que participou da pesquisa e é comumente utilizado para se referir a alunas/os que tiveram problemas disciplinares graves em outras escolas e por isso receberam uma transferência, tendo que procurar outra escola. Nesse caso a Escola Municipal Cora Coralina se propõe a receber essas/es alunas/os e atendê-los. 134 que isso não … desmerece nenhum tipo de tema. Mas a grande maioria dos meninos estão envolvidos com droga. Já se envolveram em “n” situações até de furto, né, de estar assistido judicialmente. Então você percebe que a questão da violência nem é tanto questão de violência física, não. A questão de ameaças, né… Esses meninos vivem… Se não pagar até tal dia eles podem ser mortos. Eles são ou aqueles que vão ter que matar pra poder viver, né? [...] As meninas estão bem envolvidas também. Mas o fato dos meninos, a grande maioria é infrator em função do uso da droga. E no caso das meninas, eu percebo que existe um medo maior com relação à própria sociedade perceber que elas também são usuárias” (Ana Paula). Essa declaração nos instiga a pensar o que faz com que algumas discussões sejam privilegiadas em certos espaços e não outras. Os critérios que são utilizados para definir os temas das conversas e abordagens a serem utilizadas com os discentes são ditados por demandas vindas da comunidade, ali representada pelas/os alunas/os, principalmente, seguida pelas influências de família e outras instituições que já citamos e/ou discutimos anteriormente. A professora Ana Paula sugeriu, em suas falas, durante a entrevista, que a violência e as discussões em torno daquilo que a envolve é tema tão frequente quanto urgente nos projetos e planejamentos que se faz nesta escola, na qual atua com jovens e adultos, porém em sua fala, não relaciona as questões de gênero e sexualidade com os episódios de violência que caibam nessa abordagem, embora reconheça que esse tipo de violência existe. Marcio Caetano (2013), nos chama a atenção, entretanto, para o fato de que “na escola, a atitudes de hostilidade às identidades sexuais dissidentes são capazes de gerar inúmeras situações de violências homofóbicas” e, portanto, podemos pensar que diante da atenção voltada para outras demandas consideradas urgentes, possam estar sendo ignoradas. Segundo o mesmo autor: “algumas (dessas violências) que não se encontram na esfera dos números e dados quantitativos, são vivenciadas no silêncio e ocultadas na invisibilidade” (p.61). Também temos nas falas das/os docentes das escolas municipais Chiquinha Gonzaga e Heleieth Saffioti, representações e descrições de eventos de violência como eventos presentes nesses espaços. O professor Paulo relata que, ao discutirem possibilidades de abordagem de temas variados, para além do currículo formal, aparece com frequência o discurso da efetividade, ou falta dela, das discussões propostas e a vida prática das/dos alunas/os. Segundo ele e a/o colega que participa da conversa no grupo focal, aparecem questionamentos como: “Que promoção que vai ter esse menino? O que ele espera da vida?”, ao que, com frequência, é complementado por “vai virar bandido”. E Marília corrobora repetindo o que afirmam ser fala recorrente de docentes dentro das escolas “vai virar bandido”. Ainda de acordo com Paulo “isso é um discurso muito comum que a gente ouve”. Seguindo ainda com as falas docentes, nesse sentido, mais dois professores de outra escola, também endossam a 135 discussão: “a violência faz parte da conversa na rotina da escola. Toda semana, alguém fala de alguém que foi assassinado, ou que sumiu, ou que foi preso, sendo morador da comunidade, ou que já foi aluno da escola. Às vezes, ainda é” (Luiz Carlos), e “a comunidade onde nossa escola está é marcada pela violência, e muitas vezes tem a ver com drogas. Os meninos aqui começam muito cedo nisso” (Cristiano). É percebido nestes trechos uma dose de fatalismo sendo praticado na escola, como se algumas situações não tivessem solução, pois sempre foram assim mesmo. Entretanto, também percebemos que nas três escolas pesquisadas se encontram docentes que abordam questões sociais, as quais podem contribuir para o desenvolvimento da/do aluna/o de forma ampliada, com comprometimento e interesse pelo bem estar de toda a comunidade, porém, também é, tanto possível quanto comum encontrarmos outras/os que praticam o que o professor Paulo, inspirado em Paulo Freire, denomina de “educação bancária41”, afirmação com a qual a professora Marília concorda, assim como os demais entrevistados, quando questionados a esse respeito. Durante nossas conversas, o tema da violência apareceu de forma reiterada e também variada em suas conformações. Podemos perceber que as drogas dominam as conversas e as intervenções nas práticas pedagógicas de cada escola, mas a violência corretiva, nos casos de pais que não aceitam a orientação sexual de suas/seus filhas/filhos também aparece. Ana Paula relata, a partir de seu cotidiano, que, “eu tenho um pai de um homossexual que falou com todas as letras que expulsou o filho de casa quando descobriu quem era o filho” [...]. E teve uma outra que falou que deu uma “coça” na filha quando descobriu que ela estava querendo andar com mulher” (Ana Paula). Esta professora, entretanto, reitera que o interesse de alunas/os pela temática gênero e sexualidade é menor, em relação a outros temas, como drogas e violência, por exemplo, que segundo deixou claro em vários momentos de suas declarações, dominam a cena no dia a dia dessa escola. 41 Paulo Freire denominava o modelo tradicional de prática pedagógica de “educação bancária”, pois entendia que ela visava à mera transmissão passiva de conteúdos do professor, assumido como aquele que supostamente tudo sabe, para o aluno, que era assumido como aquele que nada sabe. Era como se o professor fosse preenchendo com seu saber a cabeça vazia de seus alunos; depositava conteúdos, como alguém deposita dinheiro num banco. O professor seria um mero narrador, nessa concepção de educação. Nessa narração a realidade apareceria como algo imutável, estático, compartimentado e bem comportado, como se fosse uma “coisa morta”. Fonte: www.dominiopublico.gov.br. Acesso em 02 de Janeiro de 2017. 136 “Em nenhum momento a gente percebe uma curiosidade dos meninos em relação… que não seja uma relação que não seja entre um homem e uma mulher. Não existe esse questionamento. Nem se na sala percebe-se que tem um menino homossexual ou uma menina homossexual. Eu não consigo perceber aqui na escola, isso é bem característico mesmo, a necessidade dos meninos de insinuarem nada. Porque em algumas escolas, quando a gente tem um público mais jovem, uma turminha mais imatura, onde você percebe que a sexualidade está começando a aflorar, onde eles estão começando a se descobrir sexualmente, você percebe indiretas, você percebe insinuações. Aqui tem esse respeito” (Ana Paula). Tomando a fala de Ana Paula como ponto de partida, sugiro um questionamento aqui: o interesse pelas questões de gênero e sexualidade realmente não existem ou diante de demandas consideradas mais urgentes, como as drogas e a violência mascaram esse interesse? O desinteresse é de fato das/os discentes ou a organização da escola, em função da realidade ameaçadora, na qual vivem suas/seus alunas/os faz a opção por discutir o que considera mais necessário, deixando de notar ou admitir outras demandas? É possível pensar que diante de relações de afeto e conflito, esperanças e ameaças, possibilidades e grandes barreiras, seja difícil vislumbrar o melhor caminho, se é que existe um melhor caminho. Para Cristiano é importante estar atento quanto à realidade, na qual as/os alunas/os vivem, em cada local. Ele afirma que, em suas aulas, mesmo sendo em educação física, ou talvez, principalmente, por isso, ele prioriza, nas suas discussões, de temas sociais, a violência, “e principalmente a violência urbana, né? A morte com relação aos meninos, a gente tem questionado muito isso”. Para Ana Paula, “a questão do envolvimento com a violência tá sendo o pior nó que a gente tem que enfrentar aqui” (grifo meu). A professora, conta acerca de uma abordagem, que durante um trabalho com alunas/os de várias turmas, em sua escola, na realização de uma dinâmica de grupo, três professoras fizeram a mesma proposta: “Dê um passo a frente quem já perdeu alguém ou um amigo relacionado ao tráfico. E foi geral. E não foi um… cinco… Conhecidos? Teve um que falou assim: nossa, não gosto nem de contar, catorze esse ano. Coisa que a mídia em Juiz de Fora não mostra de forma alguma. Então, assim, a questão da violência aqui na escola, é uma questão que a gente vai ter que começar a discutir e sério. Como também a questão das drogas, que a gente já trabalhou com eles vários temas relacionados a isso. Porque pra eles é comum. Usar é comum. Mas até que ponto compromete a vida deles, eles não tem essa noção. E a gente tem um perfil de pai de aluno que chega assim: não sei mais o que fazer com meu filho. Eu acho que a questão da sexualidade é o de menos para eles, os pais”. 137 De acordo com a fala da professora, a questão das sexualidades e das relações de gênero se torna “menor” diante de emergência geradas por outras formas de violência. Entretanto, é importante problematizar o alcance e as relações intrínsecas e extrínsecas, que se estabelecem entre as mais diversas formas de violência, discutindo que o combate tem que ser a todas as formas de agressão ao sujeito, seja violência física, simbólica, moral ou social. Outra discussão importante, que também apareceu, quando falávamos da violência, foi a criação, implementação e efetividade das leis de combate à violência, nesse caso, mais especificamente, leis de combate à violência provocada pelo tráfico de drogas, violência de gênero e sexualidades. Para Paulo “A pergunta que fica: a lei coíbe alguma coisa no Brasil? Eu acho que é necessário ter a Lei mas é necessário um amplo conhecimento sobre o respeito a diferença, e isso na escola deve começar do professor. Às vezes a pessoa tem um discurso muito lindo, mas quando chega na sala de aula, instalam as brincadeiras e reforça os preconceitos”. Todas/os as/os docentes em diálogo conosco nessa pesquisa concordam que é indispensável a ação da escola no sentido de esclarecer, que existem as leis e o que elas preveem, pois só a partir do conhecimento das leis é possível acessá-las quando necessário. Concordam, também, que essas conversas e intervenções devem se dar através de um planejamento, que permita lançar mão de datas comemorativas, projetos, diálogo com as instituições jurídicas e não apenas quando a violência que se relaciona à quaisquer leis se torna uma demanda próxima da sua comunidade. Marília exemplifica: “08 de março não tem nada comemorativo na escola, a gente não vê nada na escola, não tem sequer trabalho. Gente é que chega e fala: gente, hoje é 08 de março, mas é uma data importante que pode e deve estar previsto algum trabalho no calendário da escola”. De acordo com o professor Cristiano, as abordagens precisam “falar a língua dos meninos”, trazendo para intervenção, os recursos os quais eles têm acesso e ajudam a construir a visão de mundo que eles trazem e compartilham “Ou hoje, né, como a questão da internet. Tem determinados vídeos, situações que viralizam na internet que elas trazem discussões. Por exemplo, numa comunidade em que eu trabalho é o caso de uma menina que foi estuprada. Foram acho que sete ou oito meninos… A menina foi estuprada, uma situação, assim, bem difícil. Então, esse assunto virou comentário comum na escola. Se você ouve isso na sua aula e você não traz isso pra dentro da sala pra discutir e esclarece algumas coisas, aí essa situação não se perde. Inclusive, tinha professor da escola falando que a menina era, desculpa a expressão, puta mesmo, era piranha. Ela foi lá pra casa do 138 menino lá pra transar com um, então um monte pegou, a culpa foi da menina. Eu vi professor, com esse discurso, e o discurso geral dos alunos era o mesmo. E a menina com treze anos de idade”. As/os docentes ainda chamam a atenção, nesse caso, para as relações, que se estabelecem entre o preconceito e violência no sentido de legitimar/justificar as atitudes violentas. Marília contribui para a discussão, ao relatar “e igual àquela questão da roupa, né? Ninguém devia ser estuprado porque usa uma roupa assim. Aquela roupa… “olha a roupa que ela veio”, mas por que que ela não pode?”, dando a entender, que é comum o entendimento de que o estupro é uma violência, que se justifica sob determinadas atitudes da vítima. A esse respeito, Cristiano concorda e conta: “Nessa época eu tava conversando com os alunos, ela poderia ter transado com os sete. Se ela não quisesse ter transado com o oitavo e o outro forçasse transar com ela, seria estupro do mesmo jeito. Porque a questão do estupro não é se a pessoa é virgem, não é virgem, se já teve relação sexual, ou não teve, A questão é que o corpo é dela e é ela quem decide, e pronto. Isso não pode ser questionado”. Todas os relatos que ouvi se somam para formar essa parte do cenário, que fortalece a discussão a respeito da importância de perceber o papel da violência no contexto escolar. Todas as oportunidades de aprendizado e crescimento que a violência subtrai quando ela chega e se instala nesses espaços. Isso ocorre de forma abrangente, não só tirando das/dos discentes a oportunidade e o direito de aprender/apreender, mas também das/dos docentes, quando, de diversas formas, os direciona para algumas discussões e afasta de outras, quando os impede de problematizar situações de risco enfrentadas pelas/os alunas/os, obriga a priorizar uma tipo de realidade, que retira a possibilidade de conhecer/discutir/conviver com a riqueza de conhecimentos disponível para todas/os. Os autores Alexsandro Rodrigues, Hugo Souza Ramos e Ronan Silva (2012), chamam atenção para a necessidade do envolvimento das instâncias governamentais na busca por promover políticas de ação a favor dos direitos humanos na escola e na sociedade, Um governo democrático tem o compromisso político de promover, por meio de políticas públicas, ações de educação tendo em vista os direitos humanos, para que se possa discutir discriminação e violência nas escolas de forma governamental e não governamental. (p.174) 139 4.7 Sobre projetos na escola Trabalhar educação para as sexualidades e questões de gênero em qualquer escola sempre requer um investimento em recursos didáticos, pedagógicos e discursivos, que tragam para o debate os vários setores de cada uma, incluindo a comunidade, por meio das famílias das/os discentes, a quem, em geral, chegam as discussões e podem ser importantes também para estas. Uma prática comum e com resultados positivos, na maioria das vezes, é a criação e desenvolvimento de projetos que discutam os temas ligados, por exemplo, a datas significativas dentro dos assuntos a serem abordados: Em março, quando se comemora o dia internacional da mulher, como já sugerido aqui, é um momento em que muitas discussões podem ser desenvolvidas, como o papel que cada sujeito do sexo feminino desempenha na sociedade e como o gênero que lhe é designado ao nascer contribui para coloca-la nesse lugar, as estatísticas de violência contra a mulher em suas mais diversas configurações; o dia mundial de combate à homofobia/LGBTQI fobia, em 17 de maio, por ocasião da data que marca o combate às violências e discriminações contra a populações LGBTQI, trazendo para conhecer as várias possibilidade de exercício de gênero e sexualidades como lugares e práticas legítimas a cada cidadã/o. Essas e muitas outras datas podem ser utilizadas como disparador para o desenvolvimento de ações de conscientização, que tragam a comunidade escolar para o debate acerca de temas variados e que estão presentes em seus contextos. Reconhecer e compreender a presença na escola das múltiplas identidades, possibilidades de orientações sexuais dissidentes das normas é papel da escola e os projetos podem ser importantes nesse processo, uma vez que podem ser mantidos durante muito tempo, saindo da prática comum de uma discussão, apenas quando o assunto aparece. Debora Britzman (1996) apresenta o questionamento sobre “o que as representações da sexualidade homossexual oferecem aos/às jovens?” (p. 75). E perguntamos, ainda, de que forma essas representações estão sendo abordadas na escola? Para Britzman, a sexualidade precisa ser mostrada “como uma construção social contraditória e socialmente complexa” (p.81) e complementa ao afirmar que isso se faz necessário Tendo em vista esses constrangimentos institucionais – isto é, as invisibilidades legais e a criminalização das práticas sexuais, juntamente com a negligência cotidiana em validar as preocupações gays e lésbicas – não deveria surpreender que os jovens gays e as jovens lésbicas sejam 140 constituídos/as como um dos grupos mais isolados nas escolas (BRITZMAN. 1996, p. 82) (Grifo meu). Partindo desse movimento de problematizar as relações de gênero e sexualidades, podemos expandir as propostas, pensando que desenvolver a educação com base na inserção e desenvolvimento de projetos não se trata de lançar mão de uma técnica atraente, que possa transmitir aos alunos o conteúdo das matérias de forma mais eficiente. Investir em projetos significa repensar a escola, seus tempos, seu espaços, suas formas de lidar com conteúdos de diversas áreas e com o mundo da informação, inserindo as discussões relevantes presentes em suas realidades comunitárias e sociais; significa pensar na aprendizagem como um processo global, complexo e inter-relacionado. Atuar com projetos deve significar o rompimento com modelos de educação fragmentados e setorizados, permitindo que se recrie a escola, com a participação efetiva de todas/os que a compõem, mantendo e discutindo a realidade cultural de alunas/os e professoras/es em conjunto. Para as/os docentes que conversaram diretamente comigo durante a pesquisa, os projetos são fundamentais, para que se fomente as discussões a respeito dos temas que norteiam esse trabalho, assim como de outros que também são caros à educação contemporânea, como raça, classe, religiosidade, violência e outros, que foram citados ou esboçados durante nossos encontros e não necessariamente estão todos expostos aqui, neste texto. Porém, segundo as/os docentes entrevistadas/os, não acontecem projetos em todas as escolas pesquisadas, mesmo sendo do desejo de todas/os elas/eles. Ao dizer desse recurso e sua aplicação na escola, na qual atua, o professor Luiz Carlos afirma “Eu não vejo muito isso acontecer. Já teve, mas não é muito comum não. Já teve um no EJA, onde tinha uma rapaz, nem lembro o primeiro nome dele, mas o segundo era Amanda. Ele queria usar o banheiro das mulheres e as senhoras não queriam usar o mesmo banheiro que aquele rapaz. Ele passou a usar o banheiro dos meninos e isso foi um problema. Eu sempre o tratei por Amanda. A gente está tratando com indivíduos, cada um do seu jeito. Os professores tem que saber que estão lidando com pessoas diferentes e praticar o respeito” (Luiz Carlos). Nesta fala, o professor sugere que as/os alunas/alunos transgêneros, travestis estão na escola e que não há um debate ou conversa com as/os docentes e a escola sobre como atender às demandas mais elementares dessas/es alunas/os, como o uso dos banheiros e a adoção do nome social. O professor Paulo corrobora com a afirmação de Luiz Carlos ao dizer que “a gente faz isso no nosso cotidiano, em vários momentos, ainda que não tenha um conteúdo 141 específico que a gente trabalhe isso, quando a gente sente essa necessidade, a gente trabalha”. Ao se referir à necessidade, o professor diz dos episódios em que, com frequência, os temas e demandas da população LGBTQI chegam e permanecem na escola. De acordo com o Professor Paulo, quando se percebe “essa sexualidade dos meninos aflorando, a gente tem que discutir”, e essa discussão vai muito além do que consta nos livros didáticos, no currículo formal e na prática tradicional da escola básica. Castro e Ferrari (2013) afirmam, que vivemos hoje um excesso de informação, que nos leva a buscar cada vez um conhecimento para ““poder lidar com”, estabelecemos um lugar para a informação como aquela que vai me dar o que eu não sei” (p.77) e nessa busca, percebo que, para as/os docentes com quem conversei, quando relataram experiências compartilhadas na construção e desenvolvimento de projetos, durante suas variadas experiências em sala de aula e nos demais espaços da escola, todas e todos enfatizaram que essa prática é importante. Marilia conta de sua experiência, na escola em que trabalha há 23 anos “Nós fizemos há muito tempo na escola, à noite, nós fizemos um grupo de discussão, em termos dessa questão de sexualidade, porque nós só tínhamos os alunos de 6º ao 9º anos, só à noite, então nós tínhamos um grupo, que até a professora de ciências que coordenou, que culminou em um encontro. Esse encontro, inclusive foi um encontro com todos os alunos do noturno, com palestras e teve até um momento com a comunidade, e ela convidou várias pessoas, de várias áreas, da medicina...da formação humana, para um debate com os alunos e foi muito bom. Mas tem muito tempo, foi quando começou a intensificação da aids”. E ela complementa, ao afirmar “Eu acho que hoje é mais necessário fazer isso, mas eu acho que hoje é mais difícil, porque eu acho que o professor, ele vai ter que ter um desprendimento maior, porque nós tivemos que ter. A gente separava um tempo toda semana, estudávamos muito, discutíamos textos pra ver se o que a gente estava falando era aquilo mesmo, e eu acho que hoje isso é mais difícil”. Podemos perceber, a partir das falas da professora, que os projetos são esporádicos, na escola na qual ela trabalha e há o reconhecimento da necessidade de que continuem a ser realizados. Segundo Ferrari e Castro (2013), “ao mesmo tempo em que podemos nos identificar com um modelo de professor(a), que prevê posturas valorizadas, por exemplo, aquele(a) que domina seu conteúdo ou aquele/a que consegue manter toda a turma em completo silêncio, podemos nos sentir diferentemente mobilizados por novas posturas, novas identificações com outros modelos (p.311) e todas/os essas/es professoras/es estão presentes e 142 atuando na mesma escola, ao mesmo tempo. Entretanto, há de ser ter em conta a realidade, na qual estão inseridos grande parte das/dos docentes que estão atualmente em atividade na educação pública brasileira, que é a de carga de trabalho aumentada em função da desvalorização salarial, que faz com que muitas/os não disponham de tempo e energia necessários para investir no desenvolvimento de projetos em suas escolas, mesmo quando reconhecem essa necessidade. Sabendo que esse tipo de atividade precisa do engajamento de um grupo, do apoio da gestão da escola e, se possível, da participação da comunidade escolar, não sendo viável se desenvolvido por apenas um profissional, sem que se estabeleçam pelo menos algumas dessas relações necessárias, eles acabam não acontecendo nas escolas. E novamente é o professor Paulo quem corrobora com nossas colocações ao contar da importância do envolvimento amplo de grupos e setores no desenvolvimento e aplicação dos projetos. Ele diz da necessidade de trazer as propostas “Envolvendo a comunidade sim, hoje temos propostas mais voltadas pras questões culturais, de raça, mas perpassam sim, por essas questões (se referindo a relações de gênero e sexualidades). Estamos preparando um senso na escola, alguns alunos vão realizar esse senso e essa é uma das questões: com que gênero o aluno se identifica? Por que há um desgaste muito grande. Isso envolve semanas e semanas de conversa com esses meninos para que eles entendam que as pessoas tem opções distintas às vezes e eles tem que respeitar essa opções distintas. E a comunidade que a gente trabalha é uma comunidade tradicionalista, uma comunidade evangélica, em que a religião, ela bate todo o tempo, você encara ela todo o tempo, sempre que você vai falar de culturas distintas, de opções distintas, ai vem aquela coisa de que essa não é a vontade divina”. O docente destaca sua opinião a respeito da participação da comunidade nas ações da escola e mostra que outros temas tem mais espaço na escola, embora ainda acredita que seja importante que haja um crescimento dessa participação, um envolvimento maior de todas e todos na construção das atividades da/na escola. A maioria das/os entrevistadas/os, 3 entre 5, comentaram da necessidade de despertar o interesse das/dos professoras/es em criar/desenvolver/participar de projetos nas escolas, nas quais leciona, mesmo reconhecendo as demandas profissionais e pessoais de cada uma/um. Para Marília o importante “primeiro é a disposição”, referindo-se novamente à relevância da participação efetiva do grupo docente e da gestão da escola. Os demais setores são convidados e incentivados a participar, mas as propostas de projetos brotam desses dois grupos/setores. Em uma escola, tenha esta poucas/os ou muitas/os professoras/es compondo seu corpo docente, é esperado que hajam pessoas muito diferentes entre si e a escola tenha 143 aqueles que abracem as atividades e propostas pedagógicas inovadoras, não há consenso geral, pois as diferentes opiniões, disposições e possibilidades estão ali presentes e atuantes e são igualmente legítimas. O professor Cristiano falando também das dificuldades e agravantes que são representados no cotidiano da escola, nos diz que “Tem uma questão: tipo assim, o professor tem que chegar na aula, dar o conteúdo, o aluno aprende e vai embora. Qualquer questão que saia do eixo, talvez a resposta seja muito parecida. Por exemplo, um aluno com capacidade muito grande de aprendizado, né, com uma alta habilidade, um aluno autista, um aluno cadeirante, um aluno cego, um aluno surdo. Talvez aí… ah, você tem na escola um aluno com deficiência. Igual, por exemplo, eu tive um aluno que ele era surdo, quase cego e com atraso mental. Ele tava numa sala de aula com outros vinte e sete. Desses vinte e sete, vinte e quatro com problemas de comportamento seríssimos. Então, assim, uma turma muito difícil de trabalhar. Aí se você pega qualquer situação dessa e sai do certinho ali, aí talvez a resposta não seja outra, “não estou preparado, não discuto”. De acordo com o docente, as condições de trabalho que são oferecidas pelas escolas, às vezes, inviabiliza, ou, na melhor das hipóteses, dificulta a participação de muitas/muitos professoras/es em atividades, as quais dependam de mais tempo e dedicação desde sua formulação, até sua avaliação, após ser realizada. Paulo colabora nessa fala quando declara: “Eu acho que a gente vive ainda uma educação muito conservadora. Tradicional...Bancária.../ Esse é o modelo e é sempre respaldado naquela situação, eu ganho pouco, então eu não preciso fazer além. Então, eu vou fazer o que eu preciso fazer. E entende-se que o seu trabalho é o que? Meu trabalho é passar conteúdo. Meu trabalho não é educar. Esse é o discurso”. Ao pretendermos lançar ares novos às discussões já feitas e pensadas acerca da importância do investimento em projetos nas escolas, proposta essa, que surgiu fortemente nas falas de todas/os as/os docentes que participaram desta pesquisa, seja nas conversas presenciais, seja nas respostas aos questionários e nas conversas informais durante as visitas de campo e que considero parte importante deste trabalho, recorro novamente à Elizabeth Ellsworth (2001) e à sua ideia de modos de endereçamento, para propor uma forma de pensar variadas possibilidades de conversa/trabalho/dinâmicas/ações possíveis no campo da educação. A autora sugere que Talvez uma determinada pedagogia funcione devido aos significados que os estudantes dão à diferença entre, de um lado, quem a atitude ou o tom do 144 endereçamento dessa pedagogia pensa que eles são ou quer que eles sejam e, de outro, todos os outros “quem” que estão circulando, por meio do poder e do conhecimento, naquele momento, competindo por sua atenção, por seu prazer, por seu desejo e por sua ação. Talvez uma determinada pedagogia funcione porque essa diferença no endereçamento – essa mudança de endereçamento – transfere seu público de um lugar no qual eles não querem mais estar (mas talvez ainda não tenham sequer se dado conta disso) para um lugar que eles queiram experimentar por um tempo (mesmo sem saber com segurança o que eles farão e encontrarão lá) (p.49). Os modos de endereçamento possíveis podem ser mais explorados e alcançados através de projetos, os quais possam se articular e envolver variadas/os protagonistas, partindo de problematizações, que façam parte do interesse das/os alunas/os e professoras/es, integrando recursos pedagógicos, midiáticos, institucionais e sociais, investindo na construção diária de uma nova escola, que permita a ampliação de formas de viver baseadas no respeito às diferenças e subjetividades de cada sujeito em constituição, que se forma e se renova na e com a escola. 145 5 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES Quando esse trabalho precisa ser, ainda que temporariamente, concluído, se faz necessário por um ponto final, ainda que as problematizações e a busca por uma educação com mais equidade continue diariamente. Mais uma vez, penso nas múltiplas escolas que conheci ao longo da minha vida, em quase 50 anos de idade. Minha memória transita por muitas escolas, desde a mais simples escola rural, com apenas uma sala multisseriada, na qual se inseriam 03 séries; até grandes escolas das redes pública e privada. Muita coisa se passou diante dos meus olhos e lembranças. Visões entremeadas pela esperança de que essas escolas significassem mais do que o que estava escrito em suas lousas. Nessa busca, cheguei ao propósito de pesquisar com professoras e professores do Ensino Público Municipal de Juiz de Fora, para ouvir delas/es de que forma as relações de gênero e sexualidades estão acontecendo, sendo vistas e conversadas em seus espaços, durante suas vivências. Ao iniciar esse trabalho de pesquisa e escrita muitas das coisas que aconteceram não estavam no script, foram acontecendo, chegando junto com as pessoas e as oportunidades, fazendo-se no campo e com o campo. A ausência de professores de ciências em nossas conversas não estava planejada, mas a presença de docentes de outros conteúdos era um ponto importante para mim durante a realização deste trabalho. Porém, poder contar somente com professores de outras áreas na segunda etapa do campo, nos encontros presenciais, foi tão surpreendente, quanto positivo. Oportunizar uma discussão possível acerca de gênero e sexualidades fora do conteúdo de ciências foi um avanço importante, que enriqueceu o trabalho com novas possibilidades. Isso fez com que a metodologia também tenha sido adaptada, revista e modificada de acordo com o movimento do campo, com os encontros e as mudanças. Durante nossas conversas, que partiram das respostas obtidas às três questões do questionário inicial, dentre as/os 05 participantes dos encontros e entrevistas, 04 assumiram abertamente abordar esses temas em suas aulas, em geral, obedecendo a demandas que chegam da comunidade, da mídia, ou da vida pessoal das/os alunas/os. Uma professora apenas afirmou que, em geral, em sua escola, existem outras urgências que ocupam os espaços de discussão, sobretudo as violências. Isso mostra que as escolas ainda não estão incluindo em seus currículos e planejamentos pedagógicos, ações e projetos por meio dos quais as relações de gênero e as sexualidades ocupem um espaço importante. Em 146 contrapartida, há a presença de docentes que se comprometem com as necessidades de informação e discussão das/dos alunas/os para além do conteúdo programático, buscando ouvir, aguçar o olhar e a sensibilidade para perceber as necessidades e às vezes, as fragilidades que se apresentem no cotidiano da escola, partindo dessas/es meninas/os. Todas/os as/os docentes que se mostraram abertos e dispostos a discutir o papel da escola hoje e a realidade que se constrói a cada dia nesses espaços, desempenharam papel fundamental na construção deste trabalho de pesquisa e escrita. Ao tratarmos da segunda questão, que versava a respeito de se saber se a escola era um bom espaço para a promoção do debate desta temática, todas/os concordaram que sim, entretanto, outras demandas ainda foram consideradas mais importantes, por uma das professoras. Notei que, mesmo tendo consciência da presença de alunas/os homossexuais/travestis/transexuais na escola, a linguagem utilizada por todas/os ainda se baseia no binarismo de gênero, e na utilização, em tempo integral, das referências no masculino; é sempre “o menino”, o aluno”, “o professor”, o que nos permite perceber que ainda não é comum a problematização acerca da utilização desses termos de forma generalizada, sendo essa forma estandardizada como natural. Das três escolas pesquisadas, em duas, parece ser mais frequente a discussão, e que vários docentes estão dispostos a enfrentar a resistência, representada por colegas mais conservadores, ou movimentos contrários advindos da comunidade e entorno. A presença do discurso religioso e sua influência dentro das práticas escolares ficaram muito claras, e fazem parte da cultura das comunidades escolares, podendo até mesmo em alguns casos, definir a abordagem utilizada por algumas/uns docentes. A prática religiosa de alguns segmentos é, muitas vezes, trazida e reproduzida dentro das escolas, por docentes, gestores e alunas/os, ignorando o princípio da laicidade e a proposta de democratização das crenças diversas, com espaço e respeito a todas as manifestações. Nesse sentido, a prática baseada em crenças de algumas religiões torna ainda mais dura a rotina escolar de alunas e alunos LGBTQI, uma vez que os discursos de representantes de diferentes segmentos indicam, com frequência, posições conservadoras, intolerantes e de incitação ao ódio contra essa população. É urgente a necessidade de se problematizar a ascensão desses discursos nos espaços escolares, no propósito de construir uma educação com mais equidade para todas e todos. A convivência da comunidade escolar com a violência, em diversas formas, também foi uma realidade que se descortinou de forma contundente. Foi possível perceber que essa temática é prioridade nas escolas, já que a violência vitima e também é recurso de muitas/os 147 alunas/os. Importante notar que a violência contra a população LGBTQI não ocupa um espaço sequer razoável nas discussões, catapultadas pelos efeitos do tráfico e consumo de drogas nas comunidades de entorno das escolas pesquisadas e alunas/os que as frequentam. A violência contra a mulher também está presente nas discussões na escola, em geral, relacionada à violência sexual, porém, projetos nessa linha usualmente não acontecem, pelo menos de forma planejada, e também aqui aparece o discurso de preconceito contra a figura feminina, no qual a vítima pode ser posta como a causadora da violência que sofre. Como explicação e justificativa para a mudez em torno das discussões de gênero e sexualidades, ouvimos que a falta de preparo é, em grande parte responsável pela ausência da abordagem, porém, pensando com Alexsandro Rodrigues, Hugo Ramos e Ronan Silva (2012) temos que Em relação à falta de “preparo/capacitação/formação” como dizem os educadores, pudemos evidenciar que os dispositivos institucionais voltados para esta temática são precários. Diante disso, questionamos: será que devemos ficar aprisionados às capacitações/formações continuadas? Esse é o único caminho possível? E o que acontece na escola, também forma, informa? Será que produziremos com isso um movimento de cartilhização das Sexualidades e dos discursos e práticas possíveis? Somente após uma formação continuada é que se está autorizado a pensar/discutir/trabalhar em torno dessa temática na escola? (p.169). Preparar, se preparar, ser preparado... até que ponto isso pode ser feito? As respostas que lemos e ouvimos sugerem que os temas relacionados às questões de gênero e sexualidades devem estar presentes na formação docente, começando pela discussão durante sua formação acadêmica, um campo no qual ainda pode ser bastante ampliada, fazendo parte, como disciplinas obrigatórias a todas as licenciaturas. Além disso, é necessário repensar a valorização do trabalho docente, de forma que haja disponibilidade de tempo e possibilidades para que quem está em atividade nas escolas hoje, possa buscar formas de conhecer e problematizar outras realidades e maneiras de viver de alunas/os e os outros sujeitos da escola. Toda mudança cultural e social, atualmente, passa pela escola. Dar voz a professoras e professores, alunas/os, gestoras/es, funcionárias/os e à comunidade escolar contribui para que a sociedade se aproxime das realidades que são construídas em cada espaço escolar. Discutir os currículos, publicizá-los, transformá-los de acordo com as mudanças que se dão no cotidiano da escola e da comunidade faz tarde da construção de uma escola mais democrática e respeitosa com todas e todos. Uma escola que pense e aja para além dos documentos oficiais 148 e práticas que propõem, e às vezes impõem, uma homogeneização do ensino, que leve em conta as resistência que são impetradas em seus diálogos e pedagogias. Uma escola empenhada em não reproduzir as desigualdades, praticando discursos e pedagogias mais abrangentes, sobretudo valorizando e praticando as discussões de gênero e sexualidades em seus espaços. Outras demandas importantes, significativas e legítimas existem, porém, as questões de gênero e sexualidades são importantes para a vida saudável e feliz dos sujeitos da escola. Muitas outras questões podem ainda ser construídas a partir do material recebido, pois os docentes das escolas municipais de Juiz de Fora têm muito a dizer, e querem fazer isso. Acredito que seja uma realidade plural, que pode ser estendida a outras escolas e segmentos; outros sujeitos da escola podem e devem vir se somar às discussões, pois as múltiplas escolas estão em constante transformação, mudam todos os dias e essas transformações se refletem e são refletidas pelas suas práticas e suas relações com a sociedade. 149 6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALTMANN, Helena; MARTINS, Carlos José. Educação sexual: ética, liberdade e autonomia. Revista Educar, Curitiba, n.35, pp. 63-80, Editora UFPR. 2009. ALVES, Zélia Mana Mendes Biasoli; SILVA, Maria Helena G.F. Dias da. Análise qualitativa de dados de entrevista: uma proposta. Paidéia (Ribeirão Preto). 1992 Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Ribeirão Preto, n. 2, p. 61-69, 1992. Disponível em: http://hdl.handle.net/11449/29512. ARAÚJO, Karina De Toledo; CALSA, Geiva Carolina. 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Estou realizando uma pesquisa sob supervisão do Prof. Dr. Anderson Ferrari, cujo objetivo é perceber como os(as) professores/professoras estão abordando as discussões de gênero e sexualidades em suas aulas, no segundo segmento do Ensino Fundamental em suas discussões nas diferentes áreas e conteúdos. Sua participação envolve a presença em três encontros na forma de grupos focais, com duração aproximada de duas horas cada encontro, onde serão discutidas questões relacionadas ao objetivo da pesquisa citada. Esses encontros serão gravados em áudio e vídeo, para posterior transcrição e análise. Esse material e as informações nele contidas, serão de conhecimento exclusivo da mestranda e do orientador. A participação nesse estudo é voluntária e se você decidir não participar ou quiser desistir de continuar em qualquer momento, tem absoluta liberdade de fazê-lo, mas reiteramos a relevância desta oportunidade de discussão a respeito do assunto em pauta. Na publicação dos resultados desta pesquisa, sua identidade será mantida no mais rigoroso sigilo. Serão omitidas todas as informações que permitam identificá-lo(a) ou a escola ao qual está institucionalmente vinculado. Mesmo não tendo benefícios diretos em participar, indiretamente você estará contribuindo para a compreensão do fenômeno estudado e para a produção de conhecimento científico. Quaisquer dúvidas relativas à pesquisa poderão ser esclarecidas pelo(s) pesquisador(es) fone (32) 99107-5355, ou pela entidade responsável – PPGE/UFJF, Programa de Pós Graduação em Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora. 160 Atenciosamente Juiz de Fora, _____, ____________, 2016 __________________________________________________ Mestranda: Claudete Imaculada de Souza Gomes Matrícula: 2030405 E-mail: cl_claudete@hotmail.com Tel: (32) 99107-5355 __________________________________________________ Orientador: Prof. Dr. Anderson Ferrari E-mail: aferrari13@globo.com.br Consinto em participar deste estudo e declaro ter recebido uma cópia deste termo de consentimento. Participante: ____________________________________ Assinatura do participante.